16 Julho 2025
"Animados pelo caminho sinodal, em plena etapa de implementação, manifestamos o nosso carinho filial para com o santo padre, asseguramos nossas preces pelo seu pontifício pastoreio da Igreja Universal e garantimos o nosso sincero anseio de caminhar sempre e fielmente sob a orientação do bispo de Roma, sucessor de Pedro".
A carta é de Vitor Hugo Mendes, em conjunto com o coletivo ad hoc Sinodalidade na Igreja.
Vitor Hugo Mendes é presbítero da Diocese de Lages. Doutor em Educação (UFRGS), doutor em Teologia (Salamanca/Espanha), pós-doutor em Pensamento Ibérico e Latino-americano e em Educação. Atua como orientador de retiros, conferencista, assessor e consultor em temas de Teologia, Pastoral, Espiritualidade, Educação e Psicopedagogia. Especialista em Pastoral Urbana. Autor do livro, em dois volumes, Liberación, um balance histórico bajo el influjo de Aparecida y Laudato si’. El aporte latinoamericano de Francisco, 2021 (Appris/Amerindia), que versa sobre a Teologia Latino-americana e o Magistério do Papa Francisco.
Santo Padre,
Peregrinos de Esperança, louvamos e bendizemos a Deus pelo caminhar da Igreja nesse primeiro quartel do século XXI. Temos na memória a viva lembrança de São João Paulo II e Bento XVI. Recordamos com imensa saudade e gratidão o Papa Francisco, primeiro pontífice nascido em solo latino-americano e que nos abriu uma nova etapa evangelizadora animada pela Alegria do Evangelho, pelo Rosto da Misericórdia e pela Sinodalidade na Igreja.
Acolhemos como grande graça o recente Conclave que prodigiosamente culminou com a vossa eleição para o sólio de Pedro — o papa oriundo das duas Américas. Os sinais de Deus em nossos tempos são grandes, vibrantes e esperançadores. Cultivamos no coração aquelas benditas palavras pronunciadas em sua primeira aparição na Praça São Pedro: A paz esteja com todos vocês!
De igual maneira, ressoa ainda fortemente em nós aquela certeza vinda do sucessor de Pedro: “Deus nos ama, Deus ama a todos, e o mal não prevalecerá! Estamos todos nas mãos de Deus. Portanto, sem medo, unidos de mãos dadas com Deus e uns com os outros, sigamos em frente! Somos discípulos de Cristo. Cristo vai à nossa frente. O mundo precisa da sua luz. A humanidade precisa d’Ele como ponte para poder ser alcançada por Deus e pelo seu amor”.
Querido Papa Leão (preferimos dizê-lo em latim),
Escrevemos-lhe desde a Diocese de Lages, Região Serrana de Santa Catarina, Brasil. Uma Igreja particular sem maior importância, periferia da periferia. Uma linda terra que se destaca por guardar as temperaturas mais frias do Brasil, lugar onde cresce frondoso o Pinheiro Araucária, símbolo de resistência e maná dos pobres; um chão abençoado que abriga a maioria das gentes de cultura cabocla do Estado catarinense: povo simples, hospitaleiro e de grande religiosidade popular.
Animados com as muitas notícias e imagens de sua humilde peregrinação evangelizadora no Peru, particularmente no pastoreio da Diocese de Chiclayo, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, sentimos em nós sua proximidade paternal, uma familiaridade imediata: gente como a gente, imagem do Cristo Bom Pastor.
Com esta incontida confiança filial, respeitosamente, pedimos licença para utilizar aquela histórica expressão de origem portuguesa, de uso frequente no Brasil quando chega no limite a impotência de qualquer rogativa: “Vá reclamar ao bispo”. Restou-nos, por último, recorrer ao bispo de Roma em socorro da Igreja, Povo de Deus, que peregrina na Serra Catarinense.
Fundada a Vila de Lages em 1726, sob a materna proteção de Nossa Senhora dos Prazeres, estamos prestes a celebrar o primeiro centenário de criação (1927) e de instalação (1929) da Igreja diocesana de Lages. Justo ao comemorar essa importante efeméride, a Igreja católica na Serra Catarinense experimenta a emoção de celebrizar sua histórica trajetória de Evangelização e, ao mesmo tempo, a dramática comoção de assistir sua triste “derrocada”.
Conforme demostram os dados históricos, o período de governo dos três primeiros bispos da Diocese de Lages soma oitenta anos. Não obstante as particularidades daqueles primeiros tempos — situação de muitas exigências e duras provações evangelizadoras —, sob a guia da Providência divina, houve grandes conquistas e uma formidável interação de trabalho entre os bispos da época, bem como, com o Povo Serrano. Um dedicado labor evangelizador que favoreceu encarnar a fé na vida do povo, alcançou garantir continuidade pastoral e a maturação de muitos processos evangelizadores de longo alcance. Iniciativas ousadas, cujos frutos, abundantes, chegaram aos nossos dias.
