15 Outubro 2025
"A paz pressupõe o estado de guerra. Mas será a imposição ao vencido que constitui sua essência?", escreve Massimo Cacciari, filósofo italiano, em artigo publicado por La Stampa, 13-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Vivemos talvez o epílogo de um evento cultural centenário, do qual somos todos artífices e vítimas.
Começamos por acreditar que não havia outra realidade além da linguagem, depois descobrimos que a linguagem é composta por infinitas línguas nacionais e individuais, em constante evolução, e que, portanto, não se encontra nela nenhuma solidez. Assim, o pensamento, inextricavelmente ligado à linguagem, se tornou fraco, cada vez mais fraco. O pensamento e a linguagem reduziram-se a pronunciar nomes, a emitir sopros de voz. E com esses sopros, aos quais não corresponde nenhum significado, ou aos quais se podem atribuir à vontade metaforicamente inúmeros significados, ficamos brincando.
A nossa civilização desestruturou sistematicamente todas aquelas palavras com as quais se tentava dar um sentido, um propósito, às formas do agir político, do direito, da economia. "Valores", assim eram chamados — e não se entendia algo abstrato, visto que eram princípios e ideias norteadoras que efetivamente orientavam a forma e agir de instituições e organizações, não apenas de indivíduos. Nossa civilização cavou o vazio sob eles, por meio de um trabalho crítico implacável e metódico. Essa crítica cumpriu seu papel e agora parece ter se retirado, não sei até que ponto satisfeita consigo mesma. Assim, agora o campo é deixado para aquelas palavras que ficaram completamente esvaziadas, meros signos à disposição do poder da vez, que os usa como nobres peças de mobiliário antigo em seus próprios salões ou em aniversários — como ousam fazer nestes dias até mesmo com São Francisco, negação viva de toda retórica.
A crítica era necessária; denunciava um esvaziamento real. Mas se transformou na afirmação dogmática de que o discurso em geral não podia ter substância, não podia definir ou indicar nada substancial. E assim, da crítica, não se passou a nenhuma proposta, e nenhum projeto emergiu.
Uma crítica sem virtude, teria dito Maquiavel. Era necessário expor o fato de que continuar com certos refrãos sobre a "democracia", sem considerar que as relações sociais, os equilíbrios entre as classes e os modos de produção haviam sido revolucionados, não fazia sentido. Era necessário submeter a uma crítica rigorosa os princípios do direito internacional baseados em abstratas ideias de "homem" e "tolerância" (intolerante, visto que está inextricavelmente ligada ao objetivo da assimilação).
Mas que nova democracia? Que novo Nomos da Terra? Aqui em nossos mapas ainda está escrito: hic sunt leones.
Clérigos e políticos fracassaram. E ainda mais clamoroso é seu fracasso, ou sua incapacidade de pronunciar algo além de nomes, que servem apenas para cobrir e de alguma forma justificar sua forma de agir, quando se enfrenta a questão da paz. A paz se reduziu a significar o fato nu e cru da solução que o conflito ocasionalmente recebe com base no direito do mais forte. Qualquer paz, é claro, estabelece um vencedor e um vencido; é assimétrica.
A paz pressupõe o estado de guerra. Mas será a imposição ao vencido que constitui sua essência?
Vamos analisar o modelo "teológico" de paz — aquele consagrado na Arca do Templo, aquele entre o Senhor e Israel. Israel se submete a ele? De fato, Israel está convencido de que obedecer a esse pacto representa sua salvação. As pazes de que a miséria humana é capaz jamais terão esse caráter, é verdade — mas em que condições podem ser chamadas de reais? Ou seja, em que medida a palavra paz pode ter um significado concreto?
Primeira condição: somente se houver algum "reconhecimento" entre vencedores e vencidos; o vencido reconhece a derrota (independentemente de a considerar "justa" ou não), e o vencedor reconhece o direito do vencido de continuar existindo. Caso contrário, só pode tratar-se de um armistício temporário. Nessa linha, ditadas pela razão e pela experiência histórica, haviam sido conduzidas as negociações de Camp David e Oslo, com base no possível reconhecimento palestino do Estado de Israel e, por Israel, no possível estabelecimento de um Estado palestino. Essa possibilidade parece ter fracassado de uma vez por todas. Se as causas de uma inimizade quase centenária não forem minimamente removidas, mas, ao contrário, após tantos massacres, ameaçam se tornar absolutas, como seria seriamente possível falar de paz, isto é, de um pacto razoavelmente duradouro? Não um pacto que pressupõe duas partes, mas talvez de um arranjo.
E aqui reside o problema para o vencedor. O que fazer com o vencido (que nesse caso não é um Estado, mas um povo)? Reconstruímos Gaza e reassentamos aqui os sobreviventes, talvez com os outros palestinos aos poucos expulsos da Cisjordânia? Talvez sob o protetorado estadunidense ou de algum aliado dos Estados Unidos e de Israel? Ou Gaza se torna território de Israel? E os palestinos cidadãos com todos os direitos desse Estados ou o modelo que se imagina é uma espécie de neoapartheid? Ou talvez se favoreça de todas as formas, com “incentivos” de todos os tipos, o êxodo em massa dos palestinos, e se “livra" Gaza de sua incômoda presença? Para quais outros países? Temos sequer uma vaga ideia? Todas essas são hipóteses odiosas? Mas quando, nos últimos anos, a política teve algum escrúpulo ético? Quem venceu e, portanto, deve assumir a responsabilidade pela vitória, deve dizer qual direção realista pretende seguir. Não será nem a paz nem um pacto, mas pelo menos um arranjo da área capaz de pôr fim ao massacre por algum tempo. E permitir que nós, bons europeus, o esqueçamos.
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