29 Julho 2025
Antes de aderir ao Programa de Isenção de Vistos, o representante de Trump pediu menos flexibilidade na emissão de passaportes para russos e até venezuelanos. O medo dos bolivianos.
A reportagem é de Raúl Kollmann, jornalista e escritor, publicado por Página|12, 29-07-2025.
Secretamente, a equipe de Kristi Noem, a caçadora de migrantes, faz perguntas. Como é possível que tantos russos vivam na Argentina? Quem são eles? Como conseguem passaportes argentinos com relativa facilidade e depois entram nos Estados Unidos? É verdade que vários acabaram acusados de espionagem? Quem controla os milhares e milhares de venezuelanos no país e como garantir que eles não usem a Argentina como ponte para os Estados Unidos? Os bolivianos entram com muita facilidade e quase nada é fiscalizado, apesar de terem assinado acordos com o Irã. E, a propósito, como um vice-presidente iraniano entrou na Argentina sem ser notado e desfilou por Ushuaia? É verdade que há 24 presos na Argentina que se dizem membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) do Brasil, a mais poderosa organização do narcotráfico no Cone Sul? O que está acontecendo na região da Tríplice Fronteira, onde comerciantes sírio-libaneses enviam dinheiro para instituições supostamente lideradas pelo Hamas na Palestina? Perguntas, dúvidas, suspeitas e fantasmas dessa natureza estão por trás da visita do chefe da Segurança Interna (HS) dos Estados Unidos, que participou do anúncio de campanha da isenção de visto para argentinos, mas em troca teria apresentado a Javier Milei e Patricia Bullrich severas exigências de controle e uma mudança na política de portas abertas que a Argentina mantém desde a Constituição de 1853.
A rigor, os vistos não dependem da Segurança Interna, mas do Departamento de Estado, o Ministério das Relações Exteriores dos EUA, que os emite por meio de consulados. Mas a HS e Kristi Noem controlam a Imigração, a Alfândega e, principalmente, o que acontece com os imigrantes depois que cruzam a fronteira para os Estados Unidos. É por isso que são chamados de caçadores de migrantes. Isso explica a troca de farpas: eles estão participando de um anúncio que favorece Milei, seu (único) aliado nesta parte do continente, mas há uma forte reação que permanece em segredo.
Como se sabe, grande parte do segredo por trás da isenção de visto reside nas informações fornecidas sobre os viajantes. O que é de conhecimento público é que os americanos terão acesso a antecedentes criminais. Além disso, autoridades americanas estão pressionando pela implementação da Ameripol, semelhante à Interpol e à Europol, uma associação das forças policiais do continente. Reuniões sobre o tema já ocorreram durante o mandato de Aníbal Fernández como ministro da Segurança, e foram elaboradas as normas, que, além disso, exigem votação no Congresso Nacional.
A questão não é fácil de implementar, pois há uma clara desconfiança entre os governos progressistas do Brasil, Uruguai, Chile, Bolívia e Colômbia. Washington afirma que seria um sistema de troca de inteligência criminal, mas os limites parecem obscuros.
Enquanto pressiona pela Ameripol, Kristi Noem apresenta uma longa série de exigências que não são tornadas públicas, mas que a ministra Bullrich preza em seu espírito repressivo. A renúncia ocorre em troca de exigências que não são tornadas públicas.
- Controle de russos que chegam à Argentina, que em anos anteriores dominaram as clínicas de obstetrícia e, posteriormente, o departamento neonatal dos hospitais. Autoridades americanas querem maiores restrições e limites muito maiores à concessão de autorizações de residência e, claro, naturalizações. O ponto-chave é impedi-los de obter passaportes argentinos. Durante a gestão de Florencia Carignano na Imigração, medidas sérias já foram tomadas: por exemplo, a verificação dos russos que vivem aqui era monitorada, pois em vários casos eles deram à luz um bebê, iniciaram o processo e, nesse meio tempo, retornaram à Rússia ou a algum país europeu. Desde que Carignano implementou essas medidas, o número de russos que chegam ao país caiu significativamente, embora eles continuem a vir como forma de evitar serem convocados para lutar na guerra com a Ucrânia.
- Além dessa exigência, os americanos insistem na necessidade de maior monitoramento desses russos, entre os quais várias prisões foram feitas após passarem pela Argentina sob suspeita de serem espiões de Moscou. O caso de maior repercussão ocorreu na Eslovênia, com a prisão de um casal, que acabou sendo liberado e recebido por Vladimir Putin no aeroporto.
- Os americanos também querem cortes drásticos no número de venezuelanos que chegam à Argentina e, em particular, um olhar mais atento sobre suas origens e origens políticas. Assim como os russos, eles não querem que a Argentina seja uma espécie de ponte para sua entrada posterior nos Estados Unidos.
- Para surpresa das autoridades argentinas, os americanos também estariam preocupados com a entrada mal controlada de bolivianos, cujo país, segundo Washington, acaba de assinar acordos com o Irã.
- Na mesma linha, certamente há críticas aos vistos concedidos pelo consulado argentino em Teerã, que, apesar de terem sido avaliados pelo SIDE (Ministério das Relações Exteriores da Espanha), permitiram a entrada de um dos vice-presidentes do Irã, Sharam Dabiri, sem que ninguém percebesse. A notícia veio à tona porque Dabiri postou fotos em suas redes sociais passeando com a esposa em Ushuaia.
- A questão da Tríplice Fronteira com Foz do Iguaçu e Ciudad del Este é uma obsessão tradicional dos Estados Unidos. Nenhum explosivo ou arma jamais foi detectado, nem qualquer atividade organizada pelo Hamas ou pelo Hezbollah, mas sempre se insiste que os comerciantes da região façam contribuições significativas para escolas, hospitais e outras instituições administradas por organizações palestinas ou pró-iranianas como o Hamas e o Hezbollah, que, segundo Washington, são fundamentais para o recrutamento de militantes anti-Israel e antiamericanos.
- Por fim, nos últimos meses, autoridades americanas notaram a presença das duas principais organizações criminosas brasileiras: o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho, que dominam as prisões no Brasil e também no Paraguai. Um relatório indica que há 24 presos em prisões argentinas que se dizem membros do PCC e, segundo os americanos, vários carregamentos de drogas são movimentados por ambas as organizações brasileiras.
A viagem de Noem tem um forte caráter eleitoral, em apoio ao seu peão na região, o governo libertário. Assim como fizeram no passado com Carlos Menem e suas relações carnais, a iniciativa visa dar a Milei um queridinho eleitoral com a isenção de visto. Mas nem mesmo os presentes são gratuitos. Há a demanda por imigrantes, mesmo em uma Argentina que sempre foi aberta e regida por uma Constituição cujo preâmbulo afirma: "para todos os homens do mundo que desejam viver em solo argentino".