19 Julho 2025
Passados mais de dois anos desde o nascimento do Grupo Vita, em abril de 2023, o organismo que foi criado pela Conferência Episcopal Portuguesa como “temporário” não tem ainda fim à vista. Pelo contrário, são muitos os objetivos e planos para o futuro, como nos revela nesta curta entrevista a sua coordenadora, Rute Agulhas. Entre eles, passar a acompanhar os seminaristas ao longo de todo o seu percurso formativo, e alargar o espetro de ação também aos abusos de consciência e espirituais, dos quais ainda “se fala muito pouco”, mas que estão igualmente presentes na realidade da Igreja Católica portuguesa. O Grupo está também a organizar um congresso inédito em Portugal, que terá lugar em Fátima no próximo dia 27 de novembro, dedicado ao tema “Da Reflexão à Ação: O Papel da Igreja Católica na Prevenção e Resposta à Violência Sexual”. A psicóloga falou ao 7Margens sobre os objetivos desta iniciativa, que irá reunir diferentes membros da Igreja, especialistas, investigadores e profissionais de diferentes áreas, nacionais e internacionais, para uma reflexão crítica, diálogo interdisciplinar e compromisso prático. As inscrições já estão abertas e Rute Agulhas está otimista quanto à adesão: “esperamos ter cerca de 300 participantes”.
A entrevista é de Clara Raimundo, publicada por 7Margens, 16-07-2025.
Que balanço faz do percurso percorrido até agora à frente do Grupo VITA? Quais as principais “lições aprendidas”?
O Grupo Vita funciona há pouco mais dois anos e já aprendemos varias lições. Percebermos que grande parte das estruturas eclesiásticas reconhecem a existência deste problema [dos abusos sexuais de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal], condição sine qua non para que exista motivação para um processo de mudança. Percebemos também que o caminho para esta mudança é lento, na medida em que implica, não apenas mudar práticas e comportamentos mas, sobretudo, crenças e atitudes. Em muitas outras estruturas eclesiásticas sentimos ainda alguma resistência face a este tema, por ser doloroso e incômodo.
Ao longo deste caminho, aprendemos ainda que o acento tônico deve ser colocado em duas grandes áreas: a Igreja, não apenas como um contexto de risco, que se deseja mais seguro e protetor, mas também como um espaço de escuta e revelação. Muitas vítimas de violência sexual revelam que o são junto do padre, do catequista ou do dirigente dos escuteiros, por exemplo, que devem estar preparados para acolher essa revelação, sabendo o que fazer e o que não fazer. É fundamental reforçar a responsabilidade social da Igreja, que deve saber detectar e agir face a eventuais situações abusivas – quer estas ocorram dentro ou fora da igreja.
E quais serão os próximos passos deste caminho?
Temos vários objetivos para o futuro, que passam por continuar a apostar na formação e capacitação de todos os que, de alguma forma, exercem funções na Igreja, desenvolvendo uma plataforma assíncrona que permita um aumento do alcance formativo, com a uniformização de conhecimentos e práticas que contribuam para a criação de ambientes mais seguros.
A par dos programas de prevenção universal já desenvolvidos (e que serão apresentados publicamente no dia 30 de setembro, em Lisboa), destinados a crianças dos 7-9 anos e dos 10-12 anos de idade, queremos também desenvolver e testar programas para as outras faixas etárias (crianças em idade pré-escolar e adolescentes).
Além disso, pretendemos desenvolver materiais específicos de prevenção para crianças e jovens portadores de deficiência e para adultos vulneráveis (em razão da idade, doença física e/ou mental, ou deficiência). E também desenvolver estratégias de intervenção específicas para o contexto de seminário, acompanhando os seminaristas ao longo de todo o seu percurso formativo.
Porque é que decidiram apostar especificamente nos seminários?
