19 Julho 2025
“A energia da radiação solar que atinge a Terra é parcialmente absorvida pela atmosfera, onde fica retida na forma de calor: este é o efeito estufa. Mas os modelos climáticos parecem estar errados. O calor está se acumulando duas vezes mais rápido do que há vinte anos, o dobro do que a teoria previa”. A análise é de Steven Sherwood, Benoit Meyssignac e Thorsten Mauritsen, em artigo publicado por The Conversation France, 18-07-2025. A tradução é do Cepat.
Steven Sherwood é professor de Ciências Atmosféricas, no Climate Change Research Centre, UNSW Sydney; Benoit Meyssignac é Associate Research Scientist in Climate Science, na Université de Toulouse; Thorsten Mauritsen é professor de Ciência do Clima, na Stockholm University.
Como podemos medir a mudança climática? Um método é registrar a temperatura em diferentes locais durante um longo período. Embora esse método funcione bem, variações naturais podem dificultar a observação de tendências de longo prazo.
Mas outra abordagem pode nos dar uma ideia muito clara do que está acontecendo: rastrear a quantidade de calor que entra na atmosfera da Terra e a quantidade de calor que sai dela. Isso é como mapear o balanço energético da Terra, e hoje ele está completamente desequilibrado.
Nosso estudo recente mostrou que esse desequilíbrio mais que dobrou nos últimos vinte anos. Outros pesquisadores chegaram às mesmas conclusões. Esse desequilíbrio hoje é muito maior do que o estimado pelos modelos climáticos.
Em meados da década de 2000, o desequilíbrio energético era, em média, de cerca de 0,6 watts por metro quadrado (W/m²). Nos últimos anos, a média tem se aproximado de 1,3 W/m². Isso significa que a taxa de acumulação de energia na superfície do planeta dobrou.
Esses resultados sugerem que as mudanças climáticas podem se acelerar nos próximos anos. Pior ainda, esse desequilíbrio preocupante surge em um momento em que a incerteza em relação ao financiamento dos EUA para estudos climáticos ameaça nossa capacidade de rastrear os fluxos de calor.
O orçamento energético da Terra funciona como uma conta bancária, onde a energia serve como moeda, e pode entrar e sair. Ao reduzir os gastos, acumulamos o dinheiro na conta. A vida na Terra depende do equilíbrio entre o calor proveniente do Sol e o que flui para o espaço. Esse equilíbrio está se inclinando para um lado.
A energia solar atinge a Terra e a aquece. Os gases de efeito estufa, que retêm o calor na atmosfera, retêm parte dessa energia. Mas a queima de carvão, petróleo e gás adicionou mais de dois trilhões de toneladas de CO2 e outros gases de efeito estufa à atmosfera. Esses gases retêm cada vez mais calor, impedindo que ele escape.
Parte desse calor extra aquece a Terra ou derrete as calotas polares, as geleiras e os mantos de gelo. Mas isso representa apenas uma pequena fração da energia recebida pela Terra: 90% desse calor é absorvido pelos oceanos devido à sua enorme capacidade calorífica.
A Terra naturalmente perde calor de várias maneiras. Uma delas é refletindo o calor recebido sobre as nuvens, a neve e o gelo e irradiando-o de volta para o espaço. Nosso planeta também perde parte de sua energia na forma de radiação infravermelha, que também é emitida para o espaço.
Desde o início da civilização humana até há apenas um século, a temperatura média da superfície era de cerca de 14°C. O desequilíbrio energético acumulado elevou as temperaturas médias em 1,3 a 1,5°C.
Os cientistas rastreiam o balanço energético de duas maneiras. Primeiro, podemos medir diretamente o calor proveniente do Sol e que retorna ao espaço usando radiômetros, instrumentos instalados em satélites de monitoramento. Este conjunto de dados e seus antecessores existem desde o final da década de 1980.
Segundo, podemos rastrear com precisão o acúmulo de calor nos oceanos e na atmosfera através de leituras de temperatura. Milhares de robôs flutuantes monitoram as temperaturas nos oceanos do mundo desde a década de 1990.
Ambos os métodos mostram que o desequilíbrio energético aumentou rapidamente. Essa duplicação foi um choque, pois os modelos climáticos mais sofisticados que usamos não previram uma mudança tão grande e rápida. Normalmente, eles preveem menos da metade da mudança que realmente observamos.
Ainda não compreendemos completamente esta situação. Mas novas pesquisas sugerem que um fator importante reside nas nuvens. As nuvens geralmente têm um efeito de resfriamento. Mas a área coberta por nuvens brancas altamente refletivas diminuiu, ao passo que a área coberta por nuvens dispersas e menos refletivas aumentou.
Não sabemos exatamente por que as nuvens estão mudando. Uma possível explicação poderia ser as consequências dos esforços bem-sucedidos para reduzir o teor de enxofre dos combustíveis usados no transporte marítimo desde 2020, já que a queima de combustíveis mais poluentes pode ter tido um efeito de clareamento das nuvens. No entanto, a aceleração do desequilíbrio no balanço energético da Terra começou antes dessa mudança.
As flutuações naturais no sistema climático, como a oscilação decenal do Pacífico, também podem desempenhar um papel. Finalmente, e mais preocupante, a natureza mutável das nuvens pode ser parte de uma tendência provocada pelo próprio aquecimento global: seria uma reação positiva que amplifica o aquecimento.
Esses resultados sugerem que as temperaturas extremamente altas dos últimos anos não são casos isolados, mas podem refletir um aumento no aquecimento na próxima década, ou até mais. Isso significa que haverá um risco maior de eventos climáticos mais intensos, sejam ondas de calor escaldantes, secas ou chuvas extremas, ou ondas de calor marinhas mais intensas e duradouras.
Esse desequilíbrio pode ter consequências mais graves a longo prazo. Novas pesquisas mostram que os únicos modelos climáticos que se aproximam da simulação de medições do mundo real são aqueles com maior “sensibilidade climática”. Esses modelos projetam um aquecimento maior para depois das próximas décadas, em cenários em que as emissões não sejam reduzidas rapidamente. No entanto, ainda não sabemos se outros fatores estão em jogo. Ainda é muito cedo para dizer que estamos em uma trajetória de alta sensibilidade.
Já conhecemos a solução há muito tempo: parar de queimar combustíveis fósseis e eliminar gradualmente as atividades humanas que causam emissões, como o desmatamento.
Manter dados precisos por longos períodos é essencial se quisermos detectar mudanças inesperadas.
Os satélites, de modo particular, são o nosso sistema de alerta precoce, informando-nos sobre mudanças nos processos de armazenamento de calor cerca de uma década antes de outros métodos.
Mas os cortes orçamentários e as mudanças radicais nas prioridades nos Estados Unidos podem ameaçar o monitoramento climático fundamental por satélite.