O Peru de Prevost foi um laboratório do Vaticano II de renovação da Igreja

Foto: Vatican Media

24 Outubro 2025

Muito antes de ser o sucessor de São Pedro, o Papa Leão XIV tinha um nome diferente para os fiéis da Paróquia de São José Operário em Chulucanas.

A reportagem é de Justin McLellan, publicada por National Catholic Reporter, 23-10-2025. 

"Nós o chamávamos de Padre Robertito, porque éramos muito próximos dele", disse Elena Lozada Seminario ao National Catholic Reporter, dentro da igreja onde o Padre Robert Prevost, então com 30 anos, serviu no norte do Peru em 1985. "Ele estava sempre visitando as comunidades, indo para o interior. As pessoas o amavam porque ele era tão simples, tão humilde."

Como um jovem missionário e padre por apenas três anos, Prevost foi enviado para Chulucanas, onde passou apenas um ano antes de passar a ministrar por mais de uma década na cidade costeira de Trujillo, mas seu tempo lá deixou uma marca indelével na visão do futuro papa sobre a Igreja.

O modelo pastoral que ele encontrou — enraizado na governança sinodal, na liderança leiga e na missão social — moldou seu ministério posterior em Trujillo e, décadas depois, orientou sua abordagem como bispo de Chiclayo, uma cidade a apenas quatro horas ao sul de onde ele chegou ao país.

Visão de uma Igreja imersa no Vaticano II

A estrutura pastoral na qual Prevost se inseriu em Chulucanas já estava em funcionamento quando ele chegou lá como um jovem agostiniano em 1985, mas suas raízes podem ser claramente rastreadas até o Concílio Vaticano II de 1962-1965 e as assembleias de bispos latino-americanos que o seguiram.

Em 1962, o Papa João XXIII pediu à igreja nos Estados Unidos que enviasse 10% de seu clero em missão à América Latina.

Embora esse número nunca tenha se concretizado, diversas congregações religiosas acolheram a mensagem com naturalidade. A Província Agostiniana do Centro-Oeste foi uma delas; em 1963, os primeiros agostinianos dos EUA chegaram ao Peru e a prelazia de Chulucanas foi formada no ano seguinte.

John McNabb, agostiniano de Beloit, Wisconsin, tornou-se prelado de Chulucanas em 1964, chefe da jurisdição da igreja, que ainda não era uma diocese. Quando McNabb chegou ao Peru, os outros agostinianos americanos que já trabalhavam no país lhe disseram que liderar Chulucanas era "impossível", ele lembrou em suas memórias. "Não há como começarmos a evangelizar um território tão grande. Não achamos que devemos assumir a prelazia como está planejada", disseram-lhe.

McNabb, no entanto, seguiu em frente e, como chefe da igreja em Chuclucanas, participou como membro votante da terceira e quarta sessões do Concílio Vaticano II, que trataram da estrutura da igreja, do papel dos bispos e dos leigos, das missões e da formação sacerdotal.

Isso deu início à reflexão de décadas de McNabb sobre a melhor forma de organizar a missão no Peru que se materializaria no modelo encontrado e adotado por Prevost.

Em 1968, bispos latino-americanos se reuniram em Medellín, Colômbia, para discutir a implementação do Vaticano II, concluído três anos antes. Um resultado fundamental desse encontro foi a recomendação de promover a formação de comunidades eclesiais de base — pequenas comunidades cristãs lideradas localmente — como o "primeiro e fundamental núcleo" da Igreja. O encontro afirmou que a formação de líderes para essas comunidades, que poderiam ser clérigos, religiosos ou leigos, deveria ser uma "preocupação prioritária para párocos e bispos".

Após essa assembleia, os agostinianos implementaram um programa de formação para líderes leigos na prelazia. Na época, estimava-se que cerca de 300.000 pessoas viviam sob a jurisdição da igreja, 15% das quais viviam em capitais provinciais urbanas e 85% em áreas rurais.

Em uma história da Ordem Agostiniana na região, o padre agostiniano Avencio Villarejo lembrou como, em meados dos anos 60, o terreno acidentado, "quase totalmente desprovido de estradas, indicava claramente as dificuldades que os agostinianos encontrariam na administração espiritual de tantas almas, que só podem ser alcançadas por meio de árduas e longas viagens em lombo de animais e em trilhas vertiginosas".

