01 Abril 2025
Massimo Cacciari e Maurizio Ferraris, dois filósofos em diálogo em Turim: o Ocidente está em crise porque sacrificou a sociedade às finanças e à tecnocracia.
A reportagem é de Cesare Martinetti, publicada por La Stampa, 28-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não estamos todos assistindo a um filme de terror, é simplesmente política. Uma política hoje dominada pelo medo e orientada por uma casta econômica que se apoderou da tecnologia.
Elon Musk com bonezinho na cabeça e filho nos ombros destratando o presidente dos EUA no Salão Oval é o emblema desse processo. A Europa que declara que vai se rearmar sem ter uma ideia comum real de como fazer isso é o contraponto. Putin, que fantasia sobre seu sonho imperial, mas não venceu a guerra em três anos, é o outro protagonista de um mundo em decadência que perdeu qualquer horizonte de esperança, que não projeta um futuro e que está destinado ao verdadeiro confronto final que será com a China.
Implacáveis e desencantados, os filósofos Massimo Cacciari e Maurizio Ferraris deram vida ontem à noite no Circolo dei Lettori de Turim, para a Bienal da Democracia, no ciclo das Musas Sábias do Politécnico e Universidade, a uma discussão na qual eles se confrontaram com muita clareza para juntar fragmentos de esperança e tentar esboçar um horizonte de futuro.
Para Cacciari, é a política que “deve governar e direcionar a técnica e a tecnologia que hoje oferece novas e grandes possibilidades de libertação, uma utopia que pode nos levar a um grande lugar, mas também pode se transformar em uma tremenda distopia. Chegamos ao fundo do poço, só podemos subir”. Para Maurizio Ferraris, “devemos parar de olhar para a inteligência artificial como algo que está fora de nós e que nos ameaça. É um produto extremamente poderoso da humanidade e o homem deve ser o primeiro a tomar consciência disso e colocá-la a seu serviço”.
Esse final, no entanto, pareceu a todos o exercício de um dever por parte dos dois filósofos, uma declaração de otimismo da vontade, depois que o debate de todo o encontro foi dominado pelo pessimismo da razão. O estado do mundo, por outro lado, é o que é. Cacciari: “Trump é apenas o ponto culminante de uma longa tendência que revela uma grande crise dos sistemas democráticos incapazes de acompanhar a revolução tecnológica e o poder financeiro. Trump representa esse processo, mas não é de forma alguma folclórico, é a expressão de um país em grande dificuldade. Daí a política de tarifas, com uma sociedade dividida em cem mil seitas e que implementa políticas econômicas para se defender da competitividade chinesa. Se houver guerra, e temo que haverá, será entre os Estados Unidos e a China, não com a Rússia. As políticas protecionistas são sempre um sintoma de fraqueza e isso não é uma boa notícia para o Ocidente”. Velha política dominada pelo medo, o estado de espírito mais difundido. Ferraris: “É uma ferramenta do governo, que também é impulsionada por Musk ao deformar as funções da inteligência artificial.
Parece um filme de terror, mas não é. Quando o poder se sente fraco, acena com o medo.
Isso não é novidade. As analogias históricas estão sempre erradas, mas não podemos deixar de pensar em Hitler agindo contra o presidente austríaco antes de anexar a Áustria. Naquela época, porém, todos tinham esperança: o comunismo, o New Deal e até mesmo o nazismo para os alemães eram uma esperança. Afinal de contas, Hitler, antes de entrar na guerra, havia realizado um milagre ao reerguer o país. Hoje, qualquer força progressista está completamente ausente. Tudo o que esses governos prometem é um retorno ao passado: Rússia, Estados Unidos e até mesmo a Itália. Eles fazem com que se sonhe com um retorno à era de ouro”. E também havia outras formas de expressar o poder: “No passado havia mais pudor, diz Cacciari, hoje há uma impudência que se expressa em uma queda de hipocrisia, que revela a crise dos sistemas democráticos. Ou reconhecemos a realidade ou se tornará cada vez mais explícita a impotência da política, e a maioria dos cidadãos pensará que a solução será a China ou Putin”.
Haveria a Europa, algo que há tempo se fala e se escuta com desconfiança, muitas vezes com suspeita. Mas ao ouvir falar em defesa comum, não se pode deixar de pensar na história da construção europeia. Cacciari: “Todos os europeístas afirmaram a necessidade de uma união política na qual a defesa comum devia desempenhar um papel fundamental: devia ser a ponte que liga os dois lados do Atlântico, o Oriente e o Mediterrâneo. Essa era a estratégia de todos os verdadeiros europeístas".
Nos primeiros anos do século XXI, testemunhamos uma sinergia formidável entre as políticas dos NewCon estadunidenses e o sonho de redenção imperial da Rússia, perfeitamente combinados para formar as tragédias que estamos vivenciando atualmente. Um sonho duplo, o novo século estadunidense, combinado com o retorno da Rússia à sua antiga glória. Um sonho duplo que se transformou em uma única tragédia”.
A Europa tem condições de sair dessa situação? Cacciari afirma: “É o único destino que pode ter, não pode mais sonhar com uma primazia econômica ou científica, está em uma crise demográfica assustadora, um sinal de fraqueza e também de falta de esperança. Pode-se discutir longamente se a moeda única foi uma série de erros. Mas aqueles que a criaram foram uma classe política que tentou superar os obstáculos, que pensou que o euro acabaria se tonando uma aceleração em direção à união política. Mas depois houve a ampliação da União feita sem discernimento. Como se poderia pensar em uma união política com governos e países nacionalistas e soberanistas? Foi a manifestação de uma elite política muito fraca, dependente do poder dos mecanismos econômicos financeiros, ontologicamente mais fraca do que aquela dos anos 1980-1990”.
Em tudo, na Europa, como nos Estados Unidos, a esquerda foi subalterna e, portanto, responsável. Ferraris: “Ela se concentrou em proteger os direitos de poucos em vez de cuidar do progresso de muitos, empurrando-os assim para o caminho do retrocesso. Não acredito que os eleitores de Meloni ou Trump sejam mais estúpidos, eles estão simplesmente procurando respostas que não encontram na esquerda. Também não as encontrarão na direita, mas estão sendo tranquilizados. É urgente e necessário construir uma narrativa de futuro”.