25 Julho 2025
"A massa cada vez maior de cadáveres em Gaza cadencia, como um metrônomo, o tempo se esgotando para os reféns, os futuros anúncios de soldados israelenses mortos, mas, acima de tudo, está ali para nos lembrar em que abismo moral caímos. Um abismo no qual a morte de dezenas, centenas de seres humanos se tornou rotina", escreve Etgar Keret, escritor israelense, em artigo publicado por Corriere della Sera, 22-07-2025. A A tradução é de Luisa Rabolini.
Este artigo foi publicado no Yedioth Ahronoth, o jornal diário mais vendido de Israel. O escritor se dirige diretamente aos seus concidadãos.
Caminhando pelas ruas de Tel Aviv e observando as pessoas se apressando para algum lugar com expressões preocupadas, quase podemos esquecer que estamos em guerra. Às vezes, os jatos que sobrevoam nos lembram disso, mas na maior parte do tempo o mundo ao nosso redor parece ter outras preocupações: um dia é a declaração otimista de Donald Trump sobre o acordo que encerrará a guerra, no dia seguinte ele está mais interessado na Ucrânia. Aqui em Israel, também, o foco de interesse oscila entre pesquisas que mostram que mais de 80% dos israelenses são a favor do fim imediato da guerra e animados programas de culinária transmitidos nos horários nobres.
Em uma realidade desconcertante em que cada anúncio do nome de um soldado morto em Gaza nos surpreende novamente, um fato permanece constante.
Há dias em que a esperança sincera de que os reféns retornem rapidamente nos sustenta, outros nem tanto. Há dias em que soldados morrem, outros não. Há dias em que parece que o governo esteja prestes a cair, outros em que parece que continuará a nos assediar para sempre. Mas uma coisa permanece constante: todos os dias, nos últimos quatro meses, um número de dois ou três dígitos de palestinos morreu em Gaza: nos dias mais felizes para nós, israelenses, naqueles mais tristes, enquanto chorávamos por um soldado morto e enquanto ríamos por um programa de TV, enquanto partíamos para a Grécia e enquanto ficávamos presos no aeroporto sem poder retornar por causa da guerra, quando a convocação de alistamento chegava e quando pegamos uma gripe. Em cada um desses dias, a menos de duas horas de casa, crianças, homens e mulheres morriam, e sua morte é definida como "dano colateral".
Todas as noites, enquanto fechamos os olhos, não muito longe, pessoas que não conhecíamos param de respirar. Famílias inteiras. E quando vocês se levantam e verificam em seu smartphone se acordamos no dia em que a delegação israelense parte para Doha ou em que começa uma crise governamental, saibam, antes mesmo de olhar para a tela, que acordaram em mais um dia de mortes de seres humanos, vizinhos, próximos de suas casas.
Essa morte não move montanhas, não recebe cobertura dos noticiários em Israel, não está presente, quase não é mostrada, mas é contínua, arbitrária, devastadora e desprovida de propósito. A massa cada vez maior de cadáveres em Gaza cadencia, como um metrônomo, o tempo se esgotando para os reféns, os futuros anúncios de soldados israelenses mortos, mas, acima de tudo, está ali para nos lembrar em que abismo moral caímos. Um abismo no qual a morte de dezenas, centenas de seres humanos se tornou rotina.