25 Outubro 2025
"Diante de discursos que querem colocar os povos uns contra os outros, é urgente proclamar em alto e bom som: seguir a Cristo significa estar do lado da libertação, não da opressão."
O artigo é de Michel Lecomte, escritor francês, publicado por Garrigues et Sentiers, 22-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Em certos discursos políticos, vemos florescer afirmações de que a França, ou a Europa, deveria defender suas "raízes cristãs" contra os estrangeiros, o islamismo ou a modernidade. Certas correntes de extrema-direita brandem a cruz como um estandarte de identidade, pisoteando assim o cerne da mensagem cristã.
Vamos dizer claramente que Jesus nunca pregou ódio, medo ou rejeição. Ele não defendeu uma identidade nacional ou religiosa; pelo contrário, ele abriu as fronteiras da fraternidade universal. Onde alguns veem inimigos a serem barrados, Jesus vê próximos a serem amados. Lemos nos Evangelhos que ele acolhe o estranho e o inesperado:
- Conversa com a samaritana, uma mulher duplamente excluída, por sua condição e por sua religião (Jo 4).
- Cura o servo de um centurião romano, oficial do exército de ocupação, e se admira com sua fé (Mt 8,5-13).
- Faz do samaritano, um estrangeiro desprezado, o herói de sua parábola (Lc 10,29-37).
- Louva a fé e a perseverança de uma mulher cananeia, filha de um povo pagão (Mt 15,21-28).
Em cada um desses relatos, o estrangeiro não é um perigo, mas uma figura de fé e salvação. Jesus transcende as fronteiras religiosas, sociais e políticas e anuncia que o amor de Deus não conhece muros nem arame farpado.
Hoje, enquanto a Europa fecha seus portos aos migrantes, enquanto famílias dormem nas ruas de nossas cidades e políticos se gabam de "reduzir a imigração" como se fosse um flagelo, as palavras de Jesus ressoam com força particular: "Eu era estrangeiro e me acolhestes" (Mateus 25,35), não "Eu era migrante e me rejeitastes".
Quando a extrema-direita pretende defender a "civilização cristã", na realidade defende a ordem estabelecida, os privilégios e o medo do outro. Jesus foi condenado pelas autoridades religiosas e políticas por que incomodava.
Ele disse: "Ai de vós, ricos" (Lucas 6,24), e não "Bem-aventurados vós, defensores dos privilégios". Ele viveu e pregou ao lado dos pobres, dos excluídos, dos estrangeiros e dos oprimidos — não ao lado dos poderosos e dos guardiões das fronteiras.
Ser cristão significa retornar a essa subversão original. Significa:
- posicionar-se resolutamente ao lado dos pobres, dos exilados, dos refugiados e dos esquecidos;
- reconhecer no estrangeiro um rosto de Cristo;
- rejeitar qualquer conluio entre fé e nacionalismo;
- lembrar que o Evangelho não é uma bandeira, mas um forte convite à transformação da sociedade para que seja mais justa e fraterna.
Hoje, o verdadeiro perigo não é a perda dos "valores cristãos": é a sua traição por aqueles que os utilizam para excluir e dominar.
Diante de discursos que querem colocar os povos uns contra os outros, é urgente proclamar em alto e bom som: seguir a Cristo significa estar do lado da libertação, não da opressão.
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