18 Julho 2025
"Os seres humanos, mesmo diante de normas que deveriam ser o sinal de nosso progresso moral, continuam a ignorar o ensinamento que a Bíblia ainda hoje grita na dor de todos os inocentes que acabam sob um fogo 'desproporcional'".
O artigo é de Andrea Lavazza, publicada por La Stampa, 15-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
As religiões, foi repetindo o Papa Francisco na esteira de seus antecessores, não podem ser usadas para justificar a violência e as guerras, às vezes definida como "santas" de forma blasfema. Só a paz é santa, Deus é amor e Jesus ensinou a perdoar os inimigos. O abuso cometido em nome da fé constitui uma traição aos seus valores autênticos. O Papa Leão falou em "veemência diabólica sem precedentes" que "parece desabar sobre as terras do Oriente cristão".
As religiões, quando autênticas, educam para a misericórdia, a fraternidade e o respeito ao outro, não o ódio. Uma visão certamente compartilhada pelo judaísmo, cristianismo e islamismo, embora numerosos desvios tenham frequentemente manchado a história institucional de cada uma dessas tradições.
A questão é que grupos de poder, sejam ideológicos ou políticos, muitas vezes instrumentalizam os sistemas de crenças para seus próprios fins. Portanto, é importante estar ciente de como as palavras (a Palavra) que ressoam em nossas igrejas estão na raiz das melhores intuições do direito humanitário internacional.
Justamente no último domingo, o rito ambrosiano propôs a famosa página de Gênesis 18: “Disse mais o Senhor: Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado, e porquanto o seu pecado se tem agravado muito. Descerei agora, e verei se com efeito têm praticado segundo o seu clamor, que é vindo até mim; e se não, sabê-lo-ei'. Então viraram aqueles homens os rostos dali, e foram-se para Sodoma; mas Abraão ficou ainda em pé diante da face do Senhor. E chegou-se Abraão, dizendo: Destruirás também o justo com o ímpio? Se porventura houver cinquenta justos na cidade, destruirás também, e não pouparás o lugar por causa dos cinquenta justos que estão dentro dela? Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti. Não faria justiça o Juiz de toda a terra? Então disse o Senhor: Se eu em Sodoma achar cinquenta justos dentro da cidade, pouparei a todo o lugar por amor deles.”
No Protocolo Adicional às Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, relativo à Proteção das Vítimas de Conflitos Armados Internacionais, aprovado em 1977, o Artigo 57 ressoa com a mesma preocupação persistente de Abraão pelos inocentes envolvidos em conflitos. “No que respeita aos ataques, devem ser tomadas as seguintes precauções: (...) Abster-se de lançar um ataque de que se possa esperar venha a causar incidentalmente perdas de vidas humanas na população civil, ferimentos nas pessoas civis, danos nos bens de carácter civil ou uma combinação dessas perdas e danos que seriam excessivos relativamente à vantagem militar concreta e direta esperada.”
Mas, ao contrário, vemos diariamente imagens aterradoras de mulheres, crianças e idosos sendo mortos nas suas casas, nas filas para a comida, nos hospitais e nos mercados, e ainda nos perguntamos quantos “justos” são necessárias para impedir uma ação militar contra as Sodomas contemporâneas. A verdade é que, infelizmente, não existe uma definição operacional e compartilhada do que constitui um dano colateral "excessivo". As respostas dos juristas variam de "chocante para a consciência de" a "claramente irracional". Essa ambiguidade à qual estão expostos os líderes e os comandantes no campo ameaça a proteção dos não combatentes em guerra e dificulta avaliações legais coerentes.
No entanto, muitas vezes se ignora que Israel não assinou nem ratificou o Protocolo Adicional às Convenções de Genebra, e que a Rússia, que herdou a adesão da URSS, aprovou um decreto em 2019, de iniciativa de Vladimir Putin, rejeitando o Artigo 90, em que se prevê a criação de uma comissão de inquérito independente para avaliar as violações das regras estabelecidas no tratado, um precursor limitado do Tribunal Penal Internacional. Por fim, também não se deve esquecer que o direito humanitário também condena o uso de civis como "escudos humanos", ou seja, todas as situações em que armas ou soldados são colocados entre a população ou em estruturas não envolvidas no conflito.
O apelo de Abraão, que toca os fundamentos da justiça, interrompe a ação punitiva. Os seres humanos, mesmo diante de normas que deveriam ser o sinal de nosso progresso moral, continuam a ignorar o ensinamento que a Bíblia ainda hoje grita na dor de todos os inocentes que acabam sob um fogo "desproporcional"