Mais recentemente, nos últimos quinze anos, a Diocese de Lages recebeu a nomeação de quatro bispos, dentre os quais, dois administradores apostólicos e dois bispos titulares: D. João Oneres Marchiori, Bispo emérito de Lages, Administrador Apostólico (2009); D. Irineu Andreassa, OFM, 4º. Bispo Diocesano de Lages (2009-2016); D. José Nelson Westrupp, SCJ, Bispo Emérito de Santo André (SP), Administrador Apostólico de Lages (2017-2018); D. Guilherme Antônio Werlang, MSF, 5º. Bispo Diocesano de Lages (2018-2025). Em meio a isso, a Diocese de Lages também recebeu uma visitação canônica (2015) tendo em vista aclarar algumas tensões e problemas de ordem administrativa e moral que envolveu o bispo diocesano em um escândalo maior que se tornou público e amplamente noticiado.
Embora compreensível as medidas canônicas colocadas em ação, não deixa de ser algo extraordinário e raro tantas alterações em um período de tempo tão curto. Junto a isso, segundo parece, convergiram uma série de eventos cuja complexidade trouxe, inevitavelmente, uma desestabilização ampla e profunda no governo, na organização e na caminhada pastoral da Igreja diocesana de Lages. Uma situação que, a cada dia, se tornou mais grave, visível e preocupante.
Proximamente, no dia 05 de agosto do corrente ano, o atual bispo titular da Diocese de Lages irá completar 75 anos. Este último período de mandato episcopal (2018-2025), longe de enfrentar os problemas já existentes e buscar soluções, por suas opções de governo, excessivamente autocentradas, não só desacreditou os conselhos diocesanos, recusou advertências e fez aumentar a “crise” eclesial, mas, também, precipitou a diocese em uma situação de verdadeira confusão e caos; a diocese entrou em “colapso”.
Para além das conhecidas dificuldades diocesanas, muitas vezes relacionadas com a situação sociocultural regional — é a região mais empobrecida de Santa Catarina —, o perfil do clero autóctone e adventício, e os graves desafios pastorais emergentes, no período descrito (2010-2025) a Diocese de Lages passou a experimentar uma dolorosa “crise episcopal”. Basta indicar que, sem qualquer explicação possível, foi delegada máxima responsabilidade — autoridade e poder — aos dois últimos bispos diocesanos de Lages, quando, em realidade, antes, um e outro necessitava de imperativos cuidados de saúde física, psíquica e espiritual.
Segundo consta, até o momento, a Diocese de Lages — o clero, a vida consagrada e o Povo de Deus — nunca recebeu, de nenhuma instância eclesial, a satisfação devida e definitiva a respeito das calúnias e acusações que recaíram sobre o seu bispo diocesano. Sabe-se que o bispo foi transferido (2016). Desde então, na Diocese de Lages, ficou instalada uma dolorosa polarização entre o clero, lideranças e comunidades que, sem remédio, ainda hoje, continua sendo disputada e, para o sofrimento de todos, alimentada como “arma de guerra”.
A situação atual da Igreja de Lages foi notificada e reclamada em todas as instâncias estabelecidas na diocese (Bispo diocesano, Vigário Geral, Vigário Judicial, Coordenação de Pastoral, Conselho Diocesano de Presbíteros, Colégio de Consultores, Pastoral Presbiteral, Associação do Clero – Acredila, Núcleo Diocesano da Vida Consagrada – CRB, Comissão de Direitos Humanos, Reunião Geral de Presbíteros), sem encontrar qualquer tipo de encaminhamento eclesial. São muitos os que testemunham ter expressado, de forma oral, às autoridades titulares, inquietações com o governo da Igreja diocesana. Há, no âmbito diocesano, um número significativo de documentos escritos por comunidades, padres, leigos e leigas que registram importantes alertas para a gravidade dos fatos que involucram a Diocese de Lages.
Uma documentação bastante completa, mais de uma vez, foi apresentada aos órgãos eclesiásticos superiores: Arquidiocese de Florianópolis e Nunciatura Apostólica do Brasil. Recentemente, com a criação da Província Eclesiástica de Chapecó (2025), da qual a Diocese Lages é sufragânea, uma documentação ainda mais robusta e volumosa foi levada ao conhecimento do recém empossado arcebispo metropolitano.
De toda maneira, constata-se uma inação eclesial cujo silêncio é gritante e lamentável: a Igreja sinodal que reclama a participação de todos, todos, todos... tem se mostrado uma igreja de ninguém. A Igreja Povo de Deus, o povo fiel, persevera sem uma palavra de ânimo da hierarquia da Igreja.
Sua Santidade,
Nós somos o povo Serrano, uma pequeníssima porção, quase todos pais e mães de família, todos lideranças e membros da comunidade diocesana, que, diante desse estado de coisas, recolhidos em oração e discernimento, considerou oportuno dirigir-lhe a palavra movidos pelo amor à Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que nossa amada Igreja diocesana de Lages possa ser ouvida e atendida em suas necessidades pastorais e espirituais.
Animados pelo caminho sinodal, em plena etapa de implementação, manifestamos o nosso carinho filial para com o santo padre, asseguramos nossas preces pelo seu pontifício pastoreio da Igreja Universal e garantimos o nosso sincero anseio de caminhar sempre e fielmente sob a orientação do bispo de Roma, sucessor de Pedro.
Papa Leão, aguardamos com expectativa a oportunidade de sua vinda ao Brasil, Deus mediante, sua visita na Serra Catarinense.
Lages, Santa Catarina, 16 de julho de 2025.
Festa da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo