08 Setembro 2025
"Minha alma é mulher. O corpo em que nasci, porém, é masculino. No fim do mundo, Jesus me ressuscitará em meu verdadeiro corpo, que será semelhante ao que tenho agora", declara com orgulho Ana Flavia Chávez Pedraza.
A reportagem é de Alessia Cesana, publicada por il manifesto, 07-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Seus documentos correspondem à sua idade e nacionalidade — 45 anos, Peru —, mas têm um nome diferente, com o qual ela não se identifica mais há pelo menos vinte anos. Ontem, desfilou no Vaticano com outros fiéis LGBTQ+ na primeira peregrinação queer oficialmente já aprovada pela Igreja Católica. Ela também está aqui, no entanto, para uma missão paralela: submeter seu projeto ao Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada. Em Arequipa, ela dirige uma congregação de mulheres trans, Promesa de Maria, que também está ligada a uma escola de formação profissional. Elas aprendem a tingir os cabelos, a pintar as unhas e a pensar no futuro. Embora não tenha recebido uma aprovação canônica, os funcionários eclesiásticos se mostraram abertos e compreensivos. "Disseram-me que hoje não podem me dizer sim... mas amanhã, quem sabe", sorri esperançosa.
Ela espera por esse momento há anos. Agora, sente-se pronta. Desde criança, luta com a imagem refletida no espelho: "Eu era tão diferente; sabia que não era um rapaz. Muito menos um homem gay. 'O que sou?', perguntava-me." Ela vivenciou sua disforia de gênero como um sinal, por mais doloroso que fosse, que a impulsionou a procurar a sua identidade; foi uma jornada de autorreconhecimento, reapropriação e afirmação. Nascida numa família católica, Ana Flávia cresceu com uma fé intensa numa comunidade que não a aceitava. Aos dezoito anos, entrou para o seminário, mas depois de poucos anos, abandonou-o porque acreditava que a sua vocação deveria tomar outro rumo. Matriculou-se na faculdade de jornalismo porque "estou sempre em busca da Verdade", e aí percebeu que estava personificando alguém que não era. "Eu nunca quis ser atriz na minha vida", brinca, e então iniciou um processo de transição.
A avó e o pai, seus parentes mais próximos, não aceitaram: "Eu era um escândalo, uma vergonha. Me expulsaram de casa, como acontece até hoje com a grande maioria das mulheres trans." Ela começou a vender produtos para cabelo de loja em loja. Os lojistas zombavam dela por sua aparência. Ao final de um longo dia, porta fechada após porta fechada, Ana Flávia se refugiou na igreja. Olhou para a estátua de São José e pediu que ele se tornasse seu novo pai: "Se eu sou homem", rezou, "ajude-me a me tornar um bom homem. Caso contrário, faça de mim uma boa mulher. No dia seguinte, minha família me ligou e me reconheceu. É um milagre."
Quando lhe perguntam por que não abandonou a Igreja, ela responde que ela é feita de seres humanos que podem errar: era por eles que ela se sentia excluída, nunca por Deus. "Jesus não fazia perguntas, não me pedia para mudar", reflete. “Pense na figura do centurião romano que pede a Cristo que cure seu servo; talvez fossem um casal, mas para Jesus isso não era um problema". É claro que sua fé às vezes vacilou: "Eu não entendia por que tinha que ser comigo." Ela, no entanto, se manteve firme: "Hoje sou grata a Deus. Foi justamente a minha fé que deu sentido à minha condição. Ela me permitiu entender minha realidade trans porque me deu uma missão: ajudar outras mulheres como eu." Seu desejo é ter pelo menos três minutos com o Papa Leão, mas o momento também não é propício para isso. Ela está confiante de que esse dia chegará. Por enquanto, aproveita o evento histórico: "A peregrinação é um momento especial. O Papa verá. Ele escutará. Deus tocará seu coração. Falaremos sobre isso novamente.
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