29 Mai 2025
Os caças que voavam alto sobre Jerusalém no início da tarde descem para seguir a trajetória de fogo que os levará aos seus alvos em menos de 10 minutos. Na Faixa, os primeiros representantes da polêmica fundação estadunidense enviados para distribuir ajuda já sumiram. Eles têm uma vantagem sobre os operadores da ONU: são avisados com antecedência dos planos de ataque. Então, retornam ao seu lugar, enquanto o Hamas ameaça os deslocados que procurarem os novos "voluntários" de que enfrentarão "consequências".
A reportagem é de Nello Scavo, repórter internacional, publicada por Avvenire, 28-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fontes internas das Nações Unidas confirmam ao Avvenire que mais da metade das mercadorias que entraram no último fim de semana foram saqueadas, como temiam os caminhoneiros que esperavam na passagem de Kerem Shalom. Os culpados seriam alguns clãs no sul da Faixa, ocasionalmente aliados do Hamas. Os bandos são especializados em tráficos ilícitos e crimes, mas, segundo a inteligência israelense, não participaram diretamente do conflito.
Aos comboios foram designadas rotas tortuosas, não cobertas por funcionários da ONU nem do exército israelense. Resultado: os caminhões acabaram nos becos controlados pelos bandidos, vigiados do alto por drones israelenses, e no domingo os poucos mercados ainda abertos na Faixa de Gaza vendiam a farinha roubada de carregamentos humanitários por até 10 euros o quilo.
Segundo o governo de Tel Aviv, caberá à GHF, a Gaza humanitarian Foundation, demonstrar que é possível distribuir ajudas sem que sejam saqueadas pelos clãs de Gaza. Investigações jornalísticas descobriram que a organização, fundada na Suíça há apenas um ano, é, na verdade, um "pacote" montado por estadunidenses em nome de Tel Aviv. A Ghf não tem experiência humanitária em seu currículo. Suas fileiras incluem ex-agentes da CIA, do serviço secreto dos EUA, mercenários com vários conflitos no passado, incluindo ex-contratados da "Blackwater" (agora "Academi"), a companhia militar privada fundada no final da década de 1990 por Erick Prince, um ex-Navy Seal, a elite dos invasores EUA. Mas ontem, Jake Wood, um ex-fuzileiro naval com um passado bastante conhecido, renunciou ao cargo de diretor executivo da Fundação porque a organização, da forma como foi concebida, não pode garantir "princípios humanitários de humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência".
Em um comunicado, o conselho da Gaza Humanitarian Foundation disse estar "decepcionado" com a saída de Wood. "Nossos caminhões estão carregados e prontos para partir", explicaram, acrescentando que a GHF começaria a entregar ajuda diretamente a partir de ontem, com o objetivo de alcançar mais de um milhão de palestinos até o final da semana. O Departamento de Estado dos EUA reiterou que continuará a apoiar os planos da fundação, apesar das polêmicas internacionais, especialmente na ONU. Os planos de distribuição de ajuda são considerados insuficientes. A distribuição será baseada em quatro grandes centros no sul da Faixa de Gaza. As famílias solicitantes serão examinadas (inclusive por meio de coleta de impressões digitais e escaneamento da íris) para verificar eventuais conexões com membros do Hamas e outros grupos armados.
O temor das organizações humanitárias é que, além de estabelecer mecanismos para distribuição de ajuda de acordo com critérios arbitrários, muitas famílias, por medo de serem acusadas de alguma relação, mesmo distante, com extremistas, possam ver seus pedidos de ajuda rejeitados ou mesmo, devido a suspeitas, possam ser presas e deportadas para fora de Gaza na espera de investigações. O Hamas condenou o novo sistema, intimando os deslocados a não fazerem contato com ele. Um torniquete que mais uma vez verá os civis entre dois fogos.