14 Junho 2025
"Eu me pergunto se o ser humano ainda tem a capacidade de refletir sobre as consequências de suas vinganças e se não entende que, como já foi dito, temos apenas um único mundo e uma única vida. Temos o direito e o dever de defendê-los", escreve Dacia Maraini, escritora italiana, em artigo publicado por Corriere della Sera, 10-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
As notícias que chegam do mundo são inquietantes: assistimos a guerras que não têm mais uma conotação política, mas aparecem como vinganças pessoais que massacram os mais fracos.
Lemos sobre um feminicídio por dia. Assistimos a uma atmosfera de ódio e agressividade (especialmente nas redes sociais) que afeta todas as camadas sociais. Está em curso um desejo de regressão brutal.
Mas por que queremos retornar a um mundo arcaico baseado em sentimentos e ações primitivas, em que a vingança era a única forma de justiça?
Wilhelm Reich argumenta que, quando o ser humano sente medo, retorna à matilha e confia todo o poder a um líder que mostra os dentes, sem se preocupar que seja prepotente e cruel. A grande conquista da sociedade humana foi justamente a passagem da vingança para a justiça. A vingança é pessoal e arbitrária, a justiça se vale de leis iguais para todos, dá ao culpado a possibilidade de se defender e a decisão sobre a punição é confiada a vontades estranhas. Com a justiça, distanciamo-nos da tradição bestial do ressarcimento físico imediato e feroz. Também o feminicídio parece responder a essa antiga lei vingativa: tu queres ir embora, queres impor tua vontade contra a minha? Tu não reconheces minha autoridade, minha posse? Então eu me vingo e te mato. Mas o que causou esse infausto desejo de retornar a sentimentos anti-históricos? A resposta mais aceitável poderia ser resumida em uma única palavra: medo.
O medo cria fantasmas, deforma a realidade, impele a se fechar erguendo muros, cultivando ódio e vingança. Medo de quê? Paradoxalmente, dir-se-ia justamente daquilo que os seres humanos estão criando: a disseminação de uma tecnologia cada vez mais autônoma (inteligência artificial) que muda as relações de trabalho e a estrutura da família, cria formas de comunicação democráticas, mas desprovidas de regras e baseadas no arbítrio. E, além disso, há o medo das mudanças climáticas, que, por mais negado que seja, se faz perceber. E, finalmente, o mais profundamente sentido, eu diria, é o grande medo de perder a identidade religiosa e social diante de grandes movimentos de massa. Três medos profundos estão derrubando os equilíbrios estabelecidos há séculos, criando um clima de incerteza que muitos pensam que só pode ser resolvido com uma guerra.
Eu me pergunto se o ser humano ainda tem a capacidade de refletir sobre as consequências de suas vinganças e se não entende que, como já foi dito, temos apenas um único mundo e uma única vida. Temos o direito e o dever de defendê-los.