23 Abril 2025
"A mensagem pascal de Francisco no domingo da ressurreição e as políticas adotadas por Trump durante os três primeiros meses de seu segundo mandato tornam evidentes dois modelos de cristianismo em confronto: o de Francisco, identificado com as raízes evangélicas do movimento de Jesus de Nazaré, e o de Trump, a serviço de seus próprios interesses, dos interesses do Império e dos oligarcas tecnológicos, cujo principal expoente é Elon Musk. Vance não encontrou em sua visita ao Vaticano a legitimidade religiosa que esperava, pois seus projetos cristãos, morais, políticos, econômicos e sociais estão nas antípodas dos de Francisco."
O artigo é de Juan José Tamayo, publicado por INFOLIBRE, e reproduzido por Religión Digital, 23-04-2024.
Juan José Tamayo é teólogo e professor emérito honorário da Universidade Carlos III de Madri. Seu m ais recente livro é Cristianismo radical (Trotta, 2025), que constitui a melhor expressão da radicalidade evangélica do papa.
A prática do cristianismo de Trump e Vance tem se caracterizado pelas deportações em massa de imigrantes em suas diferentes modalidades: expulsões com as pessoas algemadas como se fossem criminosas, suspensão do direito de asilo e autorização para que agentes de imigração realizem batidas em escolas, hospitais e templos.
Outra ação é o apagamento das pessoas LGTBI e, consequentemente, a eliminação da proteção a essas pessoas.
Uma nova prática de falta de solidariedade é a retirada de bilhões de dólares em ajuda a populações que vivem em situação de marginalização em países empobrecidos — retirada que está causando muitas mortes e o aumento de doenças graves.
Contrária ao direito internacional e ao direito das cidadãs e cidadãos de viverem em seu próprio território é a vinculação do cristianismo de Trump ao anúncio da expulsão de mais de dois milhões de habitantes de Gaza e à criação da "Riviera do Oriente Próximo" em Gaza, o que implica limpeza étnica, apoio incondicional à política genocida de Netanyahu e aos partidos políticos sionistas, e o reconhecimento de Israel como o guardião da região.
A essas práticas, cabe ainda acrescentar outras duas: a imposição do rearmamento a todos os países sob sua influência, com o consequente aumento dos gastos militares, e a aporofobia, que é o ódio à vida dos pobres.
O cristianismo praticado por Francisco durante os doze anos de pontificado encontra-se em posição diametralmente oposta. Ele foi defensor do desarmamento, da paz fundada na justiça, da liberdade para as presas e os presos políticos e prisioneiros de guerra. Esse foi seu último pedido no domingo da Ressurreição.
Destacou-se pela acolhida e hospitalidade às pessoas e aos grupos de imigrantes e refugiados. O próprio Francisco visitou os campos de imigrantes e refugiados, chorou diante das condições desumanas em que vivem, demonstrou compaixão por elas, retirou famílias inteiras desses campos e as acolheu no Vaticano, ao mesmo tempo em que pediu às comunidades cristãs que os recebessem em seus centros religiosos e em seus lares.
O papa também se opôs à lógica do medo, gerada por Trump entre as pessoas migrantes, e que foi objeto de denúncia profética por Marienn Budde, bispa episcopal de Washington.
Ele qualificou as deportações em massa de imigrantes de Trump como atentados contra a dignidade de muitos homens e mulheres, os quais são colocados em um "estado de vulnerabilidade". O papa se opôs à limpeza étnica dos gazenses defendida por Trump e Netanyahu e defendeu o direito de permanecer em sua terra.
Na mensagem de Páscoa transmitida no domingo da Ressurreição, Francisco se referiu à população e à comunidade cristã de Gaza, que está vivendo uma situação de morte e destruição, além de uma dramática e indignante crise anti-humanitária.
Nessa missiva, ele pediu pela interrupção do cessar-fogo, que foi quebrado por Netanyahu com o apoio de Trump, a libertação dos reféns e ajuda para as pessoas que estão com fome e aspiram a um futuro de paz. Denunciou os conflitos cruéis que afetam civis desarmados, ataques a escolas, hospitais e operadores humanitários.
Uma última opção em que se confrontam os dois cristianismos é a atitude em relação às pessoas mais vulneráveis, aos grupos empobrecidos e aos povos oprimidos. Trump defende as elites políticas e econômicas e rejeita as maiorias populares empobrecidas, a quem castiga com todo tipo de restrições e gestos de pouca solidariedade. Como destacam todas as análises políticas e religiosas que estão sendo feitas desde sua morte, Francisco apostou desde o início de seu pontificado por uma Igreja pobre e dos pobres, um hospital de campanha para todas as pessoas feridas pelos diferentes sistemas de dominação, uma Igreja que deve renunciar aos discursos e às práticas autorreferenciais e ir às periferias humanas onde se encontram os grupos humilhados: prisões, hospitais psiquiátricos, centros de internamento de jovens, comunidades indígenas, zonas marginais das grandes cidades, etc.
“Com os pobres da terra minha sorte eu quero lançar.” Este verso do poeta revolucionário cubano José Martí acredito que é aplicável a Francisco desde que assumiu a liderança da Igreja católica até o último dia de sua existência.