03 Mai 2025
A cada dia, até o conclave que elegerá o sucessor do Papa Francisco — cuja data ainda não foi definida —, John Allen apresenta o perfil de um papabile, termo italiano para designar um homem que pode se tornar papa. Não existe um método científico para identificar esses candidatos; trata-se, em grande parte, de avaliar reputações, cargos ocupados e a influência exercida ao longo dos anos. Também não há garantia alguma de que um desses nomes sairá vestido de branco; como diz um antigo ditado romano, “quem entra no conclave como papa, sai como cardeal”. No entanto, esses são os principais nomes que estão despertando interesse em Roma neste momento, o que ao menos garante que serão considerados. Conhecer quem são esses homens também indica quais questões e quais qualidades os outros cardeais consideram desejáveis ao se aproximar da eleição.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 30-04-2025.
Um indicativo de quão jovem Luis Antonio Tagle era quando surgiu como cardeal em 2012 é o fato de ele ter sido cogitado para o papado em 2013, mas considerado jovem demais; agora, doze anos depois, ele novamente é visto como um sério candidato, embora em alguns círculos sua idade, 67 anos, ainda jogue contra ele.
Considerando que os dois últimos papas foram eleitos aos 78 e 76 anos, entende-se a reação, mas isso não impede boa parte das rodas de conversa de saudar o prelado filipino como tanto papabile, ou seja, um candidato altamente sério.
Paradoxalmente, no entanto, apesar de Tagle ser frequentemente apontado como candidato ao papado por veículos de mídia, comentaristas externos e fãs entusiasmados, ele é descartado por alguns insiders, que insistem que lhe falta a gravitas necessária ao cargo e que sua trajetória no Vaticano teve resultados irregulares.
De qualquer forma, a perspectiva de um “Francisco asiático” assumindo as rédeas da Igreja Católica é intrigante.
Nascido em Manila em 1957, Tagle estudou no seminário em Quezon City e depois fez doutorado na Catholic University of America, em Washington. Também estudou em Roma antes de retornar às Filipinas como pastor e professor.
Sua tese de doutorado, orientada pelo Pe. Joseph Komonchak, foi uma abordagem favorável ao desenvolvimento da colegialidade episcopal no Concílio Vaticano II. Além disso, Tagle fez parte por 15 anos do conselho editorial do projeto History of Vatican II, de Bolonha, fundado por Giuseppe Alberigo — criticado por alguns conservadores por uma leitura progressista demais do concílio.
Desde o início, Tagle foi visto como uma estrela em ascensão na Igreja asiática, o que explica sua nomeação em 1997 para a Comissão Teológica Internacional, principal órgão consultivo doutrinal do Vaticano. (Conta-se que, quando o então cardeal Joseph Ratzinger o apresentou ao Papa João Paulo II como novo membro, Ratzinger brincou garantindo ao papa que o jovem filipino já havia feito a Primeira Comunhão.)
Tagle foi nomeado bispo da diocese de Imus em 2001, onde ficou famoso por não ter carro e ir trabalhar de ônibus todos os dias, dizendo que era uma forma de combater o isolamento que às vezes acompanha altos cargos. Também era conhecido por convidar mendigos que ficavam na porta da catedral para comer com ele. Uma mulher relatou que, certa vez, ao procurar o marido cego, desempregado e alcoólatra num bar local, acabou encontrando-o almoçando com o bispo.
Outro episódio típico: logo após sua chegada a Imus, uma capelinha em um bairro pobre aguardava um padre para celebrar a missa às 4h da manhã para um grupo de trabalhadores. Um jovem clérigo apareceu de bicicleta simples, com roupas comuns, pronto para celebrar. Um fiel, surpreso, percebeu que era o novo bispo e pediu desculpas por não terem preparado uma recepção melhor. Tagle respondeu que não havia problema: soubera na noite anterior que o padre estava doente e decidiu ele mesmo celebrar a missa.
A mesma reputação acompanhou Tagle a Manila, onde ficou conhecido por uma postura equilibrada nas políticas. Ele assumiu posições firmes contra o projeto de lei de saúde reprodutiva nas Filipinas, que incluía promoção de contraceptivos. No entanto, sua principal preocupação social era a defesa dos pobres, e ele também mostrava forte sensibilidade ambiental.
