10 Setembro 2025
Tahar Ben Jelloun conta que nasceu em meio ao conflito. Era 1944, Israel ainda não existia como Estado (tornar-se-ia um em 1948), e os palestinos estavam divididos em duas facções: os seguidores do Grande Mufti de Jerusalém, Al-Husseini, aliado de Hitler desde 1941, e os de seu rival Nashashibi, um homem de diálogo, posteriormente governador da Cisjordânia com o apoio da Jordânia. Uma divisão totalmente comparável àquela de hoje: os islâmicos do Hamas em Gaza, os moderados da Autoridade Palestina em Ramallah.
Em seu último livro, publicado recentemente pela Nave di Teseo, um panfleto indignado e apaixonado, Ben Jelloun relembra as etapas da história desses oitenta anos, para expressar a sua raiva e a sua impotência diante do que está acontecendo em Gaza.
A entrevista é de Cesare Martinetti, publicada em La Stampa, 09-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Ben Jelloun, o título do seu ensaio parece uma sentença sem apelo: "A Alma Perdida de Israel". Por quê?
Nunca vimos nada parecido com o que está acontecendo, a eliminação sistemática de todos os palestinos. Civis desarmados, mulheres e crianças mortos sem motivo: estão cometendo genocídio. Também mataram 180 jornalistas e proibiram o acesso à imprensa. Isso nunca aconteceu em um Estado democrático desde a Segunda Guerra Mundial. Netanyahu é o pior inimigo de Israel: ele o está reduzindo a um Estado pária.
O senhor sempre foi um homem de diálogo, reconhecido como tal: seus livros foram traduzidos para o hebraico e esteve no país diversas vezes. Considera que Israel não é um Estado democrático?
É democrático para os israelenses, não na história e em relação ao mundo. Nasci e fui criado no Marrocos, onde tínhamos uma tradição de convivência com os judeus, e não havia nenhum problema entre nós. Na escola, meu melhor amigo se chamava Marcel e era judeu. Ouvíamos as mesmas músicas, saíamos com as mesmas garotas. O fato de ele ser judeu não representava nenhum problema.
E qual era na época no Marrocos a opinião sobre o Estado judeu?
Nunca foi positiva porque Israel nunca deu nenhuma esperança aos palestinos. Eles sempre tomaram tudo sem dar nada em troca. O único que tinha aberto uma possibilidade, o primeiro-ministro que assinou os Acordos de Oslo, reconhecendo a Autoridade Palestina, Yitzhak Rabin, foi morto em 1995 por um fanático de direita. Sharon depois apoiou a ascensão do Hamas em 2005, e Netanyahu foi seu herdeiro. Depois disso, Israel nunca aceitou negociar a existência de dois Estados, como era previsto.
Quais foram os erros palestinos?
O ataque do Hamas em 7 de outubro equivale a uma sentença de morte para todos os palestinos. Na época, eu fui o único escritor árabe a amaldiçoar, repito, amaldiçoar, o Hamas, porque ele havia aberto as portas para as represálias que teriam trazido a morte entre os palestinos, até mesmo civis desarmados. Essa postura resultou em críticas e ataques de todos os lados; fui acusado de ser um traidor. Infelizmente, eu estava certo.
Na sua opinião, o que os palestinos deveriam ter feito?
Em 1967, deveriam ter aceitado os territórios que tinham e não tentar travar uma guerra contra Israel através do Egito, arrastando consigo os outros Estados árabes. Eles pensavam que poderiam conquistar Jerusalém e criar um Estado palestino. Uma loucura. Foi um erro de cálculo. Eles não sabiam com quem estavam lidando, um Estado militarmente poderoso e sempre apoiado pelo Ocidente e pelos Estados Unidos. Em 2000, fui a Israel pela primeira vez, para a publicação em hebraico do meu livro contra o racismo, e fui recebido por Shimon Peres, que era o ministro das Relações Exteriores na época. Tivemos uma conversa de duas horas; ele falava francês muito bem e me disse: você precisa entender que Israel é a América, nunca haverá um presidente contra esse Estado.
O senhor também teve um encontro com Arafat. Que lembranças tem?
Eu o vi em Paris, em um grande jantar no Instituto do Mundo Árabe. Diante do Ministro das Relações Exteriores francês, Roland Dumas, ele declarou ‘caduc’, decaído, o propósito sobre a destruição de Israel. Era o reconhecimento do Estado judeu em troca do reconhecimento da Autoridade Palestina. Naquela ocasião, Arafat me abraçou, dizendo que eu estava fazendo um trabalho formidável.
Emmanuel Macron anunciou que, na assembleia da ONU que começa hoje, a França, como muitos outros Estados ocidentais (mas não a Itália), reconhecerá o Estado palestino. Qual é a sua avaliação?
Ele foi corajoso. Viu pessoas morrendo de fome e ficou chocado com os massacres das Idf, o que imediatamente lhe rendeu acusações de antissemitismo de Netanyahu. Mesmo assim é um reconhecimento simbólico, porque se trata de um Estado virtual que não pode existir geograficamente, porque há colônias em todo lugar. Nem mesmo a continuidade territorial é possível.
O senhor publicará esse livro também na França?
Não, porque eu teria muitos problemas com a comunidade judaica; suspeitam que eu seja antissemita, já recebi insultos, mas não quero ter problemas. A Itália é muito mais aberta.
O relato termina com sua última visita a Israel, com a amarga descoberta de que, mesmo em uma escola mista para crianças judias e palestinas, permeava o ódio. Os palestinos estão em um beco sem saída. Não há esperanças?
Precisaríamos de homens de boa vontade, de ambos os lados. Mas normalmente eles são mortos. E, além disso, os Estados Unidos teriam que parar de apoiar Israel. Mas isso não vai acontecer; pelo contrário. Até os países árabes do Golfo estão cortejando Trump. O Egito não está abrindo sua fronteira com Gaza. A Arábia Saudita prometeu comprar oitocentos bilhões de dólares em armas. Trump brinca sobre isso com seu humorismo desumano e espera que a conta chegue a mil!
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