30 Julho 2024
"O caminho é, sem dúvida, mais tortuoso, mas também é necessário chegar a um acordo sobre um padrão global que garanta uma taxação mais justa e progressiva dos super-ricos, identificando uma série de medidas fiscais a que os estados possam recorrer, respeitando seus próprios contextos normativos e suas tradições fiscais", afirma Misha Maslennikov, assessor de políticas da Oxfam Itália.
A entrevista com o Misha Maslennikov é de Roberto Ciccarelli, publicada em Il Manifesto, 26-07-2024.
Misha Maslennikov, assessor de políticas da Oxfam Itália, no G20 financeiro em curso no Brasil, vocês relançaram o apelo para taxar os super-ricos. O ministro brasileiro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que poderia haver um "primeiro passo". Do que depende?
É uma questão de vontade política e esperamos que, no âmbito do G20, prevaleça a vontade de endossar a proposta brasileira na definição de medidas coordenadas de taxação dos super-ricos em vez de manter o atual status quo injusto. Esperamos uma séria reversão de rumo, começando com um reconhecimento público de quão pouco os indivíduos mais ricos contribuem hoje para o financiamento de bens públicos em proporção à sua riqueza.
Um reconhecimento é suficiente?
Não, isso deveria ser seguido por empenhos concretos para uma maior cooperação internacional em âmbito fiscal, em continuidade ao processo de reforma da taxação das grandes multinacionais.
De que maneira?
O caminho deveria incluir o fortalecimento da troca de informações entre as autoridades fiscais, como já ocorre atualmente para as contas correntes. O objetivo é reconstruir os patrimônios individuais globais e as rendas pessoais de fonte estrangeira. Deveria também ser prevista a eliminação de regimes fiscais preferenciais para as pessoas físicas. Na Itália, deveria ser excluído o regime opcional para novos residentes, introduzido para atrair os ricos do exterior.
E depois?
É necessária uma luta contra a concorrência fiscal prejudicial em termos de taxação de indivíduos. O caminho é, sem dúvida, mais tortuoso, mas também é necessário chegar a um acordo sobre um padrão global que garanta uma taxação mais justa e progressiva dos super-ricos, identificando uma série de medidas fiscais a que os estados possam recorrer, respeitando seus próprios contextos normativos e suas tradições fiscais.
Os Estados Unidos expressaram perplexidade sobre uma taxa tributária de 2% sobre o patrimônio dos bilionários. A secretária do Tesouro, Janet Yellen, argumentou ontem que cada país deve agir por conta própria. O que significa?
O governo Biden há muito tempo apoia uma agenda que ecoa a campanha #TaxTheRich. Existe um plano para o qual o Congresso, infelizmente, não deu sinal verde. O plano prevê um aumento na taxação sobre os mais abastados. O caminho identificado passa por um imposto mais pesado sobre as rendas financeiras, para aqueles que ganham muito. Está prevista a taxação de ganhos de capital acumulados, mas não realizados. Estamos falando das variações em aumentos do valor dos grandes patrimônios. Tanto o presidente Biden quanto a secretária Yellen reconheceram o valor agregado por uma discussão multilateral sobre essas questões.
No entanto, Yellen ontem pôs um freio...
Em um passado muito recente, os EUA se mostraram preocupados por eventuais empenhos vinculativos de redistribuição dos proventos das medidas #TaxTheRich para fins globais. Nas campanhas, são difíceis de justificar. Entretanto, a redistribuição global não está em pauta. Além disso, Yellen reconheceu claramente o valor agregado por uma discussão global sobre a taxação dos super-ricos, como a defendida pelo Brasil.
O economista francês Gabriel Zucman apresentou uma proposta de taxação global em nome do Brasil. Como deveria funcionar?
Sua proposta representa um possível padrão global para a taxação de cerca de três mil bilionários. Se os depósitos fiscais, relativos a impostos sobre a renda ou o patrimônio de um bilionário não atingissem o 2% do valor de seu patrimônio líquido, seria acionada uma cláusula de complemento para o 2%. Para Zucman e o Observatório Fiscal Europeu, essa intervenção geraria entre 200 e 250 bilhões de dólares em receita tributária por ano. Receitas fiscais adicionais de US$ 100 a 140 bilhões por ano seriam geradas se a medida também fosse estendida aos detentores de patrimônio líquido acima de US$ 100 milhões, mas abaixo de US$ 1 bilhão. A medida produziria, em média, uma queda — longe de ser insustentável — no rendimento líquido anual dos bilionários de 7,2% para 5,5%, com limitados impactos adversos sobre as escolhas de poupança e investimento.
Esse imposto não corre o risco de seguir o caminho do imposto sobre os lucros extras dos bancos na Itália? Ou seja, zero?
Depende da efetividade da medida, ou seja, do fato de que aqueles que estão sujeitos a ela não possam escapar da taxação. Para isso, Zucman argumenta que é necessário tornar mais eficiente a administração tributária, fortalecer sua capacidade de receber informações sobre o montante da riqueza tributada. Também é necessário reforçar a cooperação entre as autoridades fiscais e dificultar a ocultação dos capitais offshore. Por fim, devem ser previstas formas robustas de taxação de saída no caso de expatriações fiscais e outros mecanismos — como a existência de um país de última instância como coletor de impostos — que impossibilitem que um país atue como um refúgio para os mais ricos.
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Oxfam: “Para taxar os bilionários, será necessário um empenho global” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU