26 Agosto 2025
Washington aumenta tarifas sobre Nova Déli por seu comércio com a Rússia, mas ignora as necessidades dos agricultores.
O artigo é da pesquisadora Anna Mahjar-Barducci, cujos artigos são publicados no jornal The New York Sun e no Gatestone Institute (EUA), no El Mundo (Espanha) e no Maroc Diplomatique (Marrocos). Também trabalhou como pesquisadora na América Latina, no Sul da Ásia e na África Subsaariana.
Eis o artigo.
A Índia está no centro de uma nova ofensiva comercial dos Estados Unidos, que buscam pressionar a Rússia por causa da guerra na Ucrânia. O presidente Donald Trump anunciou recentemente um aumento nas tarifas alfandegárias para a Índia, elevando-as de 25% para 50%, como retaliação pelas compras de petróleo russo por parte de Nova Délhi. A Índia classificou a medida como “injusta” e “sem fundamento”.
As novas tarifas, que visam reduzir as receitas petrolíferas de Moscou para forçar um cessar-fogo, entrarão em vigor em 27 de agosto. Esse confronto comercial ocorre em um contexto de negociações difíceis entre Índia e Estados Unidos, marcadas por profundas divergências. No entanto, em julho passado, a Índia assinou um importante Acordo de Livre Comércio (FTA) com o Reino Unido, demonstrando como o diálogo entre nações pode produzir resultados concretos quando baseado em respeito e pragmatismo. Um acordo de sucesso com o Reino Unido O FTA entre Índia e Reino Unido não é apenas um acordo comercial, mas um símbolo de cooperação estratégica. Fruto de três anos de negociações complexas, o acordo garante acesso livre de tarifas a 99% das exportações indianas, facilita a mobilidade de profissionais e resolve questões como contribuições previdenciárias por meio da Convenção sobre Dupla Contribuição.
O Reino Unido reconheceu as prioridades da Índia, como o apoio às micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) e a ambição de se tornar uma economia de 5 trilhões de dólares até 2027. Esse acordo visa dobrar o comércio bilateral para 120 bilhões de dólares até 2030, promovendo investimentos e geração de empregos. As dificuldades entre Índia e Estados Unidos Diferentemente, as negociações comerciais entre Índia e Estados Unidos estão paralisadas por mal-entendidos e atritos, com Washington criticando algumas políticas de Nova Délhi que o país asiático considera ferramentas essenciais para garantir equidade social e estabilidade econômica. Um ponto central de conflito é o sistema de compra baseado no preço mínimo de suporte (MSP) para agricultores. Para a Índia, esse mecanismo é uma rede de segurança vital para milhões de agricultores, que representam quase metade da força de trabalho do país. A Food Corporation of India utiliza o MSP para proteger os agricultores de choques de preços e combater a inflação, uma necessidade que Washington parece ignorar, acusando o MSP de distorcer os mercados globais.
A economia digital também é um campo de disputa. Os Estados Unidos veem iniciativas como Atmanirbhar Bharat (“Índia autossuficiente”) e a Infraestrutura Pública Digital como medidas protecionistas, enquanto a Índia as considera passos rumo a um crescimento inclusivo. A Equalisation Levy, conhecida como “Google Tax”, que deveria ser eliminada em abril, mas foi mantida por enquanto, é um exemplo claro: para a Índia, é uma forma de tributar justamente os gigantes tecnológicos, mas para os EUA, é um ataque às empresas americanas. Na base dessas tensões, há uma divergência de visão. Os Estados Unidos acreditam que a Índia deve abandonar suas proteções, enquanto Nova Délhi se considera uma nação em desenvolvimento com necessidades legítimas de proteção. Suas micro, pequenas e médias empresas são o coração do emprego, e a agricultura permanece vulnerável.
Além disso, a Índia defende posições de princípio na OMC, como o tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento e a oposição a tarifas zero sobre transmissões eletrônicas, para garantir equidade no comércio digital. Uma oportunidade para os Estados Unidos O sucesso do FTA com o Reino Unido oferece uma lição aos Estados Unidos: o comércio funciona melhor quando é colaborativo, não competitivo. O Reino Unido negociou com a Índia por três anos, reconhecendo suas necessidades, e obteve um acordo vantajoso para ambas as partes. Washington, por outro lado, adota uma abordagem transacional que corre o risco de alienar um parceiro estratégico.
Para superar o impasse, os Estados Unidos devem entender que o sistema MSP não é negociável para a Índia: é uma necessidade para proteger seus agricultores e garantir estabilidade social. O próprio primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, comentando sobre as tarifas, declarou: “Para nós, os interesses dos nossos agricultores são a maior prioridade. A Índia nunca comprometerá os interesses de seus agricultores, produtores de leite e pescadores. Sei que pagarei um preço pessoal alto, mas estou preparado”.
Reconhecendo essas realidades, os Estados Unidos poderiam transformar o diálogo com a Índia em uma oportunidade de crescimento compartilhado, como fez o Reino Unido. Somente por meio de confiança e respeito mútuo, as negociações entre Índia e Estados Unidos poderão se tornar um modelo de diplomacia econômica para o século XXI.
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