18 Setembro 2025
“Se olharmos para muitos países no mundo de hoje, a democracia não é necessariamente a solução perfeita para tudo.” O Papa Leão XIV aponta isso em uma entrevista concedida para Elise Ann Allen para o livro León XIV: ciudadano del mundo, misionero del siglo XXI, que será lançado em 18 de setembro. Trechos do livro foram publicados ontem, 14 de setembro, pela Crux e El Comercio.
A entrevista é de Francesca Sabatinelli, publicada por L’Osservatore Romano, 15-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Prevost enfatiza a esse respeito, e em relação à vida da Igreja, a necessidade de preservar o conceito de “sinodalidade”, que é necessário “para ir em frente juntos”. Conceitos divulgados na véspera do Dia Internacional da Democracia, proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2007, com a convicção da necessidade de parar todos os anos para refletir sobre o estado de saúde da democracia no mundo, que hoje parece mais do que nunca uma aspiração inatingível.
"Os sinais de alerta foram ignorados", explica Agostino Giovagnoli, historiador e professor emérito da Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão, "e agora o individualismo, o neoliberalismo, o populismo e o soberanismo estão corroendo a democracia".
Eis a entrevista.
Professor Giovagnoli, o alarme que tem sido repetidamente expresso por muitos lados diz respeito aos riscos que a democracia enfrenta, na Europa e além. Sinais de tendências autoritárias e violentas têm sido repetidamente denunciados. São sinais que talvez tenham sido subestimados ao longo do tempo. O que o mundo está colhendo hoje?
Acredito que essas reflexões foram essencialmente sinais de alerta, mas infelizmente foram muitas vezes ignorados, ou seja, nos recusamos a acreditar que a democracia, e também a paz a ela ligada, estivessem realmente em perigo. Não conseguimos entender que o individualismo estava corroendo a democracia, que o neoliberalismo, por um lado, e o populismo, por outro, são ambos falsificações da democracia e, portanto, atuam como infestações que a corroem por dentro sem que se perceba esse processo. Não quisemos acreditar que o soberanismo é um grave perigo para a democracia.
Sinais diferentes sobre questões diferentes, mas todos convergindo para nos alertar. É evidente que a situação é muito difícil, para não dizer dramática. Os fatos nos obrigam a abrir os olhos e a tomar posição, porque a crise da democracia é radical. Portanto, de certa forma, acredito que hoje é mais uma vez um tempo de empenho e de escolha, no qual devemos nos valer dessas reflexões, desses sinais de alerta que talvez não tenhamos considerado o suficiente. Hoje, se os juntarmos, eles nos permitem ter uma visão clara da situação e, assim, podemos dizer, de alguma forma despertar de um sono que, neste momento, está se tornando muito perigoso.
Já foi levantada muitas vezes a hipótese de que o medo poderia estar na raiz do comportamento humano atual, muitas vezes atroz, bem como da incapacidade de reagir aprendendo com um passado muitas vezes feito de guerras, ditaduras, horrores, perseguições e massacres. É possível, na sua opinião, que o medo esteja na raiz de uma desumanidade tão generalizada? Por que a democracia não consegue ganhar força, ganhar terreno?
O medo é certamente um problema. Por um lado, é um recurso; o medo serve para alertar nossos corpos e nosso organismos diante do perigo. Na realidade, porém, ele é muitas vezes instrumentalizado, relançado e enfatizado, de modo que o que é uma reação instintiva, que tem sua própria razão de ser, também bloqueia uma reflexão, que ao contrário, é fundamental. Em outras palavras, se sentimos que estamos em perigo, a primeira coisa que nos passa pela cabeça, instintivamente, é nos defendermos atacando o adversário, e assim se cria um ciclo vicioso, porque medo significa golpe sobre golpe, e assim o medo cresce indefinidamente.
E os inimigos da democracia sabem disso muito bem, tanto que o exploram, o instrumentalizam, e assim por diante. Portanto, de certa forma, devemos ter "medo do medo", compreender suas causas, que naturalmente existem e que são profundas. Devemos compreender que uma desestruturação da ordem mundial está de fato em andamento, que é, afinal, uma desestruturação das nossas sociedades, que hoje estão polarizadas justamente como resultado da crise da democracia.
Vemos a polarização em todas as sociedades ocidentais, particularmente nos Estados Unidos, onde prevalece a lógica do ódio. Fala-se até do risco de uma guerra civil. Eu diria que na Europa há um pouco mais de resistência a tudo isso, e essa é uma das razões pelas quais a Europa é tão importante hoje, apesar do desprezo que muitas vezes a cerca por ser considerada irrelevante, mas que na realidade não o é, precisamente porque é um patrimônio sob muitos aspectos. Além disso, é verdade que a democracia é difícil, mas isso é sempre verdade até certo ponto, porque, em última análise, a democracia se contrapõe à lei do mais forte, que hoje, como em outros momentos da história, parece prevalecer e assim a lei da violência, da guerra, enquanto a democracia não usa a força para se impor.