Nove anos após o encontro de Medellín, McNabb participou de outra assembleia de bispos latino-americanos em Puebla, México, aberta pelo Papa João Paulo II. McNabb relata em suas memórias como o papa se referiu às comunidades eclesiais de base que estavam sendo desenvolvidas em todo o continente como "uma fonte especial de esperança para a Igreja na América Latina".

Naquele momento, McNabb estava discernindo a implementação de um projeto de renovação paroquial a ser adotado pela prelazia, intitulado "Nova Imagem da Paróquia".

O Movimento por um Mundo Melhor, uma iniciativa católica dedicada à renovação da Igreja, iniciada em 1952, desenvolveu o projeto após o Vaticano II. O projeto de renovação paroquial se tornaria parte integrante do legado de McNabb na diocese e parte essencial da visão de Igreja de Prevost.

O projeto buscava incluir todos os batizados na vida da paróquia. Na prática, isso significava dividir cada paróquia em zonas, nas quais leigos eram eleitos para exercer ministérios dentro de suas zonas, como secretário, mensageiro ou coordenador de liturgia, catequese, serviços sociais ou atividades para jovens adultos.

McNabb escreveu que os elogios do papa às comunidades eclesiais de base durante o encontro em Puebla em 1977 "deram ao plano uma recomendação muito positiva e ajudaram a nos assegurar que a direção do nosso programa pastoral não era apenas aprovada e necessária, mas também que era provavelmente a maneira mais concreta de concretizar as muitas sugestões que ouvimos em Puebla".

Com um cronograma de implementação de 10 anos, Prevost chegaria a Chulucanas justamente quando o plano "Nova Imagem da Paróquia" atingia seu potencial máximo. O modelo, implementado pelos agostinianos que o precederam, tornou-se parte integrante do DNA pastoral do futuro papa, moldando sua visão da Igreja, dos leigos, do papel dos padres e bispos e de como todos interagem entre si para viver como Igreja.

'Padre Robertito' e o espírito de Chulucanas

Os fiéis da Paróquia de São José Operário, em Chulucanas, lembram-se de um jovem padre agostiniano, Robert Prevost, empurrando McNabb por Chulucanas em uma cadeira de rodas, ajudando-o a equilibrar-se enquanto caminhava e auxiliando-o a controlar sua medicação.

"Pastoralmente, [Prevost] foi forjado aqui em Chulucanas", disse Lozada, o paroquiano, ao National Catholic Reporter. "Tínhamos um bispo, Monsenhor Juan [McNabb], que era 100% missionário, trabalhava muito. Ele transformou nossa pequena paróquia em uma enorme diocese com a ajuda dos agostinianos, que trabalharam muito e se formaram aqui."

Jovem canonista, padre há apenas três anos, Prevost foi enviado ao Peru após passar quatro anos em Roma e obter sua licenciatura em Direito Canônico. Em Chulucanas, atuou como chanceler para auxiliar McNabb, então com 60 anos, e preparar a documentação para converter a prelazia em diocese.

No final de 1983, pouco mais de um ano antes da chegada de Prevost, a região de Chulucanas foi atingida por graves inundações que agravaram a já precária economia da região. McNabb relembrou missões de resgate lideradas por religiosas, padres e seminaristas que viajavam em caminhonetes pertencentes a paróquias para resgatar pessoas com água pela cintura e alojá-las em conventos e casas paroquiais agostinianos.

O Papa Leão lembrou essa pobreza extrema em uma entrevista para sua biografia publicada no Peru.

"Havia uma parte de mim que olhava ao redor e dizia: 'Senhor, para onde me trouxeste?'", disse ele.

Embora seu objetivo ali fosse em grande parte administrativo, os paroquianos que o viram trabalhando se lembram dele como pastor.

Lozada lembrou que Prevost dedicava tempo à formação de jovens e ao treinamento para serem coroinhas. Aqueles que moravam perto vinham à paróquia para receber formação, mas Prevost "ia visitar as aldeias onde os padres não conseguiam chegar porque era difícil, mas ele ia uma ou duas vezes por semana".

Luis Chiroque Farán tinha apenas 13 anos quando o futuro papa o ensinou a ser coroinha. Ele disse que ele e os outros jovens com quem Prevost trabalhou estavam felizes por ter um jovem padre por perto.

