16 Abril 2025
Gasto de mais de R$ 27 milhões em evento privado foi revelado com exclusividade pelo Sul21.
A informação é publicada por Sul21, 15-04-2025.
Quatro entidades da sociedade civil protocolaram representação conjunta no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP/RS) e no Ministério Público de Contas (MPC) questionando a legalidade, a legitimidade e a moralidade do uso de mais de R$ 27 milhões de recursos públicos para a realização do evento privado South Summit Brazil 2025. A ação é decorrente da reportagem publicada com exclusividade pelo Sul21 na última sexta-feira (11).
Realizado em Porto Alegre entre os dias 9 e 11 de abril, o South Summit é um evento privado cujo ingresso mais barato custou R$ 1.090,00 e o mais caro R$ 5.499,00.
Na representação, as entidades afirmam ser “inaceitável” o alto gasto de dinheiro público num “evento excludente, de acesso restrito e sem comprovação de contrapartidas reais à coletividade”. O uso de recursos públicos do governo estadual, da Prefeitura e da Assembleia Legislativa no evento privado, apontam as entidades, é ainda mais significativo ao considerar que Porto Alegre é uma cidade “marcada por crises ambientais, escolas públicas sem estrutura e carência de serviços essenciais”, afirmam a Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD), Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Ser Ação Ativismo Ambiental e Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
“Não somos contra eventos de inovação. Somos contra o uso de dinheiro público para financiar eventos privados enquanto faltam recursos para saúde, educação e meio ambiente”, afirma Emerson Prates, da Ser Ação Ativismo Ambiental. Ele lembra que os valores destinados ao South Summit superam, por exemplo, os recursos disponíveis para ações de fiscalização e restauração ambiental após as trágicas enchentes de maio 2024.
Coordenador do Instituto Ingá, Paulo Brack avalia que o gasto de R$ 800 mil do governo estadual com um barco exclusivo para convidados VIPs do evento é “um tapa na cara da população gaúcha”. “Em um contexto de emergência climática, esse tipo de gasto afronta o princípio da moralidade e da razoabilidade na gestão pública”, critica.
Por sua vez, Júlio Sá, presidente da AMPD, destaca que o objetivo da representação é garantir que o uso do dinheiro público seja transparente, proporcional e verdadeiramente voltado ao interesse público. “Precisamos de uma nova lógica de prioridades. Eventos privados devem ser financiados por seus organizadores, não pelo povo”, defende.
Já Heverton Lacerda, presidente da Agapan, pondera que representação no MP e no MP de Contas é um alerta. “Num estado assolado por desastres ambientais e negligências históricas com a pauta ecológica, é absurdo que os recursos públicos sejam drenados para alimentar o marketing da iniciativa privada, enquanto comunidades inteiras seguem vulneráveis. Antes de investir dinheiro público em empresas privadas, é preciso analisar o retorno social dos projetos para, então, avaliar se realmente são prioridades de investimento público.”
A representação solicita que o Ministério Público investigue os repasses, avalie a base legal e a existência de contrapartidas, assim como adote medidas que garantam transparência e responsabilização dos gestores públicos.
A ação pede também a avaliação da possibilidade de ressarcimento ao erário e responsabilização de agentes públicos, assim como a adoção de medidas que garantam transparência, controle social e proporcionalidade no apoio público a eventos privados.
“A cidade de Porto Alegre, realidade que se vê também em inúmeros municípios do Estado, convive com escolas públicas sem estrutura mínima, filas de espera por atendimentos de saúde, áreas verdes degradadas e comunidades inteiras em situação de vulnerabilidade. Enquanto isso, cifras milionárias são repassadas a um evento que, embora denominado de ‘inovador’, exclui quem não pode pagar e prioriza a promoção de uma imagem de modernidade descolada das reais necessidades do povo. Porto Alegre e outras cidades gaúchas ainda sofrem as consequências de eventos climáticos extremos, intensificados pela emergência climática, o que impõe o dever de destinar recursos à resiliência urbana, à recuperação ambiental e à adaptação às mudanças climáticas”, afirma trecho da representação.
As entidades citam o exemplo dos recursos ambientais do Fundo Municipal de Meio Ambiente, que foram retirados do órgão em maio de 2024, de forma emergencial logo após as enchentes, e não devolvidos até hoje, causando restrições de recursos para fiscalização e restauração de estruturas nas Unidades de Conservação precarizadas. “A só destinação, se confirmada, de R$ 800 mil a um barco para empresários e influenciadores, no atual contexto socioambiental, já ultrapassa o limite do razoável e afronta, salvo melhor juízo, o princípio da moralidade administrativa”, destacam as entidades.