Alessandro Baricco, Umberto Galimberti, Corrado Augias, Michele Serra, Stefano Massini e outros pensadores se encontram neste episódio para debater a grande fratura do nosso tempo: a terra emersa do Século XX, com seus horrores e princípios, de um lado, e o novo "continente" digital, impulsionado pelo desprezo ao passado, do outro.
Se, para Baricco, a revolução digital é o motor de uma ruptura definitiva, para outros, a tecnologia sem o apoio da ética se torna um cavalo indomável do Apocalipse. Umberto Galimberti questiona: "Como a ética pode impedir a tecnologia de fazer o que ela pode?". Já Michele Serra discorda, argumentando que a revolução digital mal arranhou a velha ordem, e o problema do poder nas mãos de poucos persiste.
"De um lado, a terra emersa do século XX, com seus valores, seus princípios e sua história trágica. E do outro, um continente, ainda frequentemente submerso, que está se separando do século XX, impulsionado pela revolução digital, motivado pelo desprezo pelos horrores do passado e dirigido por um novo tipo de inteligência. Onde a fratura ocorre, a terra treme. O século XX não cede, e o novo continente continua a se rasgar. Não tenho grandes dúvidas sobre como isso terminará: o século XX irá à deriva, um continente quase desabitado, destinado a ser estudado em livros e museus", defende Barrico
Corrado Augias está convencido de que "a ruptura da nova era com os costumes, a política e a antropologia do século XX é total e definitiva". Conforme aponta, pela primeira vez, os humanos estão sendo progressivamente superados no que antes era seu território típico: a capacidade de conectar diferentes dados para derivar uma síntese". Em sua análise, a situação é ainda pior, porque "a tecnologia faz tudo isso sozinha, sem o indispensável apoio da ética". Segundo o escritor italiano, "os cavalos da técnica, sem guia, são lançados a galope e guardam uma semelhança assustadora com os do Apocalipse".
Michele Serra, no entanto, diverge da leitura cronológica que Baricco faz. Serra sinaliza que "as regras atuais parecem bem dominadas por poucos e suportadas por muitos. Portanto, o problema é sempre o mesmo e, ao longo dos séculos, mudou apenas de forma: impedir que o poder seja detido por poucos, que a riqueza seja detida por poucos e que esses poucos decidam travar a guerra. A revolução digital, até agora, nem sequer arranhou a superfície da velha ordem e, portanto, não me sinto à vontade para dizer que confio no novo século mais do que confiava no antigo".
Stefano Massini, escritor e dramaturgo italiano, entrou no diálogo aafirmando que: "as rédeas do cavalo não estão mais em nossas mãos. Estamos ultrapassados e acabados, transformados em uma periferia barulhenta do mundo que delira com frenesis microscópicos de identidade, sem sequer perceber que nossa própria centralidade ocidental está à beira da extinção irrevogável, esmagada por uma supremacia numérica que desloca o centro de gravidade para outro lugar. Nós preenchemos os quadrados para Gaza, e Baricco está certo em ver isso como um sinal de uma tendência e não como um choque. Mas não podemos esquecer que o Mediterrâneo é um bairro briguento dentro da megalópole do planeta, e milhões e milhões de chineses, indianos e coreanos com menos de 25 anos, que serão a espinha dorsal da humanidade de amanhã, desconhecem a própria existência de Gaza. Assim como desconhecemos o massacre que está em andamento há oitenta anos em Mianmar, onde há menos de 48 horas a junta militar bombardeou uma multidão indefesa".
A semana do Oriente Médio ficou marcada pela assinatura do acordo de paz para Gaza. Surpreendentemente, o acordo não foi assinado entre os palestinos e Israel, mas entre Trump e os negociadores. Pela primeira vez na história, os líderes do conflito não selaram a negociação com um tradicional aperto de mãos e tampouco foram convidados para a festa, que foi estrelada por Donald Trump.
Encerrada a primeira fase do acordo por Israel e Hamas, não saberemos quais serão os próximos passos. "Estamos em discussões preliminares sobre a segunda fase do acordo, mas as negociações entre Israel e o Hamas ainda não começaram porque nem todos os corpos dos reféns foram devolvidos; levará tempo", informa Majed Al-Ansari, que é o conselheiro mais próximo ao primeiro-ministro do Catar e está envolvido nas negociações de paz há dois anos.
Agora, deixamos as burocracias do plano colonial preparado para Gaza para falar da dor que percorre o Oriente Médio. A paz traz alento, mas as feridas da guerra estão expostas. Para o patriarca latino de Jerusalém, Pierbatistta Pizzaballa sabe que o "ódio que foi semeado, não apenas nesses últimos dois anos que explodiu – mas também antes existia, uma narrativa de desprezo, de rejeição, de exclusão – exige uma nova linguagem, novas palavras que também precisam de novas testemunhas. Não se pode separar o que é dito de quem o diz Assim, na visão do cardeal, precisamos de novos rostos, que nos ajudem a pensar de forma diferente.
Das feridas abertas, talvez uma das mais cruéis esteja representada nos rostos das crianças sobreviventes. Muitas delas mutiladas e outras tantas órfãs de qualquer membro da família. São mais de 53 mil crianças que perderam o pai ou a mãe e outras mais de 2 mil que perderam todos os familiares. Gravemente feridas ou a esmo pelas ruas, assim outras tantas estão. Traumas que os pequenos levarão para os restos das suas vidas. Sem mecanismos para o tratamento psicológico, o dano mental infligido a esta geração de crianças em Gaza é incalculável.
Na Gaza agora devastada, há ainda a busca incansável por corpos sob os escombros. Segundo as estimativas da agência de defesa civil de Gaza, os cadáveres de cerca de 10 mil pessoas estão presos sob os escombros e edifícios desabados. O fim dos combates permitiu finalmente que o serviço de ambulâncias procurasse os falecidos e oferecesse às suas famílias a possibilidade de lhes dar um encerramento.
Do Oriente Médio direto para a América Latina fraturada. Estamos vendo, no Mar do Caribe, a mobilização de 10 mil soldados norte-americanos após Donald Trump autorizar ataques dentro da Venezuela. A ação militar acontece exatamente no momento em há uma enorme construção diplomática para que a região não consiga reagir de forma condenada a uma eventual ação militar.
160 cientistas alertam: cruzamos o limiar de 1,5°C do aquecimento global. Com a perda massiva de corais e o risco de descontrole na Amazônia e no permafrost, o planeta entra na era dos pontos de não retorno. No Brasil, em meio aos preparativos para a COP30, o Congresso se articula para derrubar os vetos ao "PL da Devastação", enquanto a violência contra crianças indígenas, marcada a ferro e fogo, expõe a brutalidade de uma sociedade que perdeu o sentido.
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