03 Mai 2025
Um documento divulgado no início deste mês mostrou que a comissão responsável pela elaboração do Rito Amazônico incluirá em sua proposição final um pedido de ordenação de mulheres diáconas.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 01-05-2025.
O texto, um resumo de sete páginas de um documento mais longo lançado em 2024 – que contém a maioria das sugestões para o novo rito e os debates teológicos sobre elas – foi publicado no site do Conselho Eclesial Latino-Americano em 5 de abril.
Inclui também outras duas ideias controversas que surgiram durante a preparação do Sínodo para a região Pan-Amazônica: a ordenação de homens casados que têm papéis de liderança nas comunidades amazônicas, os chamados viri probati, e que padres que deixaram o clero para se casar podem retomar seus ministérios.
“Esse texto resume o documento histórico que divulgamos no ano passado. A ideia é que as dioceses o revisem agora, para que as comissões possam finalizar o trabalho em poucos meses”, disse ao Crux o padre Agenor Brighenti, de origem brasileira, responsável pelo trabalho das comissões.
Essas proposições aparecem na quarta parte do documento, que trata da configuração da Igreja no Rito Amazônico. O texto afirma que “um rito tem uma eclesiologia subjacente” e que a Igreja Amazônica quer ser uma Igreja “integrada à vida e às lutas dos povos” e que “conhece a cultura e a história de seus povos”, aprendendo suas “línguas, cantos, instrumentos, ritos e costumes”.
“Nas igrejas amazônicas, os leigos, especialmente as mulheres, têm um papel preponderante. […] Uma igreja com rosto amazônico requer a presença estável de lideranças leigas maduras, dotadas de autoridade, que conheçam as culturas e os modos de viver em comunidade de cada localidade, a fim de permitir o desenvolvimento de uma cultura eclesial em si mesma, marcadamente laical”, diz o documento.
O texto diz que a exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia discute a necessidade de repensar os perfis dos ministérios em cada Igreja particular para “expressar o papel protagonista dos leigos, especialmente das mulheres”.
“Entre os desafios vitais que a Igreja enfrenta na Amazônia está a impossibilidade de as comunidades celebrarem a Eucaristia semanalmente. É por isso que o Rito Amazônico sugere a ordenação de viri probati, originada em communitates probatae. Também sugere que os padres que deixaram o ministério para se casar possam, se desejarem, retomá-lo”, prossegue o documento.
O texto afirma ser urgente que na Igreja amazônica “os ministérios sejam promovidos e confiados a mulheres e homens de forma equitativa”. Homens e mulheres devem ter o poder de oficiar os sacramentos, batizar e celebrar matrimônios. Deve ser criado um ministério instituído de “líder comunitária feminina” e as mulheres devem ser ordenadas diaconisas.
“Para um autêntico Rito Amazônico, é essencial que as mulheres possam, de forma simétrica e complementar, ocupar espaços como pregadoras e oficiantes de sacramentos, bem como na organização e nas estruturas da Igreja”, afirma o documento.
Segundo o bispo Eugenio Coter, de Pando, Bolívia, um dos coordenadores da elaboração do Rito Amazônico, as comissões não discutiram a legitimidade da ordenação de mulheres diáconas, visto que é uma questão que cabe à Igreja universal analisar.
“Em parte, corresponde a um reconhecimento do papel das mulheres nos espaços celebrativos. É coerente com a lógica da presença feminina nas comunidades amazônicas. Mas é algo que transcende a Conferência Eclesial Amazônica devido à sua natureza doutrinária”, disse Coter ao Crux.
Ele lembrou que alguns segmentos eclesiásticos se opuseram à ordenação de mulheres diaconisas, argumentando que isso incentivaria uma espécie de clericalismo. Ele discorda dessa tese.
“Isso equivale a dizer que o sacramento da ordem cria uma mentalidade clerical. Não creio que seja assim. É uma falta de compreensão do sacramento da ordem”, argumentou Coter.
Sobre os viri probati, Coter enfatizou que também é algo típico do contexto amazônico esperar que uma autoridade seja um homem casado e que saiba orientar sua família.
“A capacidade de manter um relacionamento maduro e estável faz parte da dignidade das autoridades, caso contrário esse líder causa desconfiança”, explicou.
Coter lembrou que o documento final do Sínodo para a região Pan-Amazônica incluiu um pedido dos bispos para a ordenação de homens casados.
"Nunca foi respondido. Esse também é um assunto que ultrapassa as nossas capacidades. Portanto, só nos resta esperar que Roma possa assumir que é válido para a região amazônica", disse ele.
Coter disse que esses líderes comunitários receberiam a educação adequada para serem ordenados, sem nenhuma diferenciação possível entre eles e os presbíteros celibatários regulares.
“Já temos a experiência das Igrejas Orientais nesse assunto. Não ouvimos ninguém dizer que haja qualquer diferença entre padres casados e os outros. Precisamos apenas garantir que esses homens estejam teológica e pastoralmente preparados para guiar suas comunidades”, argumentou Coter.
Essas sugestões têm provocado controvérsia no Vaticano desde o Sínodo da Amazônia, em 2019. Em relação à possibilidade de ordenar mulheres diaconisas, o Papa Francisco descartou diretamente a possibilidade em uma entrevista à CBS em maio de 2024.
Na opinião do sociólogo da religião Francisco Borba Ribeiro Neto, ativista católico que dirigiu o Centro de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, essas proposições surgiram no Sínodo da Amazônia e foram derrotadas no contexto universal da Igreja – e agora seus promotores tentam insistir nelas mais uma vez.
No que diz respeito às mulheres diaconisas, Ribeiro Neto argumentou que é uma solução falsa, já que “as mulheres das comunidades pobres não querem ser padres”.
"Eles têm o seu papel e estão de acordo com ele. É muito mais uma necessidade para algumas freiras e missionários que estão descontentes com a subalternidade que enfrentam injustamente na Igreja", disse ele ao Crux.
Na opinião de Ribeiro Neto, é inquestionável que há um problema em reconhecer o valor da mulher dentro da Igreja como instituição. "Mas ordená-las não é a solução. Seria quase impossível ordenar todas elas e um novo problema surgiria: as diferenças entre religiosas ordenadas e não ordenadas", disse ele.
Ribeiro Neto lembrou que Francisco sempre expressou que o sacerdócio não é uma honra, mas uma posição humilde de alguém que serve aos outros. "Se for esse o caso, por que alguém lutaria para obter essa posição? Só porque essa pessoa vê o sacerdócio como uma honra", afirmou.
A questão dos viri probati – acompanhados da reintegração dos padres casados – é uma visão inadequada da questão do celibato, segundo Ribeiro Neto.
“A ideia de revogar o celibato também foi derrotada na Igreja. Hoje em dia, as comunidades católicas em geral não pensam nisso. O contexto cultural em relação ao casamento mudou nas últimas décadas e essa questão se tornou secundária na Igreja”, disse ele.
Os promotores dessas ideias sabem que elas não serão implementadas, argumentou Ribeiro Neto, mas insistem nelas mesmo assim para se posicionarem como uma espécie de vencedores morais.
“Não faz sentido debater o mérito de questões cujas conclusões não podem ser aplicadas devido às atuais condições políticas. É o que acontece”, explicou ele. Com a morte do Papa Francisco, as chances dessas sugestões serem aprovadas são ainda menores, acrescentou.