15 Julho 2025
"O capital privado, como bancos e grandes fundos, compra esses títulos como forma de investimento seguro e rentável. Assim, o Estado canaliza recursos públicos (via pagamento de juros) para remunerar o capital privado!"
O artigo é de Frei Betto, escritor, autor do romance sobre a ditadura e os indígenas “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros.
Desde a Grécia Antiga, Aristófanes já ironizava a má distribuição da riqueza em sua comédia “Pluto – A Riqueza”(388 a.C.). Nela, o deus da riqueza é cego, impedido de reconhecer os justos e, assim, favorece os espertos e inescrupulosos. A peça, repleta de críticas ácidas, mostra como o dinheiro move todas as relações humanas — do amor à guerra — e denuncia que, ao invés de premiar a virtude ou a moral, a riqueza acaba sendo controlada por quem sabe manipulá-la. Daí o substantivo “plutocracia”, o poder do dinheiro. Uma reflexão que, dois mil anos depois, continua muito atual, infelizmente.
A Oxfam divulgou relatório, em fins de junho, demonstrando o aprofundamento da desigualdade mundial. Em sete anos (2015-2022) a fortuna do 1% mais rico da população do planeta (77 milhões de pessoas) cresceu mais de US$ 33,9 trilhões. Com esse montante a pobreza no mundo poderia ser eliminada 22 vezes! Segundo o Banco Mundial, bastariam 1 trilhão e 515 bilhões de dólares.
Os países ricos assinam protocolos de erradicação da fome e combate à crise ambiental, mas nunca desembolsam o prometido. O dinheiro para salvar vidas é escasso. No entanto, bastou Trump ameaçar retirar o apoio financeiro à OTAN para a União Europeia prometer desembolsar 800 bilhões de euros para equipamentos bélicos. Para eliminar vidas o dinheiro é farto. Eis a lógica do capitalismo!
Quem são as 77 milhões de pessoas do seleto clube dos mais ricos do mundo? São todas aquelas que ganham, por ano, US$ 310 mil (= cerca de 1 milhão e 700 mil reais) ou mais. Essa elite multibilionária controla 45% da riqueza global, calculada em US$ 556 trilhões (dados de 2023). Isso significa que o 1% mais rico da população possui entre 250 e 278 trilhões de dólares.
Segundo o relatório da Oxfam, desde 2015 apenas 3 mil bilionários viram suas fortunas engordarem US$ 6,5 trilhões.
Um dos fatores que explicam tamanha desigualdade é a ausência de tributação progressiva. Os mais ricos deveriam pagar mais impostos, como Lula quer implantar no Brasil. O que vigora é o imposto regressivo: proporcionalmente os mais pobres pagam mais impostos que os mais ricos. E os ricos consideram as políticas sociais “gastos” e não investimentos. Alardeiam sempre que o governo gasta muito. No entanto, silenciam quando o Planalto destina recursos bilionários ao agronegócio ou isentam empresas de pagar impostos.
No Brasil, esta isenção já atinge R$ 860 bilhões! A Oxfam esclarece que os bilionários pagam, em impostos, apenas 0,3% de sua fortuna. Outra causa da desigualdade é a dívida pública. Os títulos da dívida pública são emitidos pelo governo para captar recursos junto a investidores. Na prática, quando o Estado emite um título, está pedindo dinheiro emprestado; em troca, promete devolver esse valor acrescido de juros em uma data futura. É uma forma de financiar o setor público.
A ciranda funciona assim: o governo vende títulos a investidores (bancos, fundos de investimentos, empresas ou pessoas físicas) e, em troca, recebe dinheiro imediatamente. No vencimento do título (ou de parcelas), o governo devolve o valor acrescido de juros. Portanto, quanto mais altos os juros (como agora), mais os especuladores do mercado financeiro embolsam dinheiro.
O capital privado, como bancos e grandes fundos, compra esses títulos como forma de investimento seguro e rentável. Assim, o Estado canaliza recursos públicos (via pagamento de juros) para remunerar o capital privado!
Isso produz vários efeitos: 1) Dependência do Estado em relação ao mercado financeiro; 2) Pressão por superávits primários (corte de investimentos sociais) para garantir o pagamento da dívida; 3) Prioridade ao pagamento de juros em detrimento de investimentos sociais.
Os impactos sociais da dívida pública são profundos e controversos, pois envolvem a forma como o Estado aloca seus recursos. Quando uma parcela significativa do orçamento público é destinada ao pagamento da dívida (juros e amortizações), isso pode restringir investimentos em áreas sociais fundamentais, como saúde, educação, moradia, segurança etc.
Para suportar tamanha dependência do público ao privado, apela-se ao “ajuste fiscal”. Isso significa manter a credibilidade do governo frente ao mercado e garantir o pagamento da dívida; promover cortes de gastos públicos (inclusive em serviços essenciais); reduzir ou eliminar os programas sociais; congelar salários de servidores públicos. Mas se o governo opta por aumentar os impostos dos mais ricos, a grita é geral!
Tudo isso afeta principalmente a população mais vulnerável, que depende dos serviços públicos, arca com a perda de direitos sociais e queda na qualidade de vida.
Na base da pirâmide social do planeta estão 3,7 bilhões de pessoas – quase metade da população mundial. Enquanto os mais ricos detêm 45% da riqueza global, os mais pobres apenas 2,4%.
A Oxfam constata que, entre 1995 e 2023, a riqueza acumulada em mãos privadas aumentou US$ 342 trilhões, ou seja, oito vezes mais que a riqueza dos governos, que cresceu apenas US$ 44 trilhões.
Qual a saída? Dar ouvidos ao alerta emitido por Aristófanes quatro séculos antes de Cristo: eleger governantes que representem os interesses da maioria da população, e não corruptos e oportunistas associados à plutocracia, que defendem as ambições da minoria rica e votam contra os direitos da maioria trabalhadora, como tantos deputados federais e senadores hoje no Congresso Nacional.