Pretendemos conhecer melhor a realidade deste contexto, ajudando a desenvolver estratégias preventivas e interventivas específicas para as pessoas que estão ainda a fazer o seu caminho para o sacerdócio. É importante reconhecer a sexualidade como uma dimensão que faz parte do ser humano, desde que nasce, e os seminaristas não são exceção, É necessário abordar este tema de uma forma tranquila e sem tabus, refletindo também sobre as várias dimensões do bem estar psicológico que podem facilitar a vivência do celibato.
A vossa missão é acolher, acompanhar e prevenir os abusos sexuais… preveem vir a acompanhar também situações ligadas outro tipo de abusos?
Sim, planeamos desenvolver estratégias de prevenção e intervenção especialmente pensadas para o abuso espiritual e de consciência, que são formas de abuso mais subtis e nem sempre reconhecidas enquanto tal. Percebemos que esta é uma realidade ainda mais oculta e subtil do que os abusos de natureza sexual, e da qual se fala muito pouco. Em verdade, nem sempre as pessoas sequer reconhecem a existência destas formas de abuso, muitas vezes confundidas com obediência. Por outro lado, muitas vezes a pessoa que abusa é a pessoa de referência (por exemplo, o orientador espiritual), o que dificulta não apenas reconhecer o problema, como também fazer algo, revelar. É preciso formar e informar, sem culpabilizar.
O Grupo Vita foi recentemente convidado pela Porticus a integrar um grupo de trabalho ibérico que tem como objetivo abordar estas formas de abuso e acreditamos que este é efetivamente um caminho a seguir, em paralelo com a prevenção e intervenção nos abusos de natureza sexual.
Entretanto, estão a preparar um congresso inédito em Portugal, sobre o papel da Igreja Católica na prevenção e resposta à violência sexual… como surgiu a ideia de levar a cabo esta iniciativa?
A ideia de organizar este congresso surgiu há quase um ano, quando o Grupo Vita, à data com um ano e meio de funcionamento, começou a sentir maior necessidade de estreitar a articulação com diversas entidades, não apenas nacionais, mas também internacionais, potenciando o trabalho em rede e uma cultura de proteção e cuidado. A realização deste evento internacional pretende ainda potenciar um maior envolvimento das pessoas da Igreja e da sociedade em geral, em torno do tema.
Quais os principais objetivos deste congresso e quem gostariam que pudesse participar?
Este congresso tem como principais objetivos refletir, partilhar boas práticas e promover respostas concretas de prevenção e intervenção face a esta problemática. Serão discutidas estratégias e experiências eficazes, tanto no interior da Igreja, como em contextos sociais mais amplos, sendo ainda proporcionada formação técnica especializada através de workshops temáticos.
Gostaríamos que participassem, não apenas o clero e os leigos que desempenham funções nas mais diversas estruturas eclesiásticas, mas também profissionais de diversas áreas que intervêm nos vários contextos onde ocorrem situações abusivas (como a família, a escola e o desporto, por exemplo).
Já há muitos inscritos? Quantos participantes esperam ter?
Neste momento, estão inscritas cerca de 40 pessoas, sendo que ainda faltam mais de quatro meses para a data do congresso. Sabemos que muitas entidades apenas irão divulgar o evento após as férias de verão, pelo que acreditamos que, a partir de setembro, o número de inscrições irá aumentar. Esperamos ter cerca de 300 participantes.
O que destaca do programa que prepararam?
É difícil destacar algo, tendo em conta a excelência de todos os conferencistas e formadores. Salientamos, não apenas a presença de vários convidados estrangeiros, com uma larga experiência neste tema, bem como a possibilidade de, nos workshops, se aprofundar a reflexão sobre alguns aspetos mais concretos diretamente relacionados com esta problemática.
Pensam dar continuidade a este congresso, com uma periodicidade anual ou outra?
Gostaríamos de percorrer um caminho de continuidade, sim, mas não necessariamente com o mesmo formato. Após a realização do congresso faremos um balanço do mesmo e, depois, então, estaremos em condições de melhor definir os caminhos futuros.