01 Julho 2025
Após a vitória eleitoral da candidata do Partido Comunista Chileno, Jeannette Jara, nas primárias presidenciais do partido governista, a última pesquisa CADEM, divulgada na segunda-feira, a projeta como uma possível rival do candidato de extrema-direita José Antonio Kast em um possível segundo turno em novembro. Em seu primeiro discurso após o anúncio dos resultados, a ex-ministra do Trabalho pediu "unidade" entre as forças progressistas para deter o avanço da extrema-direita.
A reportagem é publicada por Página|12, 01-07-2025.
Economista e figura de destaque nos governos de Michelle Bachelet e Gabriel Boric, Jara venceu as primárias e representará o bloco governista Unidade pelo Chile. Em seu discurso, defendeu a construção de uma frente de esquerda "a mais ampla possível" para resistir à investida conservadora. "Não nos enganemos: estamos diante de um cenário em que o populismo de extrema-direita cresceu. Estão usando os problemas reais das pessoas para reverter o progresso social", alertou.
A nova pesquisa CADEM, realizada antes das primárias, mostra um aumento nas intenções de voto espontâneas para Kast (24%), candidato do Partido Republicano, e também para Jara (16%), que devem avançar para o segundo turno. Ambos aumentaram cinco e três pontos, respectivamente. Em terceiro lugar está Evelyn Matthei (10%), que caiu nove pontos nas últimas quatro semanas. Franco Parisi, do Partido Popular, também obteve 10%, empatando com Matthei.
As primárias foram realizadas com votação voluntária e participação no exterior, mas ainda assim registraram uma baixa participação de pouco mais de 1.400.000 eleitores, o equivalente a 9% do recenseamento eleitoral, cerca de 300.000 pessoas a menos do que na eleição interna entre Boric e Daniel Jadue, em 2021. Jara superou, assim, Carolina Tohá (Socialismo Democrático), Gonzalo Winter (Frente Ampla) e Jaime Mulet (Federação Social Regionalista Verde). A grande questão agora é se Jara conseguirá disputar com sucesso a liderança contra os candidatos de direita.
Com tom emocionado, a líder comunista proferiu seu discurso na sede de seu partido, acompanhada pelas demais candidatas derrotadas nas primárias, em sinal de unidade. "Hoje venho oferecer meu coração, com meu coração de chilena, com amor e união", proclamou Jara ao público.
“Peço que não nos larguem as mãos para enfrentar a extrema-direita com a mais ampla unidade política e social possível”, instou Jara, ladeada por Tohá, sua principal candidata interna e ex-colega de gabinete. Em sua mensagem, Jara enfatizou que “as diferenças não são um problema, são uma oportunidade”, reafirmando seu compromisso com uma coalizão de centro-esquerda com princípios firmes. Sua vitória representa um marco para o Partido Comunista, que pela primeira vez lidera a candidatura presidencial de todo o bloco progressista, embora Jara tenha esclarecido que buscará ampliar sua base para incluir setores moderados.
Entre suas principais propostas está a eliminação do sistema de Administradoras de Fundos de Pensão (AFP), uma bandeira que ele promoveu no Ministério do Trabalho. "Não faz sentido ganhar uma eleição e depois abandonar suas bandeiras", disse ele em entrevista à Rádio Cooperativa.
Criado durante a ditadura de Pinochet em 1980, o sistema AFP — baseado na capitalização individual — tem sido duramente criticado por gerar pensões insuficientes, especialmente para mulheres, trabalhadores informais e pessoas com histórico de trabalho intermitente. Jara propõe substituí-lo por um modelo público, solidário e de repartição, com o objetivo de restaurar o papel do Estado na garantia dos direitos sociais e na garantia de pensões dignas, independentemente das flutuações do mercado.
Outro ponto-chave na plataforma de Jara é sua postura crítica em relação ao acordo entre a Codelco e a SQM para a exploração de lítio no Salar de Atacama. Este acordo visa dar à Codelco, empresa estatal, o controle majoritário das operações a partir do próximo ano. No entanto, a participação da SQM — uma empresa privada ligada ao regime de Pinochet e com histórico de irregularidades — gera forte controvérsia.
Jara expressou reservas significativas sobre este acordo, questionando o papel que a SQM continuará a desempenhar na estratégica indústria de lítio do Chile. Embora respeite as decisões do atual governo, ele alertou: "Se o acordo não for concretizado até o final deste governo, buscarei outro caminho."
Com o apoio explícito dos demais candidatos do partido governista, Jara instou a centro-esquerda a cerrar fileiras contra seus rivais da oposição, Kast e Matthei. "A história democrática do nosso país nos ensina essa lição, com o trabalho realizado por todos os ex-presidentes desde o retorno à democracia", observou, evocando Salvador Allende, Bachelet e o atual presidente. Ele também citou o Padre Alberto Hurtado para ressaltar seu compromisso com o serviço público.
Do outro lado do espectro político, Kast descreveu a vitória de Jara como a consolidação de uma "candidatura de esquerda radical" que representa "a continuidade de um governo fracassado", como aquele que ele acredita que Boric lidera. "O que aconteceu ontem reflete continuidade. Não precisamos nos disfarçar para conquistar uma cidadania cansada", disse ele em entrevista coletiva.
Por sua vez, Matthei, candidata da direita liberal no Chile Vamos, também atribuiu a baixa participação à rejeição ao partido governista: "Os chilenos não querem brigas ideológicas. Eles querem soluções concretas", afirmou. No entanto, reconheceu Jara como uma figura coerente e voltada para a ação: "Ele é uma pessoa que diz o que pensa, que se posicionou e que também fez coisas concretas", enfatizou em entrevista à Rádio Concierto.
Em um aceno aos setores moderados, Matthei se diferenciou de Kast em questões de gênero, afirmando que não eliminaria o Ministério de Assuntos da Mulher nem imporia obstáculos ao acesso a anticoncepcionais: "Não acho que você deva exigir receita para pílula anticoncepcional ou qualquer outro método se não quiser engravidar". Ela chegou a dizer que o candidato de Pinochet pelo Partido Liberal, Johannes Kaiser, é "muito mais respeitoso com as mulheres" do que Kast.
Guillermo Ramírez, presidente da UDI, o partido tradicional de direita que promove a candidatura de Matthei, indicou que o ocorrido nas eleições primárias do partido governista foi uma derrota para o governo. "Mais de 90% das pessoas não foram votar; não querem que o governo continue (...) Temos que conseguir mostrar que Jeannette Jara é a pior deste governo, ela é mais do pior, porque Jeannette Jara representa os aspectos mais extremos deste governo", enfatizou em entrevista coletiva.
No entanto, Jara se apresenta como uma candidata conciliadora, buscando unir os progressistas para conter o avanço da extrema-direita, e esse apelo foi bem recebido. O presidente, ainda em licença-paternidade após o nascimento de sua primeira filha, recebeu Jara nesta segunda-feira "com o coração pesado" em sua casa no bairro de Yungay. Ele a esperou na porta e a abraçou enquanto ela falava com a imprensa.
Em sua conta no X, o presidente já havia parabenizado a candidata comunista pela vitória e replicado sua mensagem de unidade pelo progressismo. "O que vem a seguir não será fácil, mas Jeannette conhece batalhas difíceis. Agora, vamos todos trabalhar juntos pela unidade e convocar a maioria para construir um país mais justo e feliz", escreveu o presidente em suas redes sociais. Jara respondeu brevemente: "Obrigado, presidente Boric. Com unidade, esperança e trabalho, continuaremos avançando!"