23 Junho 2025
Segunda semana da conferência começa com desacordos sobre implementação, financiamento e justiça climática; Brasil tenta reposicionar a Agenda de Ação como eixo estruturante da COP.
A reportagem é de Cinthia Leone, publicada por ClimaInfo, 22-06-2025.
A quarta carta da presidência brasileira da COP30 propõe uma transformação ousada: atrelar a chamada “Agenda de Ação” da conferência ao Global Stocktake (GST) — o mecanismo central do Acordo de Paris que avalia o progresso global frente à crise climática. Trata-se de uma tentativa legítima de revalorizar um espaço que, até hoje, tem sido percebido como o lado “informal” das COPs: um palco de anúncios voluntários, iniciativas paralelas e promessas com pouca continuidade ou prestação de contas.
A proposta do Brasil busca virar esse jogo. Em vez de funcionar como uma vitrine descolada da realidade política, a Agenda de Ação passaria a ser o canal de implementação daquilo que já foi acordado. A ideia é ancorá-la nos resultados do GST — como se este virasse uma “Contribuição Globalmente Determinada” (ou GDC), orientando governos locais, empresas e sociedade em ações concretas em áreas como energia, finanças, florestas, alimentação e justiça climática. Mas ao fazer isso, a presidência brasileira também expõe um dilema: está priorizando o campo da ação justamente no momento em que a negociação formal trava, na pré-COP em Bonn, na Alemanha.
Nesta segunda semana de Cúpula em Bonn, diplomatas se deparam com uma série de impasses. Dos três temas-chave defendidos pelo Brasil — indicadores de adaptação, transição justa e implementação do GST — apenas o primeiro tem chances reais de avançar até o final da reunião intersessional, na quinta (26). E mesmo assim, há críticas sobre o Brasil estar mirando apenas os indicadores e ignorando a principal trava: a ausência de recursos para financiar a adaptação climática nos países mais vulneráveis.
A negociação sobre transição justa também foi sequestrada por novas tensões. Países em desenvolvimento acusam as nações ricas por imporem barreiras comerciais disfarçadas de ação climática, como o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira da UE (CBAM). Com isso, o foco original da transição — garantir empregos dignos na substituição de atividades fósseis — foi deslocado para disputas comerciais. Já em relação ao GST, os mesmos países rejeitam qualquer tentativa de transformar os diálogos de Bonn em um mandato formal de implementação, insistindo que isso cabe apenas às NDCs — os planos nacionais, que seguem fora da mesa de negociação.
Essa resistência tem razões de fundo. As NDCs deveriam ter sido atualizadas até fevereiro, com novo prazo até setembro, mas esse processo está travado por falta de financiamento. O acordo de Baku sobre financiamento climático, celebrado como promessa em 2024, acabou gerando mais desconfiança do que apoio a um aumento de ambição. O risco agora é que a COP30 chegue com poucos planos nacionais revisados e sem clareza de como colocar o GST em prática.
Ao mesmo tempo, as dificuldades logísticas e políticas para viabilizar uma COP30 em Belém aumentam. Delegações enfrentam orçamentos apertados, prioridades domésticas concorrentes e incertezas sobre a viabilidade real de participação — especialmente entre países em desenvolvimento. Os custos de hospedagem elevados, a infraestrutura ainda incerta e a impressão de que a conferência está sendo pensada mais como vitrine turística do que como espaço de negociação legítima afastam representantes de governos, sociedade civil e Comunidades Tradicionais. Isso é especialmente grave num momento em que o multilateralismo já enfrenta sua maior crise em décadas.
A Agenda de Ação, ao longo das últimas COPs, teve justamente a função de manter o ímpeto da mobilização climática quando as salas de negociação se fechavam em desacordo. Ao atrelar essa agenda ao processo formal, o Brasil aposta em transformá-la em eixo estruturante da COP30 — uma aposta audaciosa e bem-intencionada. Mas há riscos. A falta de clareza sobre quem vai liderar a implementação pode engessar o que antes era um espaço de fluidez. E uma COP30 esvaziada, com baixa capacidade de engajamento e pouca presença internacional, pode ser um golpe duro demais para um processo já fragilizado.
A Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) é o maior processo multilateral em curso nas Nações Unidas — com 198 países signatários, milhares de participantes a cada edição e impacto direto sobre políticas econômicas, ambientais e sociais globais. O que está em jogo não é só o sucesso de Belém, mas a própria capacidade de resposta do sistema internacional à crise climática com ambição, equidade e cooperação real. Os próximos dias serão decisivos para determinar se a Agenda de Ação pode mesmo inaugurar um novo ciclo — ou se será apenas um gesto nobre num cenário de paralisia.