30 Julho 2025
"Carelli lembra como os Padres do Deserto respiraram a frescura da Igreja das origens, embebida da Sagrada Escritura. Voltar aos padres não significa fazer arqueologia ou constatar o quanto a Igreja envelheceu, mas recuperar a experiência de sua juventude."
O artigo é de Roberto Mela, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, publicado por Settimana News, 28-07-2025.
Entre os séculos III e VI d.C., muitos homens espirituais se estabeleceram nas regiões desérticas do Egito, da Síria e da Palestina, dedicando-se a uma vida de oração, ascese e contemplação. Buscando uma fuga mundi, uma fuga das distrações do mundo, eles procuravam a Deus na solidão, pobreza e silêncio, seguindo o exemplo de figuras como Santo Antonio Abade, considerado o fundador do monasticismo eremítico.
Também chamados de abba (termo aramaico que significa “pai”), eles não viviam em isolamento absoluto, mas frequentemente transmitiam sua sabedoria a discípulos e visitantes. Faziam isso por meio de “ditos”, histórias e parábolas, que abordavam temas como humildade, paciência, discernimento e a luta contra as tentações.
A autora, Paola Carelli, estudiosa de espiritualidade e religiões, editora e tradutora, reuniu muitos desses “ditos”, convencida de que eles transmitem ensinamentos profundos também para o nosso tempo sobre a natureza humana e a filigrana dos sentimentos.
Mesmo vivendo em austera simplicidade, esses eremitas desenvolveram uma profunda compreensão da psicologia e das dinâmicas interiores, deixando para a posteridade um legado de sabedoria que continua a inspirar buscadores de Deus de todas as épocas.
Nesses “ditos”, anedotas incisivas e aforismos pungentes, o leitor pode, de fato, encontrar um guia espiritual essencial, um instrumento de meditação para abordar o território fascinante e misterioso da transcendência com os pequenos passos, tranquilos e confiantes, próprios de um iniciante.
Os padres convidavam, antes de tudo, a olhar para dentro, inspirando um caminho de crescimento pessoal que, embora nascido no deserto, ressoa na vida cotidiana.
Um “dito” muito realista, vindo da tradição dos Padres do Deserto egípcio, recita: "Se a tua alma está perturbada, ajoelha-te e reza. Se a tua alma ainda permanece perturbada, vai ao teu pai espiritual, senta-te a seus pés e abre-lhe a alma. Se a tua alma ainda permanece perturbada, retira-te então para a tua cela, deita-te na esteira e dorme!"
Carelli lembra como os Padres do Deserto respiraram a frescura da Igreja das origens, embebida da Sagrada Escritura. Voltar aos padres não significa fazer arqueologia ou constatar o quanto a Igreja envelheceu, mas recuperar a experiência de sua juventude.
Mesmo hoje se tem sede de pais e de testemunhas, não tanto de mestres. E os Padres do Deserto cumprem essa tarefa como escrutinadores da Escritura, que “mastigaram”, assimilaram, pregaram e viveram com grande decisão de ânimo.
A assimilação orante e concreta da palavra de Deus faz dos “ditos” dos pais afirmações com o típico estilo bíblico. Eles se servem, de fato, de imagens, relatos, parábolas, exortações etc., que tornam sua fala um discurso muito simples e sugestivo.
Os “ditos” dos padres são vivos e cheios de humanidade, ricos em conhecimento de Deus, mas também em profundo conhecimento da alma humana. Por esse motivo, ainda hoje são extraordinariamente eloquentes.
Após a lista de fontes, a estudiosa divide o material em 17 capítulos que, a partir de seus títulos, favorecem uma fruição imediata e pessoal.
Os temas se sucedem nesta ordem: fé e abandono; meditação e consciência; viver no presente; jejum e ascese; desapego de si mesmos; em conexão com o divino; paz e harmonia; amor puro; acolher o mistério; vida simples; gratidão e reconhecimento; sabedoria; autoconhecimento; transformação; união com Deus; compaixão e empatia; elogio do perdão.
Como viver no mundo? Um “dito” pode ajudar. Uma monja disse: “Muitos daqueles que estavam na montanha pereceram porque suas ações eram as do mundo. Melhor viver com os outros e conduzir em espírito uma vida solitária do que estar sozinho e viver com o coração entre a multidão” (cit. p. 39).
Melhor não carregar um fardo pesado… O abade João costumava dizer: “Depomos um fardo leve, que consiste em repreender a nós mesmos, e escolhemos, em vez disso, carregar um fardo pesado, que consiste em justificar a nós mesmos e condenar os outros” (cit. p. 104).
Imitar os camelos? Um ancião dizia: “Sê como um camelo: carrega o fardo dos teus pecados e, preso à rédea, segue os passos daquele que conhece os caminhos de Deus” (cit. p. 115).
É preciso conhecer o caminho. Um ancião disse: “Nunca dei um passo sem saber onde pisava. Parava para refletir, sem ceder, até que Deus me tomasse pela mão” (cit. p. 129).
Ir ao Senhor, uma palavra… O abade Tiago disse [a um irmão]: “Força o teu coração a vir ao Senhor”. E o irmão disse: “Como, meu pai?” O ancião respondeu-lhe: “Assim como Jesus forçou os seus discípulos a subir no barco, da mesma forma tu força o teu coração a vir ao Senhor” (cit. p. 159).
Desejar a Deus. O abade Pastor dizia: Está escrito “Como o cervo suspira pelas fontes, assim a minha alma anseia por ti, meu Deus”. Na solidão, os cervos comem serpentes e, como o veneno queima, eles se apressam para chegar à fonte; a água acalma a queimadura do veneno. Acontece o mesmo com os monges que habitam no deserto. O veneno dos anjos malignos os queima: por isso suspiram o sábado e o domingo, para se aproximarem das fontes, que são o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, e serem purificados de toda amargura dos anjos malignos (cit. p. 181).
O amor maior, entre compaixão e empatia. Eis o que disse um ancião: “Se queres ser monge e agradar a Deus, purifica o teu coração para com todos os homens e submete os teus pensamentos a todos. Não censures ninguém, e coloca a morte diante dos teus olhos. Se vires alguém prestes a pecar, reza ao Senhor dizendo: 'Perdoa-me, porque eu pequei'. Assim se realizará em ti a palavra que diz: “Não há amor maior” (cit. p. 189).
Realmente um bom vade-mécum para iniciantes (e não só) da vida evangélica…
PAOLA CARELLI (org.). La saggezza dei Padri del deserto: una spiritualità per principianti in storie, aforismi e parabole. Milão: Terra Santa Edizioni, 2025, 216 páginas. ISBN 9791254714294