No entanto, nós somos fracos hoje, em parte porque nos deixamos hipnotizar por essa força, pela lei do mais forte, que está se tornando uma espécie de religião, em suma, uma religião da violência, do ódio. No entanto, também é preciso dizer que a lei do mais forte é estúpida; ela não resolve os problemas, apenas os complica. E, portanto, acredito que esteja acontecendo uma batalha entre a democracia e a lei do mais forte, cujo desfecho é imprevisível, de forma que ainda podemos acreditar e esperar que a democracia tenha um futuro.
Paz e democracia não podem existir uma sem a outra. O senhor, Professor, acabou de apontar isso. Mas para a humanidade, parece bem diferente...
Que pareça bem diferente, isto é, que esse nexo entre democracia e paz não seja aparente, é verdade. Mas essa é uma das ilusões do nosso tempo, porque, na realidade, a ligação é muito estreita. Paz é muitas coisas; a paz é um dom de Deus, portanto, algo incomensurável.
A paz se expressa de muitas maneiras importantes, da não violência ao desarmamento. No entanto, podemos dizer que, nos últimos séculos, a paz significou uma certa ordem internacional, ou pelo menos, as maiores chances de paz advieram de uma certa estabilidade de uma ordem internacional democrática, porque ela se baseia no direito, no direito dos povos, no direito dos mais fracos. Hoje, o que mais impressiona é que a paz, assim como a guerra, está se tornando um negócio, isto é, "se for conveniente, eu farei a paz".
Quer que eu o ajude contra o agressor? Dê-me terras raras. Quer acabar com a guerra entre Congo e Ruanda? Dê-me o cobalto. Após a destruição de Gaza, vamos fazer uma Riviera luxuosa, e pouco importa que fim tiveram os palestinos.
É isso, existe essa traição de uma paz fundada no direito, especialmente no direito dos mais fracos, e, em todo caso, todos têm direito à paz. Mas isso hoje está sendo negado, e na minha opinião, demonstra quão fundamental é o nexo entre paz e democracia.
Professor, para quem a democracia é ruim, a quem ela incomoda?
Aos grandes poderes, aos grandes poderes econômicos, aos grandes poderes políticos, todos os grandes poderes que querem despojar os povos de qualquer poder. São as Big Techs, que hoje condicionam cada vez mais o nosso dia a dia, que, por razões de negócios, estão nos educando para o ódio, porque, do ponto de vista econômico, é realmente lucrativo o conflito, o confronto e o ódio que vivenciamos nas mídias sociais. Essas mídias são estruturadas de uma certa maneira, de forma que, quanto mais entramos em conflito, mais os donos das mídias sociais, que agora ficou evidente que existem, lucram. A democracia também incomoda, por exemplo, os inimigos da Europa. A Europa hoje está esmagada entre Trump e Putin. Corroída internamente por forças soberanistas e nacionalistas. Esses são os inimigos da Europa e da democracia ao mesmo tempo. E são muitos.
É por isso que digo que a batalha está aberta e exige uma onda de responsabilidade de todos, incluindo nós, do indivíduo comum, porque é a única maneira de responder a esses poderes que, de outra forma, podem fazer o que quiserem.
Então, quem teria condições de salvar a democracia? Na sua opinião, as religiões poderiam conseguir?
Acredito que o papel das religiões é muito importante, porque, em última análise, a luta entre democracia e antidemocracia também é uma luta religiosa, porque a luta do ódio, da violência, é uma religião que, não por acaso, tem seus pregadores. Pregar ódio significa gerar violência, e esse é o contágio da religião do ódio.
Desse ponto de vista, as religiões — vamos chamá-las de históricas — devem, acredito eu, defender a democracia e a paz. Claro, sempre existe o medo de serem acusados de se fazer política, de estar de um lado ou de outro. Mas acredito que hoje, com a crise da democracia, estão em jogo valores fundamentais, e sobretudo o reconhecimento da dignidade de qualquer ser humano, verdadeiro fundamento da democracia. E, sob essa perspectiva, há pouco a discutir, porque no cerne dessa dignidade de seres humanos reside muito cristianismo; no cerne da democracia reside o cristianismo, que significa, precisamente, estar do lado dos seres humanos, especialmente dos mais fracos.
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