27 Agosto 2025
Donald Trump está intensificando sua campanha de assédio ao Federal Reserve (Fed) com a demissão "imediata", anunciada na segunda-feira, da governadora Lisa Cook, uma decisão que marca o início da campanha presidencial para assumir o controle do banco central dos EUA. Em um movimento incomum e quase sem precedentes, o presidente demitiu Cook com uma manobra de legalidade duvidosa: Trump invocou os poderes para destituir membros do Fed por justa causa que lhe foram concedidos pelo estatuto de fundação da instituição, mas com base apenas em acusações contra Cook de suposta fraude ao solicitar uma hipoteca.
A reportagem é de Juan Gabriel García, publicada por El Diario, 26-08-2025.
A medida é mais uma manobra de Trump para desafiar os limites de sua autoridade. Desta vez, o presidente busca expandir seus poderes às custas da independência do Federal Reserve (Fed) e das consequências que isso pode ter para a economia americana. A autonomia do Fed em relação a quem quer que esteja na Casa Branca é fundamental para o país e para outros bancos centrais, como o Banco Central Europeu, e outras partes interessadas, como investidores, que confiam em suas análises da inflação e do mercado de trabalho. Mais uma vez, Trump está empurrando o país — e, neste caso, o banco central e a economia — para águas desconhecidas.
Cook, nomeada para o cargo em 2022 (para um mandato de quatorze anos) pelo ex-presidente Joe Biden, já declarou que não pretende renunciar. Em comunicado divulgado por meio de seu advogado, Cook afirmou que não há "nenhuma causa legal" para Trump demiti-la. "Não vou renunciar", argumentou. "Continuarei a cumprir meus deveres de ajudar a economia americana, como tenho feito desde 2022". O advogado de Cook, Abbe Lowell, acrescentou: "Tomaremos todas as medidas necessárias para impedir" sua demissão.
Quando o Fed foi criado, o Congresso estabeleceu que os membros do conselho de governadores só poderiam ser destituídos pelo presidente se houvesse justa causa. Essa causa é definida como negligência profissional ou crime. Quando a campanha contra Cook começou, há alguns dias, especialistas jurídicos já haviam levantado dúvidas sobre se o motivo citado por Trump seria suficiente para atender aos critérios estabelecidos. O presidente está demitindo o governador com base em acusações, não em fatos judicialmente comprovados.
Cook estava entre os membros do conselho que votaram pelo congelamento das taxas de juros, apesar da pressão de Trump para forçar uma queda no preço do dinheiro. Uma queda que (apesar do efeito inflacionário das tarifas) foi pavimentada na semana passada pelo presidente do Fed, Jerome Powell, em seu discurso de encerramento no simpósio de banqueiros centrais em Jackson Hole. Um dos motivos pelos quais Trump quer que o Fed reduza o preço do dinheiro é para baratear o preço da gigantesca dívida pública americana.
Em agosto deste ano, o Departamento do Tesouro registrou um recorde de US$ 37 trilhões em dívida pública. Mesmo com a receita que Trump espera com as tarifas, o país ainda deve registrar um déficit de cerca de 6% este ano.
Até agora, o principal foco dos ataques do republicano tem sido o presidente do Fed, a quem ele também ameaçou demitir. Embora Powell tenha mantido a calma diante da pressão de Trump e muitas das reuniões do Fed tenham concluído com o congelamento das taxas (que estão atualmente em torno de 4,25%), na conferência realizada em Jackson Hole na semana passada, ele se abriu timidamente para tal corte. Embora não tenha definido uma data clara no horizonte. Com todos os olhos voltados para a reunião do Fed em 17 de setembro, o que tem uma data definida é o mandato de Powell como presidente: maio de 2026. É quando um novo substituto terá que ser indicado, e Trump, sem dúvida, tentará intervir. Na verdade, ele já está no processo de fazê-lo.
Trump quer esvaziar a cadeira de Cook para dar mais força ao cavalo de Troia que já está a caminho de entrar no conselho de governadores. Após a renúncia abrupta de Adriana Kugler, o presidente nomeou Stephen Miran como seu novo vice. Miran é o presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca e é conhecido como um dos principais defensores da política comercial do republicano. Sua nomeação como novo governador precisa ser ratificada pelo Senado. Se Trump conseguir se livrar de Cook, poderá nomear um segundo novo governador para dar mais força, dentro do Fed, ao seu desejo de cortar os juros.
"Bode expiatório"
“A tentativa ilegal de remover Lisa Cook é o exemplo mais recente de um presidente desesperado em busca de um bode expiatório para encobrir sua própria incapacidade de reduzir os custos para os americanos”, denunciou a senadora democrata Elizabeth Warren, de Massachusetts, em um comunicado. “É uma tomada de poder autoritária que viola flagrantemente o Federal Reserve Act e deve ser anulada judicialmente".
A verdade é que, se Trump tiver sucesso em sua campanha para remover Cook, ele também estabelecerá um precedente perigoso que tornará mais fácil remover governadores dos quais ele não gosta.
As acusações contra Cook vêm de Bill Pulte, diretor da Agência Federal de Financiamento Habitacional (FAF), que há semanas alimenta a ira de Trump contra o Fed em relação à sua política monetária. Assim como acusou Cook de apresentar informações fraudulentas em pedidos de financiamento imobiliário para dois imóveis, ele também fez alegações semelhantes contra Powell: acusando-o de má gestão na reforma da sede do Fed, enquanto, em particular, instava o presidente a demiti-lo.
Após tornar públicas as alegações contra Cook, Pulte encaminhou o caso ao Departamento de Justiça, que já abriu uma investigação criminal. As acusações de Pulte sobre as hipotecas de Cook se encaixam em um modus operandi que Trump também usou para vingança política. O republicano fez acusações de fraude contra outros adversários, como o senador da Califórnia Adam B. Schiff, que liderou as investigações do Congresso sobre Trump durante seu primeiro mandato, e Letitia James, a procuradora-geral de Nova York, que venceu o caso de fraude fiscal contra o republicano antes de seu retorno à Casa Branca.
Em tempo
"Se Trump pode atacar o Fed, pilar do capital, pode atirar mais no Brasil. EUA ameaçam sanções contra países que regulam ou tributam plataformas sociais" é o título do artigo de Vinicius Torres Freire, publicado no jornal Folha de S. Paulo, 27-08-2025.
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