03 Setembro 2025
Desde 21 de agosto, quatro episódios foram exibidos em sequência na plataforma belga Proximus Pickx, relatando os abusos ocorridos nas últimas décadas em institutos religiosos femininos, especialmente na Flandres.
A informação é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 31-08-2025.
Por meio de inúmeros depoimentos de vítimas, os episódios abordaram violência física, abuso sexual, abandono forçado de crianças por jovens mulheres solteiras e abusos de poder dentro das comunidades.
A série estará disponível para todos a partir do fim de setembro, incluindo a TV Flamenga (VTM).
O período investigado situa-se entre 1950 e 1990, enquanto os testemunhos de abusos de poder são mais recentes. Os abusos testemunhados em centros de reeducação para crianças abandonadas já são conhecidos de outros casos (Irlanda, Canadá, EUA) e são sempre devastadores: espancamentos, humilhações, privação de alimentos e outras necessidades, castigos, trabalhos forçados. Um rosário cruel de assédio.
De Nonnen (“as freiras”)
A reação da presidente da Conferência dos Religiosos Flamengos, Irmã Mieke Kerckhot, foi imediata: "Estou sem palavras: chocada e envergonhada. Os fatos são horríveis e intoleráveis." Uma resposta oficial da Conferência dos Religiosos afirmou: "Pedimos perdão às vítimas. Suas histórias, muitas vezes silenciadas por anos, nos tocam profundamente. Ao fazerem suas vozes serem ouvidas, elas trazem à tona os abusos e, esperamos, dão a outras vítimas a força para fazer o mesmo." O compromisso da Igreja belga com a "tolerância zero" também foi destacado.
Em relação às mães "naturais" e seus filhos, elas defendem sua dignidade em primeiro lugar e oferecem orientação ao Centro de Adoção Flamengo, ao qual há muito tempo confiam todos os arquivos disponíveis. Elas estão prontas para fornecer apoio sempre que necessário.
Um dos episódios diz respeito especificamente ao orfanato São Vicente em Zelem, onde, segundo alguns indícios, também houve um assassinato e vários enterros clandestinos no cemitério da cidade. O clero pede uma investigação completa do caso.
Em relação aos abusos de poder, centros de aconselhamento dedicados existem há muito tempo para freiras e ex-freiras, com possível encaminhamento para organizações externas e independentes. "Continuamos comprometidos em abordar o passado com transparência e respeito, em trazer justiça e reconhecimento às vítimas. E, acima de tudo, em proporcionar um espaço seguro para o presente."
Resposta respeitosa à dor das vítimas
Em uma entrevista, a Irmã Mieke Kerckhot detalha a informação. A gerente de produção Barbara Van Poeck e o jornalista investigativo Tom De Smet a envolveram de alguma forma, e isso foi apreciado. Juntos, eles analisaram os quatro episódios: "Solicitei veementemente o direito de resposta durante a transmissão. Isso nos daria a oportunidade de expressar pessoalmente nossos sentimentos e nossas desculpas por abusos passados. Isso nos foi negado. Os produtores acharam que não era adequado para o formato. Nos foi permitida uma tela final com nossas respostas por escrito [...] Mas uma placa por si só diz pouco e pode soar fria."
Algumas palavras de explicação teriam sido úteis, por exemplo, a respeito da acusação de mudar de nome ao entrar no noviciado. Trata-se de uma prática antiga na vida religiosa (hoje amplamente ignorada) e não pretende ser uma censura, mas sim sublinhar a novidade e a radicalidade da escolha feita.
Além disso, poderia ter sido explicado que as práticas e distorções mostradas referem-se a décadas passadas, não ao presente.
O quarto episódio detalha abusos em uma congregação feminina já censurada pelo Vaticano (proibida de aceitar novas vocações por vários anos) e que não está mais presente em Flandres. No total, as denúncias envolvem sete famílias religiosas de um total de 295 na região.
16 decisões eclesiásticas
Continuamos comprometidos em abordar o passado com transparência e respeito, em fazer justiça e reconhecer as vítimas daqueles tempos, e em garantir um espaço seguro para todos hoje. Repito sempre: as irmãs consagradas são pessoas normais com escolhas de vida extraordinárias. A maioria é saudável, mas também há algumas com problemas de saúde mental ou pessoas que podem perder a razão em certas circunstâncias. Mas espero que a cultura do silêncio seja completamente coisa do passado. Espero que todos tenham a coragem de superá-la. O documento da mídia (De Nonnen, "As Freiras") contribuirá para isso.
A expectativa é de uma reação muito forte dos telespectadores. O tribunal de Limbourg já iniciou uma investigação preliminar. Foi o que aconteceu em 2023, quando uma série de televisão (Godvergeten, "Esquecidos por Deus") provocou indignação generalizada, levando a Câmara Federal a criar uma comissão de inquérito e o Parlamento Flamengo a criar a sua própria (Disponível aqui).
A Igreja já solicitou a implementação das recomendações produzidas. Um documento episcopal de 2024 (O que a Igreja fez pelas vítimas de abuso sexual entre 1997 e 2024?) lista dezesseis medidas tomadas ou compartilhadas:
- Criação de dois pontos de contato para falantes de francês e flamengo (1997).
- Criação da Comissão Halsberghe para o tratamento de reclamações (2000).
- A Comissão Adriaenssens (2009).
- Criação de uma comissão parlamentar especial (2010).
- Centro de arbitragem (2012-2017).
- Criação de dez pontos de contato para vítimas (2012-2021).
- Comissão interdiocesana para a proteção de menores (2012).
- Subsídio “O sofrimento oculto” (2012).
- Documento “Do tabu à prevenção” (2014).
- Nascimento do conselho fiscal (2016).
- Dia Nacional de Reconhecimento e Memória (2017).
- Relatório sobre abuso infantil na relação pastoral (2019).
- Código de conduta para colaboradores eclesiais (2019).
- Pontos de contato únicos (francês e flamengo) em 2021.
- Depois da série de TV Godvergeten (2023).
O último evento lembrado é o encontro das vítimas com o Papa Francisco em 2024 (veja aqui). E espera-se que um encontro com o Papa Leão XIII também ocorra após a atual série de televisão.

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