Não há dúvidas sobre o carisma de Tagle e sua capacidade de mobilizar multidões. Ele também é um prelado muito do século XXI, uma espécie de cardeal-infuenciador, com grande presença nas redes sociais — tem conta ativa no X e página no Facebook, onde aparece, entre outras coisas, dançando ritmos tradicionais filipinos.
Recentemente, o site conservador LifeSite News resgatou um vídeo antigo em que Tagle canta Imagine, de John Lennon, criticando-o por entoar o que chamaram de hino ateísta. (Vale notar que o vídeo não inclui o trecho “imagine there’s no heaven/it’s easy if you try/no hell below us/and above us only sky.”) A reação ilustra que, para cada pessoa encantada com essas cenas, há outra, possivelmente entre seus colegas cardeais, que as considera impróprias.
Em dezembro de 2019, o Papa Francisco nomeou Tagle prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, departamento missionário do Vaticano. Tagle e o então cardeal Jorge Mario Bergoglio haviam se conhecido no Sínodo dos Bispos de 2005, sobre a Eucaristia, e estava claro que o papa queria o carismático cardeal filipino em sua equipe.
Na mesma época, Tagle foi eleito presidente da Caritas Internationalis, federação de caridade católica sediada em Roma. Juntos, os dois cargos pareciam colocá-lo como líder de fato da Igreja no mundo em desenvolvimento em nome do papa.
Infelizmente, as coisas não saíram como esperado. Muitos analistas consideraram sua atuação no dicastério — novo nome da congregação — pouco inspirada, e sua gestão da Caritas acabou em crise em 2022, quando foi afastado da presidência e toda a liderança foi basicamente destituída.
Antes de tudo, ele é um comunicador e evangelizador eficaz num momento em que todos concordam que a missão, ou seja, atrair pessoas para a fé, deve ser prioridade do próximo papa. Seu estilo simples e natural, aliado à capacidade de emocionar plateias e provocar risos e lágrimas em igual medida, o tornariam uma estrela imediata no cenário global.
Além disso, Tagle também daria rosto e voz ao dinamismo da Igreja no mundo em desenvolvimento, incluindo a Ásia, que terá 23 cardeais eleitores — uma força importante neste conclave. Num momento em que quase três quartos dos 1,3 bilhão de católicos do mundo vivem fora do Ocidente, a ideia de um papa asiático pode atrair alguns cardeais.
O fato de Tagle ter ascendência chinesa pode ser uma vantagem nas relações Vaticano-China, embora também preocupe alguns cardeais asiáticos que temem a hegemonia chinesa na região.
Falando francamente, há muitos observadores na Igreja, incluindo não poucos cardeais, que acreditam que Tagle simplesmente não está pronto para o horário nobre. Eles veem sua persona pública como superficial e, nos bastidores, dizem que ele teve seis anos para mostrar liderança real no Vaticano — sem muitos resultados.
Essa é uma preocupação particular num momento em que a maioria dos cardeais acha que o próximo papa precisa ser um gestor forte, capaz, entre outras coisas, de enfrentar a grave crise financeira do Vaticano, com déficits e obrigações não financiadas de pensão. Se Tagle não conseguiu administrar a Caritas, perguntam-se alguns, que esperança teria com o Vaticano inteiro?
Além disso, cardeais mais conservadores provavelmente também não gostam muito de sua teologia e política, consideradas progressistas demais. Para esse grupo, basicamente, votar em Tagle seria votar em Francisco 2.0, só que falando tagalo em vez do espanhol portenho de Buenos Aires.
Essas preocupações podem ser ampliadas pelo fato de que, aos 67 anos, é fácil imaginá-lo sentado no trono de Pedro por vinte anos — o que talvez pareça longo demais para alguns.
Se Tagle realmente tem uma chance séria ao papado, ainda não se sabe. Mas, só de contemplar essa possibilidade, já aprendemos algo sobre a diversidade global e vibrante do catolicismo no início do século XXI.