19 Mai 2025
Os sorrisos já circulavam no primeiro andar do Hotel Libertador muito antes dos primeiros dados oficiais aparecerem. “Uma surra”, disseram os líderes do partido de Javier Milei em tom monótono enquanto esperavam pela contagem final, como se a vitória fosse uma conclusão inevitável. E foi: o porta-voz presidencial Manuel Adorni venceu neste domingo na Cidade de Buenos Aires com 30% dos votos. O segundo lugar ficou com o progressista Leandro Santoro, do Es Ahora Buenos Aires, com 27%; e mais atrás ficou Silvia Lospennato, candidata do partido Proposta Republicana (PRO) do ex-presidente Mauricio Macri, com 15%.
A reportagem é de Pedro Lacour, publicada por El Diario, 19-05-2025.
O cenário foi concluído como em 2023: púlpito, telas de LED, poucas câmeras e o presidente no alto. Do 18º andar, onde se instalou pouco depois das 18h30, o presidente Milei comemorou o resultado como se fosse o candidato. E ele está: ficou em Buenos Aires, cancelou sua viagem ao Vaticano e centralizou toda a campanha nas sombras. A eleição em Buenos Aires consolidou ainda mais seu papel como figura central na política argentina, acima do PRO e do peronismo portenho.
A celebração no ultra bunker começou às 20h40. Pelas laterais do palco montado no primeiro andar do Hotel Libertador, Milei entrou ao ritmo de Vamos por la gloria, de La Beriso. Foi apresentada por Pilar Ramírez, principal organizadora libertária da Cidade, e precedida por sua irmã Karina, que abriu a noite com uma frase que buscava estabelecer uma continuidade épica: "As Forças do Céu fizeram de novo". O presidente subiu ao palco, cumprimentou seus ministros um por um — alinhados como um cartão-postal do gabinete — e pegou o microfone para o que foi, mais do que um discurso comemorativo, uma proclamação de hegemonia.
“Hoje o bastião amarelo foi pintado de roxo, e de agora em diante, todo o país será pintado de roxo”, gritou Milei. Ele não nomeou o PRO, mas o destacou precisamente. Com 30% dos votos, La Libertad Avanza venceu uma eleição na Cidade de Buenos Aires pela primeira vez, desbancando o partido de Macri para o terceiro lugar. Foi uma vitória com nome próprio — Adorni liderou a lista — mas o libertário a comemorou como se seu governo estivesse sendo submetido a uma votação. No mesmo salão onde celebrou sua eleição presidencial em novembro de 2023, ele mais uma vez criou um cenário carregado de símbolos e mensagens para o futuro.
"Dissemos que éramos os únicos capazes de derrotar o kirchnerismo. Hoje provamos isso mais uma vez", escreveu Karina Milei em sua conta no X. “Agradecemos a todo o povo de Buenos Aires por nos apoiar nesta eleição”, acrescentou o Secretário-Geral da Presidência, figura fundamental para entender a candidatura do porta-voz Adorni.
O dia começou com outra imagem: às 11h22, Milei votou na UTN de Medrano, acompanhado pela irmã e por Iñaki Gutiérrez. A cena foi discreta, sem mobilização militante. Naquele momento, Adorni ainda não havia votado. Ele o faria mais tarde, em Bajo Flores, sem a companhia presidencial. Apesar do seu perfil discreto, o porta-voz acabou liderando a lista mais votada da cidade, desbancando o partido PRO do primeiro lugar pela primeira vez em quase vinte anos.
O resultado veio com uma dupla carga simbólica. Primeiro, porque marca uma virada no mapa político de Buenos Aires: o PRO, partido que governa a cidade desde 2007, ficou reduzido a um distante terceiro lugar. Segundo, porque confirma Milei como a principal figura eleitoral do partido no poder, mesmo que ele não esteja na cédula. Diferentemente de 2023, quando tudo era novidade, desta vez a operação foi ainda mais sigilosa: a Casa Militar coordenou a logística presidencial, a imprensa partidária controlou o acesso ao bunker, deixando grande parte dos veículos de comunicação do lado de fora, e a estética da vitória foi mantida sob a supervisão de Karina Milei.
O impasse com Mauricio Macri, que se intensificou ao longo do dia com declarações conflitantes sobre os vídeos falsos virais, continuou durante todo o dia. "Pare de chorar, você é de vidro", disse Milei à imprensa, em uma declaração que coroou sua decisão de não suavizar o confronto. Enquanto isso, a liderança libertária já planeja o próximo passo: chegar a um acordo com setores do partido de Macri na província de Buenos Aires. "Isso é muito avançado, embora Macri não queira", disse o presidente após votar.
O resultado também redefine a imagem de Adorni, até então porta-voz presidencial e, doravante, potencial líder político dos libertários portenhos. Sua atuação como candidato sem aparato, sem território e sem histórico eleitoral prévio é lida na Casa Rosada como uma validação da experiência.