28 Mai 2025
Os primeiros sinais, depois que o cineasta dissidente Jafar Panahi ganhou, ovacionado, a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes com o filme A Simple Accident, não são positivos. O governo iraniano está protestando contra as “declarações ofensivas e acusações infundadas” feitas pelo chefe da diplomacia francesa, Jean Noel Barrot, em uma mensagem sobre a vitória do autor e, agora aguarda-se com apreensão os desdobramentos. Até porque Panahi não tem intenção de seguir os passos de seus colegas que optaram por deixar o país: “Tudo o que sei é que nunca poderia viver em outro lugar que não fosse o Irã por muito tempo”.
A entrevista com Jafar Panahi, é de Fulvia Caprara, publicada por La Stampa, 26-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
De que forma acha que o quadro político internacional e, em particular, do Oriente Médio, influenciou as escolhas daqueles que dirigem seu país neste último período?
O que certamente aconteceu é que na República Islâmica há agora uma divisão nítida entre dois períodos, o anterior ao movimento ‘Mulher vida liberdade’ e o posterior. Depois daquela mobilização, muitas coisas mudaram, houve a sensação de que o governo tinha entrado em colapso, apareceram muitas outras instâncias, muitos outros pontos de vista, e isso em todos os campos, político, econômico, cultural. Está claro que agora só se mantém de pé uma estrutura superficial e vazia que acha que pode continuar a governar o país com dinheiro, violência e armas.
O que mudou com o movimento “Mulher vida liberdade”?
Houve mudanças radicais, percebi isso na primeira vez que saí da prisão e, circulando pelas ruas, vi mulheres que usavam o véu e outras que não usavam. O que aconteceu foi que as lutas e reivindicações acabaram dando frutos, as mulheres conquistaram seus direitos e isso influenciou uma grande parte da sociedade.
Na história do seu filme, se entrevê a possibilidade de uma redenção e de uma reconciliação. Você realmente acredita que essa perspectiva possa existir hoje no Irã?
Acredito que, mesmo que as violências continuem ocorrendo, é sempre possível tentar fazer algo para impedi-las. E também, sim, acredito que um dia, como mostra o filme, poderá começar uma temporada de perdão e de convivência pacífica. Não se trata tanto de guerra e paz. Trata-se do ciclo de violência. Falo como cineasta que lida com questões sociais e, como tal, digo que não existe um personagem absolutamente bom ou mau. Ninguém é completamente bom ou mau. Todos fazem parte do sistema e todos são o resultado de uma estrutura de um sistema que impõe suas regras e valores às pessoas. A questão, portanto, vai além da reconciliação. Trata-se de entender como, quando esse sistema entrar em colapso, pessoas que foram bombardeadas com propaganda medieval por quase meio século poderão conviver pacificamente e expressar seus desejos de forma autêntica.
Você teve experiência pessoal da prisão, o que isso lhe deixou?
Antes de ir para a prisão e antes de conhecer as pessoas que encontrei lá, ouvir suas histórias e seu background, os temas que abordava em meus filmes eram completamente diferentes. Passar um tempo com essas pessoas, atrás das grades, realmente mudou algo em minha visão como cineasta. Lembro-me do dia em que fui libertado, há até um vídeo no YouTube. Saí da prisão e meus amigos e familiares estavam lá me esperando, mas eu vivia sentimentos contraditórios. Não sabia se deveria estar feliz. Como podia deixar para trás todas aquelas pessoas que ainda estavam lá, como podia cortar os laços com elas? Havia algo ambivalente que sentia naquele momento e que continuei sentindo depois. Uma parte de mim permaneceu naquela prisão, com aquelas pessoas. Uma nova comunicação havia se aberto com elas, e eu não podia deixá-la para trás e voltar ao tipo de vida que tinha antes. Foi nesse contexto que nasceu a ideia do A Simple Accident. E, de fato, na outra noite, assim que soube que havia ganhado a Palma de Ouro, tive um momento em que tudo o que pude fazer foi rever as imagens dos meus companheiros de prisão, todos os seus rostos passaram diante dos meus olhos. Em A Simple Accident, há um momento muito dramático em que as torturas praticadas na prisão são descritas em detalhes, mas também há algumas sequências irônicas. Uma das características do povo iraniano é seu humor. O regime tentou por mais de quatro décadas impor aos iranianos tragédias, lágrimas e sofrimentos, mas os iranianos sempre são capazes de produzir piadas e humor, é um sinal clássico de nossa mentalidade.
Você disse que está voltando para o Irã. Considera isso um gesto corajoso?
Não mais do que todos aqueles feitos pelas mulheres iranianas nos últimos anos. Quero dizer que sempre me inspiro no que acontece na sociedade ao meu redor e que fiquei profundamente impressionado com o que fizeram essas mulheres extraordinárias, que acabaram na prisão, ameaçadas, assediadas e, ainda assim, prontas para continuar suas batalhas, sem se preocupar com nada, no mais total anonimato, ao contrário de mim, que recebo mais exposição do que elas.
A primeira reação à Palma de Ouro por parte da liderança de seu país não é um bom presságio. Está preocupado?
Estou acostumado a me comportar exatamente como os outros iranianos, não sou um caso especial e não importa se o que eu fiz terá consequências. Assim que voltar para casa, começarei a pensar em meu próximo filme.