A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 17º Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Lucas 11,1-13.
“Senhor, ensina-nos a orar...” (Lc 11,1)
Na convivência com os “discípulos seus” Jesus foi transparente e presença marcante. Chamou-os para “ficar com Ele”, aprender d’Ele a serem testemunhas de seu Amor incondicional ao Pai e aos irmãos.
Entre os inúmeros desejos e aspirações que Jesus suscitou, uma foi a grande aventura de aprender a orar. Jesus orava. Orava sozinho, orava com a multidão, e orava com os discípulos.
Às vezes no templo, outras vezes nas caminhadas da Galileia a Jerusalém; sempre orava a realidade iluminada pelo Projeto do Pai: mergulho íntimo e comprometedor. São Lucas nos revela que Jesus estava rezando num lugar solitário, afastado. O Pai-Nosso é oração de intimidade que só pode brotar do coração de Jesus num diálogo muito pessoal, filial, com o Pai.
Não é difícil reviver a cena do Evangelho: Jesus orando e os discípulos contemplando o Mestre em oração.
Esta prática do Mestre exercia sobre os discípulos um fascínio e um desejo de entrar por este caminho, totalmente novo. Na espontaneidade de aprendiz, um deles expressa o desejo do grupo e pede: “Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos”.
Os discípulos não perturbam a oração de Jesus, nem se aproximam d’Ele. Só quando Ele termina de orar é que alguém toma coragem para dirigir-lhe a palavra e fazer-lhe um pedido.
Eles, acostumados a viver com Jesus, sentiam que não sabiam orar, que não conseguiam concentrar-se no amor infinito de Deus, entrar no diálogo silencioso com o Pai, de Quem Jesus tanto lhes falava. É este desejo de conhecer o Pai que anima os discípulos a pedirem para aprender a orar.
O Pai-Nosso é a oração que Jesus deixou como herança aos seus seguidores. É a única oração que lhes ensinou para alimentar sua identidade de seguidores seus e colaboradores no projeto do Reino de Deus.
O Pai-Nosso nos desvela, como nenhum outro texto evangélico, os sentimentos que Jesus guardava em seu coração. É a melhor síntese do Evangelho, a oração que melhor vai nos identificando com Jesus.
Desde muito cedo, o Pai-Nosso se converteu não só na oração mais querida pelos cristãos, mas na oração litúrgica que identificava a comunidade eclesial reunida no nome de Jesus. Por isso, ensinavam os catecúmenos a recitá-la antes de receberem o batismo.
Esta oração, pronunciada a sós ou em comunidade, meditada e interiorizada continuamente no coração, pode também hoje reavivar nossa fé e nosso compromisso em favor do Reino de Deus. Com o Pai-Nosso estamos diante do segredo de Jesus comunicado aos discípulos e a nós, seus seguidores.
Jesus ensinou a orar, orando. Ele fez junto com os discípulos uma trajetória de oração; não só apontou o caminho, mas fez o caminho com eles. Conhecer sua oração é entrar no próprio movimento de seu desejo e, de certa maneira, participar de sua vida íntima e de seu espírito.
Jesus ensinava com a vida uma nova maneira de comunicar-se com o Pai. E mergulhar na intimidade do desejo de Jesus é conhecer também o que este mesmo desejo d’Ele pode revelar a nosso respeito, conduzindo-nos ao mais profundo de nossa humanidade.
E o desejo que Ele expressa no Pai-Nosso nos revela que somos habitados por um “desejo infinito” que só o Infinito pode preencher. De fato, é preciso integrar em nós todas as dimensões de nossa condição humana (corporal, psicológica, espiritual). O desejo se enraíza em nosso corpo, atravessa nossa memória, afeta nosso psiquismo e se abre à Transcendência.
O Pai-Nosso expressa bem estas dimensões do desejo porque manifesta o desejo do alimento, o desejo de liberdade, o desejo de ser capaz de perdoar, o desejo de ser libertado do sofrimento, o desejo de não se deixar levar pelas provações, o desejo de que reine em nós um outro espírito, que não reine sobre nós o peso de um “passado ferido”... Todos estes desejos se expressam e se enraízam na humanidade de Jesus.
A originalidade de Jesus, expressa na oração do Pai-nosso, tem dois aspectos principais. Em primeiro lugar, esta oração se dirige ao “Abbá”. Sabemos que Deus, para Jesus, é “Abbá”; sua oração não é dirigida friamente ao Todo Poderoso, ao Juiz universal, ao Senhor..., mas ao “Abbá”, carregado de afeto e calor humano. Também para nós: quando oramos, não somos escravos, temerosos, indignos..., mas filhos e filhas. Isto supõe uma inversão radical na imagem de Deus e de como devemos nos relacionar com Ele. Nossa relação com Deus Pai-Mãe, deve ser aquela de um(a) filho(a) com seu pai/mãe. Tal relação deixa transparecer a certeza e a segurança de sermos escutados e atendidos.
A segunda novidade do Pai Nosso está centrada no “nosso”. Jesus dá a cada um a possibilidade de dizer “nosso”, de entrar em relação com Aquele que “é” e que nos chama à existência.
Nós nos dirigimos ao Abbá de todos, sem exclusão. O Pai-Nosso é uma oração que nos situa no horizonte da filiação divina e da fraternidade humana. É a oração dos filhos/as, dos irmãos/ãs. Aqui está o sentido pessoa e comunitário do Pai-Nosso.
Por isso, a oração de Jesus é muito mais que uma grande oração de petição. É a síntese das relações de um ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com a própria criação.
Porque, quando dizemos “Nosso Pai”, nós nos tornamos o lugar onde o universo toma consciência de si mesmo e, também, nos tornamos o lugar onde o universo reza. A expressão “nosso” estende-se a toda a Criação, a tudo que vive e respira. “Nosso” é uma expressão de recolhimento que reúne o mundo, que integra os diferentes níveis da realidade.
É a expressão que coloca o “eu” no centro do “nós”, lembrando-nos que, na presença da Origem, somos todos cor da argila, somos todos terrosos, mas habitados pelo “Sopro” do Pai.
Segundo São Paulo, nós mesmos não temos a coragem de chamar a Deus de “Pai bondoso”. É o Espírito Santo quem põe nos nossos lábios a invocação que só Jesus tinha usado em sua oração. Ou, mais exatamente, é o Espírito Santo que reza em nós com as mesmas palavras de Jesus (Gal. 4,6).
O Pai-Nosso é a prece de Deus em nós. Dizer o Pai-Nosso é uma maneira de harmonizar nosso desejo, ainda disperso e superficial, com o desejo de Deus em nós. Assim, tal oração nasce espontânea no coração de quem busca o Senhor, mas também é uma arte de diálogo com o Absoluto, que se aprende lentamente: “A oração é a arte de amar” (S. Teresa de Jesus). A vida transforma-se numa atitude de oração, onde tudo nos une ao Senhor e tudo vem dela como força e vida.
O Pai-Nosso é uma caixa de segredos. É preciso abri-la.
- Calmamente, repasse e saboreie cada “palavra” dessa oração de Jesus; deixe que cada uma delas ilumine sua mente, abra sua inteligência, aqueça seu coração e se expresse como “moção” inspiradora e vivificadora.
- Abra sua interioridade para que esta oração vá lapidando todo o seu ser, como um escultor que fere o mármore em busca da sua obra-prima.