01 Abril 2025
"Será que dentro da Igreja Católica ainda há salvação para o Evangelho de Jesus?", escreve Frei Betto, escritor, autor de Jesus rebelde (editora Vozes), entre outros livros, em carta enviada ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
O catolicismo era, no Brasil, a confissão religiosa majoritária na década de 1950, abraçada por 93,5% da população (IBGE). No censo de 2010, declararam-se católicos 64,6% da população. Os evangélicos, 30%. Em 2030, segundo prognósticos, os católicos serão de 35 a 40% da população e os evangélicos, de 38 a 40%. Enquanto os católicos declinam 1 ponto percentual ao ano, os evangélicos crescem na mesma proporção.
Por que o catolicismo retrocede? São várias as razões. A hierarquia católica cometeu dois pecados capitais nos últimos 60 anos: fragilizou o apoio às comunidades eclesiais de base – o movimento eclesial mais expressivo da história da Igreja no Brasil e de maior capilaridade nacional.
Mas o primeiro pecado foi, após o golpe militar de 1964, levar a Ação Católica à agonia e morte. Onde se encontra, hoje, o laicato participativo, crítico, apostolicamente ativo entre operários, universitários e intelectuais? Aliás, nossas universidades católicas evangelizam? Em muitas delas se formaram notórios políticos corruptos e legitimadores da opressão social.
De fato, o clero sempre temeu o protagonismo dos leigos. Devem ser apenas cordeiros cuja lã serve para ser tosquiada pelos pastores, como declarou o papa Inocêncio III.
Por que, em nossas missas dominicais em paróquias de classe média, os patrões comparecem, mas seus empregados (cozinheiras, faxineiras, porteiros de prédios etc.) vão para a igreja evangélica? Diz-se que a Igreja Católica fez opção pelos pobres, e os pobres, pelas igrejas evangélicas...
Aponto algumas causas da redução de nossa grei. Uma delas, com frequência denunciada pelo papa Francisco, é o clericalismo. Vide uma missa dominical. Tudo centrado na figura do sacerdote. Quando muito, um leigo ou leiga lê um dos textos litúrgicos. Os fiéis ignoram uns aos outros. No “abraço da paz” saúdam os vizinhos de banco sem nem sequer perguntar pelos nomes deles. Na hora da homilia, por vezes suportam a pregação aborrecida de um celebrante que nunca fez curso de oratória, não tem conteúdo (não lê e teve formação medíocre em filosofia e teologia), adota um discurso moralista. Procura se salvar com evocações emotivas porque não sabe como abastecer “as razões de nossa esperança”.
Sei que a maioria dos senhores jamais participou de um culto evangélico. Nosso ecumenismo não ultrapassa os limites de algumas igrejas protestantes históricas. O que é uma lástima. Os seminaristas não são incentivados a abraçar o diálogo inter-religioso e, em geral, têm visão preconceituosa das outras confissões religiosas. O que sabem de nossas religiões indígenas? Alguma vez foram a um terreiro de candomblé ou umbanda? Ou a um centro espírita? A maioria ignora as matrizes da religiosidade brasileira.
Se os senhores bispos fossem a um culto evangélico veriam os motivos do crescimento exponencial desse segmento cristão. Há cultos que duram duas ou três horas sem aborrecer os fiéis, ao contrário de muitas de nossas missas. Sabem por quê? Porque os fiéis têm participação ativa. Dão testemunhos de vida, vídeos atrativos são exibidos, os músicos e cantores aprimoram seus talentos, há escolas bíblicas. Os fiéis se conhecem pelo nome, o aniversário de cada um é comemorado em comunidade, há forte corrente de entreajuda (um dentista ou médico atende irmãos e irmãs). Ali as pessoas não são anônimas; ganham autoestima. Um cuida de arrumar emprego para o outro. Há entre eles forte vínculo afetivo. E a pauta de costumes leva-os a conhecer a prosperidade, pois abandonam os vícios e, assim, aumentam a poupança familiar.
Não me sinto afinado com a teologia da maioria das igrejas evangélicas, porque enfatizam mais o Antigo que o Novo Testamento; o diabo mais que Deus; o Deus da punição mais que o Deus do amor; o pecado mais que a graça. E muitas igrejas estão politicamente alinhadas ao conservadorismo, à naturalização da desigualdade social, à exaltação das riquezas. Incutem nos fiéis a “servidão voluntária”. Fazem uma leitura equivocada da Bíblia ao retirar o texto do contexto, como também acontece entre nós, católicos. Porém, conseguem criar forte senso de pertença e comunidade, imprimindo sentido à vida de todos.
Não escrevo aos senhores para suscitar espírito de competição entre igrejas. Temos muito a aprender com nossos irmãos evangélicos. Escrevo porque me inquieta o retrocesso da Igreja Católica, a perda do profetismo de nossos pastores, o esvaziamento de nossas paróquias, essa nova geração de seminaristas e padres apegada à batina, aos símbolos religiosos, às imagens sacras. Sacerdotes próximos às classes média e rica, e distante dos excluídos e vulneráveis, apegados ao conforto e à acumulação de bens. Escrevo porque sinto que Francisco, como João Batista, é um papa que clama no deserto...
Será que dentro da Igreja Católica ainda há salvação para o Evangelho de Jesus?
Deus nos encoraje e ilumine!