23 Abril 2025
Um diálogo sobre as novas formas do autoritarismo entre o filósofo e a escritora
O diálogo é publicado por La Stampa, 18-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Daniela Padoan: Há muitos anos você vem tratando da ascensão do autoritarismo e da maneira como ele mina as democracias por dentro. Que sombras vê se adensando no horizonte político europeu?
Jean-Claude Monod: Os ataques ao estado de direito e à independência dos juízes, as restrições ao direito de criticar publicamente as autoridades e a tendência de criminalizar os protestos e até mesmo as manifestações são características comuns de governos de extrema direita, mas alguns desses aspectos também podem ser encontrados em governos que não podem ser classificados como tais; por exemplo, na França, sob a presidência de Macron, a repressão às manifestações tem sido extremamente dura à medida que a exasperação social ia aumentando. Com os governos de Giorgia Meloni na Itália, Viktor Orbán na Hungria e a vitória frustrada apenas por um triz do Rassemblement National nas eleições parlamentares francesas, o espectro do autoritarismo paira sobre a Europa, reforçado, por um lado, pela obra de desestabilização da propaganda russa nas redes sociais e, por outro, pela recente vitória de Trump nos Estados Unidos. Corremos o risco de ter um núcleo de países europeus reduzido a uma frágil ilha de democracia liberal, e é por isso que devemos prestar muita atenção ao que os ameaça.
DP: Nos Estados Unidos, com a posse de um presidente protegido por imunidade, apesar de ter sido incriminado com a acusação de ter instigado o ataque ao Capitólio, esses mesmos fenômenos estão ocorrendo em ritmo acelerado e com modalidades particularmente brutais. Você introduziu o conceito de ‘ditadura oligárquica’ para definir um neoliberalismo autoritário que implica a manutenção da fachada das liberdades de crítica e manifestação e a tendência simultânea de reprimir os movimentos sociais e ecológicos, juntamente com uma drástica reforma tributária que favorece as empresas e recai sobre o estado de bem-estar social, a cultura, a pesquisa e as ajudas internacionais.
JCM: A ideia de um autoritarismo (neo)liberal foi apresentada pelo jurista alemão Hermann Heller em resposta ao surgimento de uma palavra de ordem proposta pelo economista ordoliberal Alexander Rüstow e pelo jurista conservador Carl Schmitt: ‘Estado forte, economia livre’. Mas hoje, nos Estados Unidos, com a dupla Trump-Musk, até mesmo falar em neoliberalismo não é mais apropriado, uma vez que essa doutrina geralmente manteve a ideia de que o Estado deve preservar uma estrutura jurídica mínima e uma rede de segurança para os indivíduos excluídos do mercado, enquanto hoje estamos assistindo à disjunção entre a democracia política e social e um liberalismo econômico completamente a favor dos mais ricos. Além disso, os grandes representantes do ordoliberalismo e do neoliberalismo desconfiavam de líderes políticos demagógicos e irracionais. O aspecto oligárquico é evidente na aliança de bilionários que apoiam Trump e sua política. Isso é algo contra o qual o filósofo estadunidense John Dewey alertava já na década de 1920: o risco de as grandes empresas assumirem o controle direto do governo e do Estado. Se a tendência atual for confirmada, teremos de encontrar outra descrição, como a que propus sob o nome de 'ditadura oligárquica'.
DP: Vemos, por um lado, os comícios das extremas direitas com o slogan da ‘remigração’, por outro, o Gold Card de Trump que, por cinco milhões de dólares, promete aos estrangeiros de qualquer nacionalidade, desde que sejam ricos, comprar a residência estadunidense, que assim se tornou uma mercadoria, não mais um direito. Você escreveu que o direito de definir soberanamente quais direitos reconhecer ou não aos estrangeiros presentes em um país pode abrir caminho para uma ‘democracia sem direitos humanos’, uma democracia racista: uma potencialidade que está sempre aberta quando o conceito de democracia é reduzido a mecanismo de representação da vontade do povo, desvinculado de qualquer normativa universal.
JCM: Quando trabalhei no pensamento de Carl Schmitt nas décadas de 1920 e 1930, vi o exemplo - ou o contraexemplo - de um teórico que dissociava radicalmente democracia e liberalismo, entendendo democracia como a ‘vontade do povo’ que poderia ser expressa de forma plebiscitária ou aclamatória em relação ao ‘líder’, e liberalismo como a igualdade de direitos, os direitos humanos e a abertura cosmopolítica. A partir da década de 1920, Schmitt acreditava que uma ‘democracia’ podia excluir radicalmente os estrangeiros do ordenamento jurídico, o que facilitou seu apoio às Leis de Nuremberg. Essa dissociação não é apenas catastrófica, mas vemos mais uma vez que o desprezo pela lei, pelo estado de direito e pelos direitos humanos é um continuum: o primeiro alvo é sempre o estrangeiro, o migrante, mas aos poucos afeta potencialmente todos.
DP: As formas de expressão popular que vão além da representação parlamentar, como o ativismo, o associativismo e as várias formas de democracia participativa, parecem cada vez mais desorientadas e incapazes de falar com a massa das pessoas. Estamos diante de um novo niilismo que deixa o campo aberto para o culto do líder e a derivas autoritárias, ou existem possibilidades alternativas confiáveis para envolver na vida pública as pessoas desiludidas, ressentidas e cada vez mais distantes da política?
JCM: Acredito que, na situação de grande perigo que você descreve como niilista, devemos fazer duas coisas ao mesmo tempo: defender a democracia liberal, as instituições que devem garantir o equilíbrio dos poderes, a independência da magistratura, a liberdade de pesquisa e de crítica, os direitos humanos; mas também explorar formas de ‘democratização da democracia’; uma democracia mais cotidiana e mais próxima, para a qual o voto dos cidadãos sobre questões locais poderia ser uma inspiração. É necessário exercer uma vigilância coletiva sobre as liberdades públicas e formular alternativas. E, ao mesmo tempo, expor a maneira como a extrema direita usa os ressentimentos sociais e econômicos, direcionando-os para bodes expiatórios, minorias, populações mais expostas, migrantes ou pessoas trans, com o apoio de proprietários bilionários de mídias ou redes sociais ansiosos por desmantelar as normativas e destruir a redistribuição da riqueza.