22 Mai 2024
"A matança e a destruição em Gaza superaram Israel. É a pior catástrofe que o Estado já enfrentou. Alguém levou o país até lá – e não, não foi o antissemitismo, mas sim seus líderes e oficiais do exército. Se não fosse por eles, depois de 7 de outubro, Israel não teria passado tão rapidamente de ser um país querido e que inspirava compaixão a se tornar um Estado pária", escreve Gideon Levy, jornalista israelense, em artigo publicado por Haaretz e reproduzido por CTXT, 18-01-2024.
Não é fácil desejar a prisão dos líderes do seu Estado e do seu exército, e ainda mais difícil é admiti-lo publicamente, mas há alguma outra forma de detê-los?
Todo israelense decente deve fazer as seguintes perguntas: seu país está cometendo crimes de guerra em Gaza? Se sim, como deveriam ser detidos? Como os culpados devem ser punidos? Quem pode puni-los? É razoável que os crimes não sejam perseguidos e que os criminosos sejam exonerados?
Claro, pode-se responder negativamente à primeira pergunta — Israel não está cometendo nenhum crime de guerra em Gaza —, o que torna o restante das perguntas supérfluo.
No entanto, cabe perguntar como é possível responder negativamente a essa pergunta diante dos fatos e da situação em Gaza: cerca de 35.000 pessoas mortas e outras 10.000 desaparecidas, aproximadamente dois terços delas civis inocentes, segundo as Forças de Defesa de Israel; entre os mortos, há aproximadamente 13.000 crianças, quase 400 pessoas que pertenciam ao pessoal de saúde e mais de 200 jornalistas; 70% das moradias foram destruídas ou danificadas; 30% das crianças sofrem de desnutrição severa; duas pessoas em cada 10.000 morrem a cada dia de fome e doenças. (Todos os números procedem das Nações Unidas e de organizações internacionais).
É possível que esses números horríveis tenham se originado sem que tenham sido cometidos crimes de guerra? Há guerras cuja causa é justa e cujos meios são criminosos; a justiça da guerra não justifica seus crimes. Não é possível que a matança e a destruição, a fome e os deslocamentos nessa escala tenham ocorrido sem cometer crimes de guerra. Há indivíduos responsáveis por esses crimes e eles devem ser levados à justiça.
A hasbará israelense, ou diplomacia pública, não tenta negar a realidade de Gaza. Limita-se a alegar antissemitismo: por que estão nos atacando? O que acontece com o Sudão e o Iêmen? A lógica não se sustenta: um motorista parado por excesso de velocidade não se livra argumentando que não é o único. Os crimes e os criminosos permanecem. Israel nunca processará ninguém por esses crimes. Nunca o fez, nem por suas guerras nem por sua ocupação. Um belo dia, julgará um soldado por roubar o cartão de crédito de um palestino.
No entanto, o senso humano de justiça deseja ver os criminosos perante os tribunais e evitar que cometam crimes no futuro. Segundo essa lógica, só podemos esperar que o Tribunal Penal Internacional de Haia faça seu trabalho.
Todos os patriotas israelenses e todos os que se preocupam com o bem do Estado deveriam desejar isso. Só assim mudará a norma moral de Israel, segundo a qual tudo é permitido. Não é fácil desejar a prisão dos líderes do seu Estado e do seu exército, e ainda mais difícil é admiti-lo publicamente, mas há alguma outra forma de detê-los?
A matança e a destruição em Gaza superaram Israel. É a pior catástrofe que o Estado já enfrentou. Alguém levou o país até lá – e não, não foi o antissemitismo, mas sim seus líderes e oficiais do exército. Se não fosse por eles, depois de 7 de outubro, Israel não teria passado tão rapidamente de ser um país querido e que inspirava compaixão a se tornar um Estado pária.
Alguém deve ser julgado por tudo isso. Da mesma forma que muitos israelenses desejam que Benjamin Netanyahu seja punido pela corrupção de que é acusado, também deveriam desejar que ele e os artífices subordinados a ele sejam punidos por crimes muito mais graves, os crimes de Gaza.
Não se pode permitir que fiquem impunes. Também não é possível culpar apenas o Hamas, embora tenha participado nos crimes. Somos nós que matamos, causamos a fome, deslocamos e destruímos em uma escala tão massiva. Alguém deve responder perante a justiça por isso. Netanyahu é o principal responsável, é claro. A imagem de seu encarceramento em Haia junto com o ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior das FDI é o material dos pesadelos de todo israelense. E, no entanto, provavelmente está justificado.
No entanto, é muito pouco provável que isso aconteça. A pressão que Israel e os Estados Unidos estão exercendo sobre o tribunal é enorme (e equivocada). Mas a tática do medo pode ser importante. Se os funcionários realmente se abstiverem de viajar ao exterior nos próximos anos, se realmente viverem com medo do que pode vir, podemos ter certeza de que na próxima guerra eles pensarão duas vezes antes de enviar os militares para campanhas de morte e destruição de proporções tão demenciais. Pelo menos podemos encontrar um pouco de consolo nisso.
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Que prendam os líderes de Israel por crimes de guerra. Artigo de Gideon Levy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU