27 Mai 2025
"A Igreja pode renunciar a pregar uma tal conversão da política europeia? A Europa ainda pode ser a Europa desarraigada de seu ser cristão? Perguntas absolutamente complementares. Queiram os céus, os nossos líderes políticos as façam como certamente Leão XIV as fará."
O artigo é de Massimo Cacciari, filósofo italiano, publicado por La Stampa, de 26-05-2025.
O interesse pela Igreja Católica parece se acender, na opinião pública, apenas pela eleição de um pontífice ou por eventos ocasionais. No máximo, sua voz é ouvida como uma entre muitas. O caráter extraordinário de sua história e a auctoritas que dela deriva, mesmo quando reconhecido, não exerce mais do que uma vaga influência. Isso nunca resultou tão dramaticamente claro quanto na desordem global que estamos vivendo, quando os arcontes deste mundo não apenas continuam a ignorar as palavras vindas de Roma, mas podem chegar ao ponto de rejeitá-las abertamente ou até mesmo zombar delas. Esse talvez seja um dos sinais mais evidentes de que a grande onda da civilização ocidental chegou ao fim. Os poderes políticos se iludem, fortalecidos por sua ignorância, de que a questão diz respeito apenas à Igreja e à sua crise devido aos processos de secularização. Na realidade, estamos vivendo a decadência de todo um mundo, inconcebível sem a presença da própria Igreja.
As formas do Político que a modernidade ocidental foi assumindo se entrelaçam com a Igreja de Roma, na medida em que ela também é, por uma sua dimensão, uma grande forma política. Aquela máquina complicada que era a Europa “ao assalto” do mundo (como falava o grande filósofo, Hegel, que viveu em meio a esse assalto), para afirmar sua hegemonia global não só teve de aprender com a Igreja os princípios fundamentais de organização, eficiência, formação de elites dirigentes e competência técnico-administrativa como também aprimorou sua têmpera no confronto, que também foi uma luta, com esta última, com a autoridade que ela continuava a deter. Foi um duelo grandioso e secular, graças ao qual ambos os contendores construíram os pilares de sua autonomia.
Autonomia não abstrata, mas que também contava como reconhecimento do valor e do “domínio” específico do outro.
O que está acontecendo? Um fenômeno que é culturalmente, eu diria antropologicamente, tão marcante quanto outros que moldaram nossa história: ambas as Autoridades, a política e a religiosa, parecem incapazes de resistir ao assalto da nova religião, a religião de estar trabalhando, ininterruptamente, a serviço do sistema técnico-econômico-financeiro, de estar sempre “em débito” com ele. A religião já denunciada por Leão XIII: ubi pecunia, ibi patria. A formidável onda do Político ocidental e da Igreja de Roma, em sua convergente divergência, parece chocar-se contra a afirmação desse Poder e, após a ressaca, sobram apenas fragmentos e memórias.
O senso comum ruim sustenta que as vicissitudes da Igreja só dizem respeito aos crentes ou aos que assim se consideram. Aqueles que pensam, crentes ou não, sabem, em vez disso, que toda a Europa era uma terra cristã.
Essencialmente, isso fez de suas próprias guerras uma só grande guerra civil. Havia uma Mãe comum. De alguma forma, era possível fazer referência a ela e repor nela o fundamento de nossa esperança de paz. A catolicidade da Igreja não era acompanhada apenas pelo ímpeto universal da civilização (ou seja, a ideia de que a nossa era a civilização) - ela também alimentava esta esperança: que, ao reconhecer suas raízes cristãs, os países europeus pudessem, com mais energia e mais convicção, encontrar as razões de sua unidade.
Será que a lógica do ordenamento estatal poderia alcançar tal objetivo? A própria forma do Estado não denuncia uma insuficiência radical na superação dos conflitos que opõem um país ao outro? Hoje, é claro, não se trata de conflitos pela hegemonia global. O Ocidente europeu já teve seu ocaso há mais de um século. Mas será que o Ocidente estadunidense, gerado por aquele europeu, está se mostrando apto a alcançar um novo equilíbrio internacional? E entre as dimensões da Europa que já foi terra cristã, não apenas e sangrentamente entre a Europa Ocidental e o “Oriente” russo, mas também entre a Mitteleuropa e a Europa latina, mediterrânea, as divisões voltam a explodir. Deveria ficar claro para quem pensa: sem uma orientação cultural comum, sem um poder espiritual que anime aquele político a partir de dentro, nunca será possível fundar uma nova ordem internacional. Só será possível deixar acontecer, laissez-faire, ao “progresso” técnico-econômico e se iludir de que suas mãos invisíveis serão capazes de evitar catástrofes ainda piores do que as que estamos vivendo.
A Igreja tem uma Palavra para indicar esse poder espiritual, por mais que, em sua história milenar, tenha se esquecido dela ou a tenha traído. E aqueles que estudaram e compreenderam os limites dos ordenamentos estatais do Ocidente e da própria ideia de democracia a repetiram de várias maneiras. É a fraternidade. Esqueça esse princípio e a liberdade contradirá a igualdade; apague-o do horizonte de suas ações e a liberdade sempre correrá o risco de significar a vontade de afirmação de um contra o outro. E a igualdade será reduzida a um ter que ser abstrato e formal.
Se essa Palavra não só não for mais ouvida pelos povos do Ocidente, como também for negada, por princípio, qualquer incidência em sua dimensão política, o desenraizamento do cristianismo estará em uníssono com a impotência de dar uma resposta aos conflitos internacionais, até mesmo para conseguir armistícios momentâneos. A fraternidade só pode ser encontrada, no máximo, dentro do mesmo povo, habitante da mesma terra, bárbaros os outros - assim se pensa; somos irmãos apenas porque temos inimigos comuns para odiar. Uma fraternidade que exclui a solidariedade e a universalidade, um testemunho dramático de que a Europa não é mais uma terra cristã - mas também não mais terra dos princípios iluministas, entre os quais, não por acaso, se compreendia perfeitamente que o princípio da fraternidade era insubstituível para a realização de uma verdadeira comunidade.
Os Papas mais recentes estão diante desse drama, que envolve a alma europeia em todos os seus aspectos. Translado de São Pedro para outras partes do mundo? Talvez isso seja a salvação para a Igreja.
Salvação que, no entanto, soará também como renúncia à possibilidade de uma Europa que se converta em um fator concreto de paz, capaz de indicar um seu próprio plano para a solução das tragédias em curso e uma sua própria estratégia para a refundação do direito internacional. A Igreja pode renunciar a pregar uma tal conversão da política europeia? A Europa ainda pode ser a Europa desarraigada de seu ser cristão? Perguntas absolutamente complementares. Queiram os céus, os nossos líderes políticos as façam como certamente Leão XIV as fará.