29 Março 2025
Somos uma geração de adultos analfabetos diante dos códigos que nossos filhos acessam. Minissérie britânica expõe de forma brutal os riscos do mundo virtual na vida dos adolescentes.
O comentário é de Alana Freitas El Fahl, professora de Literaturas brasileira e portuguesa e cronista, publicado por DW, 27-03-2025.
Adolescência, disponível na Netflix desde 13 de março, é uma das narrativas mais difíceis de assistir de que me lembro já ter visto. São quatro episódios de alta densidade dramática. A angústia vai te acompanhar, mas vale ver essa pequena obra-prima do nosso tempo, infelizmente uma trama absolutamente verossímil.
Seu impacto é imediato, uma conjunção bem-sucedida entre forma e conteúdo que nos deixa em suspensão, não só pelo tema em si, mas pela filmagem em plano-sequência que nos faz perder o fôlego. A série conta com roteiro de Jack Thorne e de Stephen Graham, que também interpreta brilhantemente Eddie, o pai de Jamie.
A partir da prisão de um adolescente de 13 anos, Jamie Miller (interpretado por Owen Cooper), acusado de assassinar brutalmente a facadas uma colega da mesma idade, Katie, embarcamos num abismo complexo sobre as frágeis relações familiares na contemporaneidade, e também sobre o sistema escolar igualmente incapaz de cumprir seu papel – duas dimensões da educação completamente alteradas pelo universo das redes sociais.
A geração de Jamies e Katies da vida real são os chamados nativos digitais, toda a sua existência é pautada pelo impacto das redes. Eles convivem muito mais no digital que no real. E é nesse estranho país, sem leis definidas e com idioma próprio, onde a maioria deles se movimenta quando estão aparentemente seguros em seus quartos, isolados nos pátios das escolas ou burlando o uso do celular durante as aulas.
É nesse idioma estranho de termos como incel e emojis enigmáticos que se comunicam e têm seu grau de popularidade, aceitação, rejeição ou até mesmo felicidade medidos em curtidas. A série nos impõe a necessidade de compreender esse mundo novo, onde a ciberviolência pode sair das telas e ceifar vidas de verdade.
A narrativa é extremamente silenciosa e eloquente, cada episódio tenta lançar luz sobre uma faceta possível que leve à alguma resposta definitiva sobre aquele crime hediondo e incompreensível. Observe que a palavra "entendimento" se repete diversas vezes. Vale notar que todo o texto é repleto de armadilhas da linguagem, sinais de nosso tempo, no qual as palavras e os símbolos andam armados.
A grande questão que circula durante a trama parecer ser: Afinal, de quem é a culpa? Só do menino? Da omissão da família? Da insuficiência da escola? Dos aspectos culturais distorcidos como masculinidade tóxica, pornografia, padrões de beleza, bullying? Claro que não há uma resposta única para algo tão complexo.
O fato é que a série coloca um microscópio poderoso em nossa frente e nos convida a pensar sobre o que é ser adolescente hoje imerso no virtual, ignorar esse estranho mundo novo traz consequências incalculáveis e com riscos fatais. Não é uma história sobre respostas ou moralidades, é muito mais para nos provocar a fazer mais perguntas.
Todas as famílias, professores, psicólogos, policiais, líderes religiosos e demais interessados em entender sobre o que é ser adolescente deveriam assistir. Somos uma geração de adultos analfabetos diante dos códigos que nossos filhos acessam. Nossos pais de alguma forma sabiam do que nos proteger. Já não podemos dizer o mesmo sobre os nossos jovens.
Vejam, divulguem, discutam. A arte também tem a função de nos deixar desconfortáveis quando vemos parte de nós refletida nesse espelho mágico.