"Ver um padre de jeans, camisa polo e boné, caminhando com ele e se encontrando com os jovens, foi muito marcante", disse ele. "Ele tinha um espírito de grande abertura para com os jovens."

A Chulucanas onde Prevost se encontrava era "uma cidade muito pequena, muito pobre, as casas eram feitas de paus e palha", disse Lola Chávez Hernández, outra paroquiana de São José Operário. No entanto, Prevost "estava ao lado dos pobres, dos mais simples, dos mais humildes. Era lá que ele estava, e também aprendeu com seus antecessores, com aqueles cuja autoridade estava sob sua tutela, como Monsenhor Juan [McNabb] e outros padres que estiveram aqui. Então, ele veio para cá com essa convicção de servir aos pobres."

Victor Chiroque, outro paroquiano, disse que Prevost, assim como os outros agostinianos da prelazia, estava comprometido com o plano pastoral implementado por McNabb.

"Todos os padres estavam muito envolvidos no plano pastoral, e ele era um deles", disse Chiroque. "Ele era jovem, então saía — não apenas aqui em Chulucanas, mas visitava todas as aldeias, o que naquela época não era fácil."

Como papa, Leão disse em sua biografia que McNabb "foi, de muitas maneiras, um bispo muito profético" por instituir um plano pastoral que imaginava uma paróquia como "a experiência da igreja em nível local e a construção de uma comunidade autêntica onde as pessoas se conhecem, ajudam umas às outras e apoiam umas às outras".

"Tudo o que ouvimos hoje com a conversa sobre sinodalidade, já fazíamos em Chulucanas na década de 1980, avançando, então foi tudo muito natural para mim", disse ele, referindo-se ao termo cunhado pelo Papa Francisco para a criação de uma igreja mais participativa e ouvinte.

O futuro papa passaria apenas um ano em Chulucanas antes de retornar aos Estados Unidos, mas seu tempo lá incutiria nele uma imagem participativa da igreja que ele trabalhou para implementar repetidamente ao longo de sua carreira eclesial.

Transformando paroquianos em parceiros

Víctor Saldaña Ortíz tinha um problema. No início da década de 1980, ele começou a morar no bairro de Monserrate, em Trujillo, cidade costeira peruana a cerca de 350 quilômetros ao sul de Chulucanas.

O bairro não tinha uma paróquia própria e a comunidade era dividida, pois as pessoas visitavam diferentes paróquias para assistir à missa todos os domingos.

Em 1989, Saldaña e outros vizinhos pressionaram com sucesso a ordem religiosa redentorista para celebrar uma missa dominical para o bairro. Apesar do horário da missa ser às 6h30, as pessoas compareceram, e cada vez mais pessoas começaram a comparecer.

No entanto, em 1992, os Redentoristas não podiam mais oferecer uma missa regular à comunidade. Os fiéis de Monserrate se encontraram com o arcebispo de Trujillo, que recomendou que eles contatassem outra ordem religiosa, os agostinianos, que ainda eram relativamente novos na área e poderiam ter disponibilidade para dar suporte à paróquia.

Saldaña e outros vizinhos lembram-se de terem ido à casa de formação agostiniana em Trujillo para pedir apoio. Lá, um jovem seminarista abriu a porta para eles e outro grupo de jovens agostinianos logo os seguiu até a casa para almoçar.

Socorro Cassaro, membro do grupo do bairro, contou a um dos agostinianos que eles foram orientados a falar com o Padre Robert Prevost, prior da comunidade. Vestido com camisa polo, calça jeans e tênis, assim como os seminaristas, o agostiniano respondeu com um sorriso: "Sou eu".

Após um ano em Chulucanas, Prevost retornou à região de Chicago para atuar como diretor de missão e vocações dos Agostinianos do Centro-Oeste. Em 1988, retornou ao Peru, desta vez para Trujillo, que na época tinha uma população de pouco menos de 700.000 habitantes.

Durante 11 anos em Trujillo, Prevost foi mestre de formação na casa de formação agostiniana. Foi responsável pelo cuidado pastoral em outra paróquia pobre e, a partir de 1992, tornou-se administrador paroquial na Paróquia Nossa Senhora de Montserrat.

