29 Mai 2025
"O Papa Leão XIV tem dito que ele pretende continuar a linha de Francisco. Esperamos que ele mantenha essa linha teológica nas discussões teológico-sociais do nosso tempo", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
Ao escolher o nome de Leão XIV, o novo papa quis indicar a importância do ensinamento social para a Igreja Católica nos tempos de hoje, o tempo marcado pela Inteligência Artificial na vida das pessoas, especialmente dos trabalhadores e pobres.
Para se ter uma ideia de como a IA irá mudar o ambiente de trabalho e aumentar a desigualdade social no mundo, podemos citar o estudo feito pelo Goldman Sachs de que cerca de dois terços dos atuais empregos dos Estados Unidos e Europa estão expostos a algum grau de automação de IA e que a IA generativa (IA capaz de gerar respostas a várias questões e tem a habilidade de gerar conteúdos que são indistinguíveis dos criados por humanos e capaz de romper as barreiras de comunicação entre humanos e máquinas) poderia substituir até um quarto do trabalho atual. Extrapolando essa estimativa a nível global, se calcula que a IA generativa poderia expor o equivalente a 300 milhões de empregos de tempo integral à automação.
A era do conhecimento, que substituiu a industrial após a era agrícola – tempo esse em que as grandes religiões surgiram –, está se maturando e passa a ser chamada por muitos como a era da IA. Para as comunidades cristãs e teológicas, mais importante do que a discussão sobre o nome dessa atual era, eu penso que é a questão do lugar e o papel daquilo que a tradição católica chama de doutrina ou ensino social da Igreja. Isto é, a relação entre as questões econômico-político-sociais e os princípios de fé e teologia.
Leão XIII, com a encíclica Rerum Novarum iniciou a tradição de documentos sociais especialmente sobre as condições dos trabalhadores e pobres. Por exemplo, a encíclica Laborem Exercens (1981), de João Paulo II, foi muito impactante para a Igreja e para a sociedade; assim como os documentos do Papa Francisco, Evangelii Gaudium e Laudato Si'.
Enquanto esperamos os documentos do Papa Leão XIV, eu penso que é importante destacar que o Papa Francisco mudou o lugar da DSI na Igreja e na teologia. No Compêndio da Doutrina Social da Igreja, publicado pela Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, em 2004, a pedido do papa João Paulo II, encontramos a seguinte afirmação: “Aos homens e às mulheres do nosso tempo, seus companheiros de viagem, a Igreja oferece também a sua doutrina social” (2004, n. 3. O itálico é do documento). Nessa afirmação, temos essa palavra “também” como uma forma de explicitar um adendo ao que é o principal. Isto é, reconhecendo que a missão principal da Igreja e dos cristãos é anunciar a salvação pessoal, o documento parece justificar também a importância das questões sociais para a Igreja. Continuando a reflexão, o documento afirma: “O cristão sabe poder encontrar na doutrina social da Igreja os princípios de reflexão, os critérios de julgamento e as diretrizes de ação donde partir para promover esse humanismo integral e solidário” (n. 7. O itálico é do documento).
Contra possíveis visões equivocadas, o Compêndio esclarece, citando a encíclica Sollicitudo rei socialis, de Papa João Paulo II: “a doutrina social da Igreja pertence, não ao campo da ideologia, mas ao da ‘teologia e precisamente da teologia moral’” (n. 72). Ao explicitar que a DSI pertence ao campo da teologia moral, o documento pressupõe pelos menos duas áreas na teologia: a teologia dogmática e a moral. Sendo que a teologia dogmática trataria do “ser” de Deus e das questões mais “metafísicas”, enquanto que a teologia moral tomaria as teses principais da dogmática e as aplicaria ao campo das ações e das relações intersubjetivas e sociais. Ou como dizia Clodovis Boff, T1 e T2.
Porém, o Papa Francisco, com a crítica teológica da “idolatria do dinheiro”, rompe essa distinção entre a teologia dogmática, que seria a principal, e a moral. Pois, a noção de idolatria se refere à discussão teológica “dogmática” sobre quem é e as qualidades de Deus. Por isso, uma chave fundamental da interpretação do pensamento do Papa Francisco é a luta contra a idolatria, uma visão sacrificial e errônea de quem Deus é. A vida e o ensinamento de Jesus nos revelam que Deus não é o ser “onipotente, imutável, insensível ao sofrimento das pessoas”, e que exige sacrifícios de vidas humanas, mas quer misericórdia (Mt 9,13) e que todas pessoas tenham vida, e vida em abundância (Jo 10,10). Os poderosos e “sábios” criam religiões e ideologias para manipular o nome de Deus para justificar e eternizar os mais varáveis tipos de escravidão ou opressão.
Para Papa Francisco, “Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão” (EG, n. 57). Nesse sentido, a missão da Igreja e das teologias não é defender a igreja ou o cristianismo, mas sim libertar os seres humanos de todos tipos de escravidão.
O Papa Leão XIV tem dito que ele pretende continuar a linha de Francisco. Esperamos que ele mantenha essa linha teológica nas discussões teológico-sociais do nosso tempo.