Se a Flotilha terminar em sangue, Netanyahu não terá justificações. Artigo de Anna Foa

Foto: World Economic Forum/Flickr

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09 Setembro 2025

"Para o mundo, afirma que não há carestia em Gaza, que se trata de propaganda do Hamas. Mas, para seus próprios cidadãos, quer impor a tese de que todos os palestinos se identificam com o Hamas, que todos são culpados e terroristas, que todos merecem ser assassinados pelas bombas, pelas doenças e pela fome", escreve Anna Foa, historiadora, escritora, intelectual da religião judaica, em artigo publicado por La Stampa, 06-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Uma frota de embarcações de pequeno e grande porte navega pelo Mediterrâneo em direção a Gaza. Transporta pessoas vindas de nada menos que 44 países: ativistas, políticos, médicos, jornalistas, juristas — em suma, representantes do melhor da sociedade civil. Não carregam armas, mas sim ajuda para a população de Gaza, extenuada pelas bombas e pela fome. Pretendem romper por meio da força da não violência o bloqueio que impede a chegada da ajuda humanitária a Gaza.

O objetivo é duplo: por um lado, desembarcar a ajuda que o exército israelense não deixará entrar em Gaza, cientes de que se trata de um gesto simbólico, mas de um simbolismo que revela radicalmente a fome que assola os palestinos, o bloqueio que os impede de se colocar a salvo e o assassinato sistemático, pelas Idf, o exército israelense, dos jornalistas palestinos que documentam o que está acontecendo na Faixa de Gaza — os únicos a que Israel concede fazê-lo até que um drone os atinja: 278 deles já estão mortos.

Por outro lado, realizar uma provocação que poderá levar a um confronto, até mesmo sangrento, mas que exporá claramente as responsabilidades pelo que está acontecendo. A responsabilidade certamente recai sobre o Hamas, mas também, neste momento em que a desproporção das forças é imensa, especialmente, se não exclusivamente, em Israel.

Se o governo israelense agisse com sensatez, se se importasse em alguma medida com a opinião pública mundial, não apenas os deixaria entrar, como também aplaudiria sua iniciativa. Pelo menos fingiria considerá-la uma contribuição para o que Israel falsamente alega ser seu mérito: alimentar os palestinos. Em vez disso, Israel não pode e não quer fazê-lo porque sua mensagem é dupla.

Para o mundo, afirma que não há carestia em Gaza, que se trata de propaganda do Hamas. Mas, para seus próprios cidadãos, quer impor a tese de que todos os palestinos se identificam com o Hamas, que todos são culpados e terroristas, que todos merecem ser assassinados pelas bombas, pelas doenças e pela fome.

Uma educação para o genocídio. Dizem isso, inundando-nos com vídeos hediondos: muitos rabinos, muitos políticos, todos os colonos. E eis então que o governo proclama que todos que embarcaram na flotilha serão tratados como terroristas. Presos e encarcerados nas terríveis prisões destinadas aos palestinos, onde muitas vezes se acaba morrendo.

Israel se fechou em uma bolha feita de medo, agressividade, violência e desinteresse pela opinião pública no resto do mundo. Até mesmo as normas inalteráveis da diplomacia foram apagadas.

Após um encontro com o Papa Leão, o presidente israelense Herzog fez declarações sobre o sucesso das conversas e sobre os temas abordados, que foram refutadas e radicalmente corrigidas pelo Vaticano. O que os jornais israelenses dirão sobre essas falsificações sem precedentes? Será que realmente falarão a respeito, exceto, é claro, aquelas poucas vozes que corajosamente levam adiante a batalha contra o governo? Ninguém sabe realmente o que poderá acontecer à medida que a flotilha se aproxima de Gaza.

Ataques e prisões em águas internacionais? Não seria a primeira vez; já aconteceu outras vezes, determinando incidentes, o mais grave dos quais ocorreu em 2010, quando as embarcações da Flotilha da Liberdade, que, como hoje, queriam forçar o bloqueio, foram atacadas em águas internacionais, matando 10 ativistas.

Aquele incidente havia levado a uma intervenção do Tribunal Penal Internacional, que terminou em nada. Mas hoje a situação é diferente. Israel já perdeu completamente aquele direito à excepcionalidade e à impunidade de que desfrutava em função da memória do Holocausto.

O clima em relação a ele é pesado: como poderia não ser, com quase 60 mil palestinos assassinados, as normas do direito internacional sistematicamente violadas e uma propaganda negacionista cada vez mais ampla e acirrada?

Aqueles que se preocupam com isso, rotulados por Bibi e seus seguidores de "antissemitas", na verdade se preocupam pela honra de Israel, pela sua reputação. Eles gostariam de uma revolta de baixo apagasse essas atrocidades — chamem-nas como quiserem, extermínio, genocídio, crimes de guerra — e fizesse renascer a alma do judaísmo.

Mas o governo agora acusa até mesmo os opositores internos de terrorismo, os justos que se manifestam exigindo o fim da guerra e a libertação dos reféns, bem como o fim do massacre de palestinos. Enquanto houver esses justos, creio eu, ainda poderemos ver uma tênue luz na escuridão. Mas até quando? E se não agora, quando?

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