Adeus século XX? Dilemas globais evidenciados pela crise ética e o domínio da técnica. Destaques da Semana no IHUCast

Arte: Mateus Dias | IHU

18 Outubro 2025

Alessandro Baricco, Umberto Galimberti, Corrado Augias, Michele Serra, Stefano Massini e outros pensadores se encontram neste episódio para debater a grande fratura do nosso tempo: a terra emersa do Século XX, com seus horrores e princípios, de um lado, e o novo "continente" digital, impulsionado pelo desprezo ao passado, do outro.

Tempo de indigência ética

Se, para Baricco, a revolução digital é o motor de uma ruptura definitiva, para outros, a tecnologia sem o apoio da ética se torna um cavalo indomável do Apocalipse. Umberto Galimberti questiona: "Como a ética pode impedir a tecnologia de fazer o que ela pode?". Já Michele Serra discorda, argumentando que a revolução digital mal arranhou a velha ordem, e o problema do poder nas mãos de poucos persiste.

Fim do século XX

"De um lado, a terra emersa do século XX, com seus valores, seus princípios e sua história trágica. E do outro, um continente, ainda frequentemente submerso, que está se separando do século XX, impulsionado pela revolução digital, motivado pelo desprezo pelos horrores do passado e dirigido por um novo tipo de inteligência. Onde a fratura ocorre, a terra treme. O século XX não cede, e o novo continente continua a se rasgar. Não tenho grandes dúvidas sobre como isso terminará: o século XX irá à deriva, um continente quase desabitado, destinado a ser estudado em livros e museus", defende Barrico

Cavalos da técnica

Corrado Augias está convencido de que "a ruptura da nova era com os costumes, a política e a antropologia do século XX é total e definitiva". Conforme aponta, pela primeira vez, os humanos estão sendo progressivamente superados no que antes era seu território típico: a capacidade de conectar diferentes dados para derivar uma síntese". Em sua análise, a situação é ainda pior, porque "a tecnologia faz tudo isso sozinha, sem o indispensável apoio da ética". Segundo o escritor italiano, "os cavalos da técnica, sem guia, são lançados a galope e guardam uma semelhança assustadora com os do Apocalipse".

Intacta

Michele Serra, no entanto, diverge da leitura cronológica que Baricco faz. Serra sinaliza que "as regras atuais parecem bem dominadas por poucos e suportadas por muitos. Portanto, o problema é sempre o mesmo e, ao longo dos séculos, mudou apenas de forma: impedir que o poder seja detido por poucos, que a riqueza seja detida por poucos e que esses poucos decidam travar a guerra. A revolução digital, até agora, nem sequer arranhou a superfície da velha ordem e, portanto, não me sinto à vontade para dizer que confio no novo século mais do que confiava no antigo".

Extinção irrevogável

Stefano Massini, escritor e dramaturgo italiano, entrou no diálogo aafirmando que: "as rédeas do cavalo não estão mais em nossas mãos. Estamos ultrapassados e acabados, transformados em uma periferia barulhenta do mundo que delira com frenesis microscópicos de identidade, sem sequer perceber que nossa própria centralidade ocidental está à beira da extinção irrevogável, esmagada por uma supremacia numérica que desloca o centro de gravidade para outro lugar. Nós preenchemos os quadrados para Gaza, e Baricco está certo em ver isso como um sinal de uma tendência e não como um choque. Mas não podemos esquecer que o Mediterrâneo é um bairro briguento dentro da megalópole do planeta, e milhões e milhões de chineses, indianos e coreanos com menos de 25 anos, que serão a espinha dorsal da humanidade de amanhã, desconhecem a própria existência de Gaza. Assim como desconhecemos o massacre que está em andamento há oitenta anos em Mianmar, onde há menos de 48 horas a junta militar bombardeou uma multidão indefesa".

Show de Trump

A semana do Oriente Médio ficou marcada pela assinatura do acordo de paz para Gaza. Surpreendentemente, o acordo não foi assinado entre os palestinos e Israel, mas entre Trump e os negociadores. Pela primeira vez na história, os líderes do conflito não selaram a negociação com um tradicional aperto de mãos e tampouco foram convidados para a festa, que foi estrelada por Donald Trump.

Futuro incerto

Encerrada a primeira fase do acordo por Israel e Hamas, não saberemos quais serão os próximos passos. "Estamos em discussões preliminares sobre a segunda fase do acordo, mas as negociações entre Israel e o Hamas ainda não começaram porque nem todos os corpos dos reféns foram devolvidos; levará tempo", informa Majed Al-Ansari, que é o conselheiro mais próximo ao primeiro-ministro do Catar e está envolvido nas negociações de paz há dois anos.

Ódio semeado

Agora, deixamos as burocracias do plano colonial preparado para Gaza para falar da dor que percorre o Oriente Médio. A paz traz alento, mas as feridas da guerra estão expostas. Para o patriarca latino de Jerusalém, Pierbatistta Pizzaballa sabe que o "ódio que foi semeado, não apenas nesses últimos dois anos que explodiu – mas também antes existia, uma narrativa de desprezo, de rejeição, de exclusão – exige uma nova linguagem, novas palavras que também precisam de novas testemunhas. Não se pode separar o que é dito de quem o diz Assim, na visão do cardeal, precisamos de novos rostos, que nos ajudem a pensar de forma diferente.

Crianças ao léu

Das feridas abertas, talvez uma das mais cruéis esteja representada nos rostos das crianças sobreviventes. Muitas delas mutiladas e outras tantas órfãs de qualquer membro da família. São mais de 53 mil crianças que perderam o pai ou a mãe e outras mais de 2 mil que perderam todos os familiares. Gravemente feridas ou a esmo pelas ruas, assim outras tantas estão. Traumas que os pequenos levarão para os restos das suas vidas. Sem mecanismos para o tratamento psicológico, o dano mental infligido a esta geração de crianças em Gaza é incalculável.

10 mil corpos sob escombros

Na Gaza agora devastada, há ainda a busca incansável por corpos sob os escombros. Segundo as estimativas da agência de defesa civil de Gaza, os cadáveres de cerca de 10 mil pessoas estão presos sob os escombros e edifícios desabados. O fim dos combates permitiu finalmente que o serviço de ambulâncias procurasse os falecidos e oferecesse às suas famílias a possibilidade de lhes dar um encerramento.

Ataque à Venezuela

Do Oriente Médio direto para a América Latina fraturada. Estamos vendo, no Mar do Caribe, a mobilização de 10 mil soldados norte-americanos após Donald Trump autorizar ataques dentro da Venezuela. A ação militar acontece exatamente no momento em há uma enorme construção diplomática para que a região não consiga reagir de forma condenada a uma eventual ação militar.

À beira Beira do abismo 

160 cientistas alertam: cruzamos o limiar de 1,5°C do aquecimento global. Com a perda massiva de corais e o risco de descontrole na Amazônia e no permafrost, o planeta entra na era dos pontos de não retorno. No Brasil, em meio aos preparativos para a COP30, o Congresso se articula para derrubar os vetos ao "PL da Devastação", enquanto a violência contra crianças indígenas, marcada a ferro e fogo, expõe a brutalidade de uma sociedade que perdeu o sentido.

Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana

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