09 Julho 2025
A violência sem limites contra o povo palestino e a agressão não provocada ao Irã ameaçaram a segurança das nações e quebraram o direito internacional.
O artigo é de Marilena Chaui, Paulo Sérgio Pinheiro, Leda Paulani, Carlo Augusto Calil, Arlene Clemesha, Vladimir Safatle e Paulo Casella, publicado por Folha de S. Paulo, 06-07-2025 e enviado ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU pela professora Arlene Clemesha.
Marilena Chaui é professora emérita da Universidade de São Paulo.
Paulo Sérgio Pinheiro é diplomata e ex-ministro da República.
Leda Paulani é professora da Faculdade de economia da Universidade de São Paulo.
Carlo Augusto Calil é professor titular da Universidade de São Paulo e ex-secretário da Cultura de São Paulo.
Arlene Clemesha é professora da Universidade de São Paulo, coordenadora do Centro de Estudos Palestinos.
Vladimir Safatle é professor titular da Universidade de São Paulo.
Paulo Casella é professor titular de Direito Internacional da Universidade de São Paulo.
Os ataques de Israel ao Irã, com a posterior entrada dos EUA no conflito, arrastaram o mundo para cenários imprevisíveis. A violência sem limites contra o povo palestino e a agressão não provocada ao Irã ameaçaram a segurança das nações, quebraram o direito internacional e a atuação eficiente das instituições multilaterais. Estamos perigosamente nos aproximando da situação vigente no período anterior à Segunda Guerra Mundial. E o resultado desastroso é por todos conhecido.
O genocídio em Gaza, perpetrado deliberadamente por Israel para inviabilizar a existência do povo palestino em seu próprio território, a redução de toda uma população à condição sub-humana, a arrogância que impede agências da ONU de proteger refugiados, o assassinato de jornalistas, médicos e de funcionários de agências internacionais, a invasão do Líbano, os ataques à Síria, ao Iêmen e ao Irã, em todas essas ações coordenadas o governo israelense viola e tripudia sobre a lei internacional, alegando o direito de defesa.
No entanto, a ordem multilateral está fundamentada na lei internacional, e esta é muito clara ao enunciar as obrigações básicas dos terceiros Estados, dentre as quais se incluem prevenir ou não contribuir para a manutenção do Crime de Agressão e sua expressão mais hedionda, o Genocídio. O não cumprimento dessas obrigações constitui omissão e cumplicidade e compromete a vigência e eficácia do sistema internacional baseado no princípio da universalidade dos direitos humanos fundamentais e da proteção destes sob a égide do direito internacional.
A aplicação de sanções como forma de isolar o Estado de Israel para pressioná-lo a parar o genocídio e os crimes de agressão contra seus vizinhos, já é uma tendência mundial, que começa a ser seguida até por países europeus, que jamais deixaram de ser aliados de Israel.
A Espanha aprovou um embargo militar a Israel e trabalha para efetivá-lo, o Reino Unido suspendeu as negociações de um tratado de livre comércio, a Irlanda prepara legislação para suspender toda atividade comercial com esse país, a Turquia interrompeu a venda de petróleo, e a Sérvia acaba de anunciar embargo à venda de armas ao Estado de Israel. Até mesmo empresas, como a Maersk, gigante dinamarquesa do setor de cargas, rompeu relações com empresas operando em assentamentos israelenses.
O Brasil, pela voz de seu maior dirigente, reconhece o genocídio perpetrado por Israel contra o povo palestino, e temos demonstrado nosso repúdio a esse crime em votações na Assembleia geral da ONU. A matéria se encontra sob apreciação em quatro casos em andamento na Corte Internacional de Justiça. Também nos posicionamos através de lúcidas e incisivas declarações do Presidente da República, em consonância com a maior parte do corpo acadêmico brasileiro e os maiores especialistas mundiais em estudos do genocídio.
Em face dos crimes de guerra cometidos por Israel, não cabe manter com ele vínculos comerciais ou militares, com a transferência de material bélico e a realização de feiras tecnológicas ou o fornecimento de petróleo. O Brasil integra um Tratado de Livre Comércio entre o Mercosul e Israel que não cumpre sua própria cláusula de exclusão de produtos oriundos de assentamentos ilegais. A suspensão das relações comerciais e militares assim se impõe, em defesa da lei internacional e dos princípios básicos da condição humana. Como liderança regional, o Brasil deve dar o exemplo.