31 Outubro 2025
“Não há palavras para descrever adequadamente o horror do massacre de mais de 130 jovens negros e pobres assassinados pela polícia do Rio de Janeiro sob o pretexto de combater o narcotráfico”. A reflexão é de Raúl Zibechi, em artigo publicado por Desinformémonos, 29-10-2025. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Não há palavras para descrever adequadamente o horror do massacre de mais de 130 jovens negros e pobres assassinados pela polícia do Rio de Janeiro sob o pretexto de combater o narcotráfico.
Tratou-se de uma operação de guerra urbana na qual o governo do Estado mobilizou 2.500 policiais militares fortemente armados, juntamente com veículos blindados e helicópteros, para atacar os complexos de favelas da Penha e do Alemão, na Zona Norte da cidade, uma área com alta concentração de pessoas pobres. Esses dois complexos de favelas têm mais de 150 mil habitantes, com uma enorme densidade populacional.
O governo do Rio reportou 60 mortes, mas moradores das favelas levaram mais de 50 corpos às praças, corpos que não foram incluídos na contagem oficial, deixando o número real de mortos incerto. Até o momento, o número de mortos ultrapassa os 120.
As reações foram imediatas, desde organizações de direitos humanos até as Nações Unidas, que disseram estar “horrorizadas” com o massacre. Além das estatísticas, existem fatos relevantes.
O genocídio palestino em Gaza é o espelho no qual os povos oprimidos do mundo devem se ver. Para os que estão no poder, começou um período de caça indiscriminada à população “excedente”, porque podem contar com a garantia de impunidade. Agora, mais do que nunca, Gaza somos todos nós. Poderia ser Quito, San Salvador, Rosário ou Tegucigalpa; a região do Cauca colombiano ou Wallmapu; talvez as montanhas de Guerrero ou as comunidades de Chiapas. Agora, todos estamos na mira de um capitalismo que mata para acumular riqueza mais rapidamente.
Dizem narcotraficantes com a mesma insensibilidade com que se referem a palestinos, mapuches ou maias. Essas são apenas desculpas. Argumentos para a classe média urbana. Mas a história recente nos mostra que eles estão criando laboratórios para o genocídio.
No Equador, um país pacífico, quando o povo triunfou na revolta de 2019, o governo reagiu libertando criminosos de prisões que haviam se transformado em campos de extermínio, onde a mídia mostrou detentos jogando futebol com a cabeça decepada de uma vítima.
Em Cauca, a mineração a céu aberto e o cultivo de drogas exacerbaram a violência paramilitar contra as comunidades Nasa e Misak, que resistem e se recusam a ser subjugadas, tornando a região a mais violenta de um país já violento.
Em território mapuche, tanto no Chile como na Argentina, quem está no poder decidiu que os que resistem devem ser rotulados de “terroristas”, resultando em um número maior de prisioneiros mapuches hoje do que durante as ditaduras de Pinochet e Videla.
No México, tudo é claro, tão claro que a mídia e o governo se recusam a nos mostrar, mascarando a violência com uma retórica que apenas reconhece sua cumplicidade. A violência sistemática em Guerrero e Chiapas deveria ser motivo de indignação.
No Rio de Janeiro, um sociólogo costuma dizer que o narcotráfico não é um Estado paralelo, mas o Estado realmente existente. Isso inclui todos os governadores das últimas décadas, com sua comitiva de empresários mafiosos, parlamentares e vereadores que constituem uma estrutura de poder herdada dos esquadrões da morte da ditadura militar.
Gaza nos coloca em um contexto diferente, diante de desafios diferentes. O primeiro desafio é entender que a morte é a razão de ser do sistema capitalista. O segundo é entender que este sistema é composto pela direita e pela esquerda, por conservadores e progressistas. O terceiro é que precisamos nos organizar para nos proteger, porque ninguém mais o fará.
O mundo que conhecíamos está desmoronando. Choremos esses jovens assassinados no Rio, esses corpos estendidos no asfalto.
Transformemos nossas lágrimas em rios de indignação e torrentes de rebeldia.
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