Após refletir sobre o pedido da comunidade, Prevost concordou em confiar o cuidado pastoral da comunidade do bairro de Monserrate aos agostinianos, com uma condição: adiar a missa das 6h30.

"Como vou chegar lá às 6 da manhã?", Saldaña lembrou-se de Prevost ter dito a eles. "Estou apenas abrindo os olhos."

Embora a comunidade paroquial fosse vibrante, ainda não havia uma igreja. As missas naquele primeiro ano em que Prevost esteve envolvido eram celebradas nas ruas ou em diferentes parques. As famílias traziam suas próprias cadeiras e, ao final da missa de cada semana, comunicavam onde a missa seria realizada na semana seguinte.

Depois que os agostinianos assumiram a paróquia, Prevost e as outras organizações começaram a implementar o modelo de paróquia que ele havia aprendido em Chulucanas, e a nova Paróquia de Nossa Senhora de Montserrat foi dividida em 16 zonas.

"Em cada área, batíamos de porta em porta e marcávamos um horário. As famílias iam a um parque para se reunir, o Padre Robert também ia, e os jovens tocavam músicas para que todos pudessem comparecer", explicou Alicia Chang Sánchez, paroquiana. "Lá, foi nomeado um grupo de liderança, um órgão representativo para que pudessem trabalhar mais diretamente com a paróquia, e é assim que todos em Montserrat se conhecem, por causa desse trabalho."

Elsa Ocampo lembrou como foi inicialmente um desafio para a comunidade se adaptar ao plano da Nova Imagem da Paróquia.

"Estávamos acostumados a uma forma de liderança mais tradicional, em que o padre comandava tudo e dava ordens, e era isso que se fazia", ​​disse ela. "Mas com [os agostinianos] começamos a trabalhar em equipe."

Cada zona da Paróquia de Montserrat organizava sua própria " fiesta de fraternidad ", ou "festa da fraternidade", a cada mês, consistindo primeiro de uma liturgia, seguida de uma assembleia e, em seguida, de conversas compartilhadas com café, chá e petiscos. Esses encontros, disse Ocampo, "ajudavam a criar laços de amizade entre as pessoas que compõem a comunidade paroquial".

Quando alguém adoecia e não tinha dinheiro para comprar remédios ou pagar um táxi para ir ao trabalho, "nós todos colaborávamos, juntávamos algo e doávamos", acrescentou. Quando alguém morria, o coordenador litúrgico organizava pessoas para se reunirem na casa do falecido para uma oração.

"Com esses atos, as pessoas se sentem envolvidas e comprometidas com o trabalho de cada zona", disse Ocampo. Cada zona tem um santo padroeiro, normalmente identificado por uma estátua do santo no bairro, e no dia da festa, toda a comunidade paroquial se reunia na zona para celebrar com eles.

As reuniões mensais da paróquia, suas tomadas de decisões de base e sua rede de ajuda mútua davam aos católicos comuns a sensação de que eles eram a igreja e não apenas seu público.

Mesmo décadas depois, os paroquianos que construíram Monserrate se lembram de Prevost não apenas pelas estruturas que ajudou a construir, mas também por sua presença entre elas. "Ele era muito gentil na maneira como falava", recordou Cassaro. "Nunca o vi chateado. Ele sempre fazia as coisas com muita calma, com muita paz. Estava sempre aberto a fazer amigos."

Elas se lembram dele em casa, sentados à mesa da cozinha, tomando chá de capim-limão e ouvindo as preocupações sobre a vida paroquial. "Ele não era o tipo de padre que ficava na igreja", disse ela. "Era como um membro da família."

Para eles, sua liderança não tinha a ver com autoridade, mas com acompanhamento, atraindo as pessoas e permitindo que elas assumissem a responsabilidade por sua fé.

Com o tempo, o sistema que ele implementou tornou-se parte definidora da identidade de Nossa Senhora de Montserrat. Os fundadores da paróquia agora contam como seus filhos estão envolvidos em muitas das funções que eles desempenhavam anteriormente.

"Muitos jovens que frequentavam a igreja quando ele era pároco voltaram depois que o nosso Papa Leão XIV foi eleito", disse Ocampo. "Todos estão felizes que alguém que era tão próximo de nós agora esteja liderando a Igreja universal."

Esta história aparece na série de artigos "Procurando Leão na História". Veja a série completa.

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