31 Julho 2025
A realidade “não deixa outra alternativa senão reconhecer a verdade: Israel está a cometer genocídio contra os palestinos da Faixa de Gaza”. A acusação, desta vez, vem de dentro: pela primeira vez, baseando-se num conjunto de documentos apresentados publicamente em conferência de imprensa em Jerusalém, duas organizações de defesa dos direitos humanos acusaram o governo e o exército do seu país de estarem a conduzir um genocídio na Faixa de Gaza.
A reportagem é publicada por 7Margens, 29-07-2025.
A Médicos pelos Direitos Humanos (PHRI, na sigla em inglês) e o B’Tselem (Centro Israelita de Informação pelos Direitos Humanos nos Territórios Ocupados) afirmaram que “neste momento, é especialmente importante chamar as coisas pelo nome”, como disse Daphna Shochat, a representante da Médicos pelos Direitos Humanos Israel (PHRI, na sigla em inglês).
Num relatório da organização que analisa a situação médica no enclave, a PHRI regista que nos últimos 22 meses, “Israel tem atacado sistematicamente as infraestruturas médicas em toda a Faixa de Gaza”: 33 dos 36 hospitais e clínicas de Gaza foram privados de combustível e água e mais de 1800 profissionais de saúde de Gaza foram mortos ou detidos.
Trata-se de “um desmantelamento deliberado e cumulativo do sistema de saúde de Gaza e, com ele, da capacidade de sobrevivência do seu povo”, verifica a organização, para acusar: “Isto equivale a genocídio. Os bombardeamentos de hospitais por Israel, a destruição de equipamento médico e o esgotamento de medicamentos tornaram os cuidados médicos – tanto imediatos como a longo prazo – praticamente impossíveis. O sistema entrou em colapso sob o peso de ataques implacáveis e do bloqueio.”
O relatório, de meia centena de páginas e com o título “Destruição de condições de vida – Uma análise sobre a saúde no genocídio de Gaza”, refere ainda que dezenas de pessoas morrem diariamente de desnutrição. “Noventa e dois por cento das crianças de seis meses a dois anos não têm o que comer. Pelo menos 85 crianças já morreram de fome. Israel deslocou nove em cada 10 habitantes de Gaza, destruiu ou danificou 92% das casas e deixou mais de meio milhão de crianças sem escolas ou estabilidade. Acabou com serviços de saúde essenciais – incluindo diálise, cuidados maternos, tratamento do cancro e gestão da diabetes.”
Para agravar a situação, descreve a organização médica, a situação que se vive “não é uma crise temporária”, antes se trata de “uma estratégia para eliminar as condições necessárias à vida”. Porque, ainda “que Israel pare a ofensiva hoje, a destruição que causou garante que mortes evitáveis – por fome, infeções e doenças crónicas – continuarão durante anos”. A PHRI conclui, a partir dos critérios estabelecidos pela Convenção de Genebra: “Isto não é dano colateral. Isto não é um efeito colateral da guerra. É a criação sistemática de condições inviáveis. É a negação da sobrevivência. É um genocídio.”
Yuli Novak, diretora executiva do B’Tselem, afirmou entretanto que a sociedade israelita está “capaz de apagar a humanidade das pessoas e perder toda a empatia e obrigações morais” através de um “longo processo de desumanização dos palestinos”. “É uma combinação aterradora de circunstâncias que nos leva à realidade que todos vemos hoje”, adiantou, citada pela TSF, numa notícia da agência Lusa.
No relatório da B’Tselem a organização documenta declarações de políticos e altos responsáveis militares a apelar à destruição da sociedade palestina em Gaza. “Uma análise da política de Israel na Faixa de Gaza e seus resultados horríveis, juntamente com declarações de políticos e comandantes militares israelense de alta patente sobre os objetivos do ataque, leva à conclusão inequívoca de que Israel está a tomar medidas coordenadas e deliberadas para destruir a sociedade palestiniana na Faixa de Gaza. Por outras palavras: Israel está a cometer genocídio contra os palestinos na Faixa de Gaza”, diz o relatório numa das suas conclusões.
“O nosso genocídio”, título do documento de quase 90 páginas, pode ser lido na íntegra, em inglês, no sítio da B’Tselem na internet.
Este grupo, que tem como objetivo a denúncia da ocupação dos Territórios palestinos e os efeitos das políticas israelense nos seus residentes, considera que Israel está a já a fazer na Cisjordânia ocupada o que tem aprendido em Gaza, embora em menor escala. O que significa que há o risco de o genocídio se propagar a toda a população palestiniana.
Na sua página oficial, a B’Tselem registava ao final do dia desta segunda-feira, 28, que até ao dia 19 deste mês, 38 comunidades palestinianas da Cisjordânia tinham sido transferidas à força sob o pretexto da guerra em Gaza. Isto traduz-se em 2215 pessoas (das quais 976 menores) de 340 famílias.
Várias organizações de defesa dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, bem como a relatora especial da ONU para os Territórios palestinos Ocupados, a italiana Francesca Albanese, acusaram já Israel de estar a cometer genocídio ou “actos genocidas” em Gaza. A África do Sul levou a acusação ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em Dezembro de 2023, num processo que ainda está em apreciação.
Na conferência de imprensa, as organizações não-governamentais israelense afirmaram que os governantes do país são os principais responsáveis pelo que está a acontecer, mas também acusaram a comunidade internacional de não fazer o suficiente para impedir a guerra, resume a Lusa.
Quase 60 mil pessoas já morreram no território desde o início da ofensiva de Israel, que pretendeu responder aos ataques do Hamas, a 7 de outubro de 2023. Os números são do Hamas, uma vez que não há qualquer outra fonte no território, depois de Israel ter proibido a entrada de jornalistas estrangeiros e ter obrigado as agências das Nações Unidas a deixar o território. No ataque do Hamas em Israel morreram cerca de 1200 mortos e mais de 200 pessoas foram feitas reféns.
Além dos bombardeamentos, Israel bloqueou a entrada de bens essenciais como alimentos, água potável, medicação e combustível na Faixa de Gaza. A Fundação Humanitária de Gaza, controlada por Israel e com apoio dos Estados Unidos, é a única entidade a operar no território, mas muitas ONG e a própria ONU dizem que essa ajuda é insuficiente e o desespero tem provocado episódios de violência por parte das forças israelense, que já provocaram mais de mil mortos.
Na conferência de imprensa, os médicos da PHRI e a B’Tselem dizem que é necessária uma ação internacional imediata que obrigue Israel a fazer o cessar-fogo, a proteger e restaurar os sistemas de saúde de Gaza e a restabelecer os mecanismos de apoio da ONU, internacionais e palestinos. A livre circulação de ajuda humanitária e a garantia de segurança dos profissionais de saúde são outras ações “fundamentais – e devem ser tomadas imediatamente – para evitar mais perdas de vidas”.