21 Março 2025
“Os fundos de investimento internacionais estão transformando radicalmente o modelo econômico mundial. A sua participação acionária nas empresas e na dívida dos países aumentou significativamente neste século, o que expôs a dependência das economias nacionais, incluindo a espanhola, do investimento estrangeiro. Uma parcela cada vez maior da economia está nas mãos de um punhado de gestores de fundos”. A reflexão é de Juan Pedro Velázquez-Gaztelu, em artigo publicado por Alternativas Económicas, março de 2025. A tradução é do Cepat.
Os fundos de investimento internacionais estão transformando radicalmente o modelo econômico mundial. A sua participação acionária nas empresas e na dívida dos países aumentou significativamente neste século, o que expôs a dependência das economias nacionais, incluindo a espanhola, do investimento estrangeiro. Uma parcela cada vez maior da economia está nas mãos de um punhado de gestores de fundos, o que significa que a tomada de decisões está se afastando de capitais como Madri e Barcelona e indo para Nova York, Londres ou o Golfo Pérsico.
As chamadas instituições de investimento coletivo – fundos de investimento, fundos de pensões, fundos soberanos, fundos de capital de risco… – são os acionistas majoritários das maiores empresas do mundo por seu valor na Bolsa de Valores: Apple, Nvidia, Microsoft, Google, Amazon e as demais gigantes da tecnologia. Isso vale também para o caso da Coca-Cola, Disney, Nike e muitas outras multinacionais. Na Espanha, estão presentes em todas as empresas do IBEX 35, incluindo aquelas que operam em setores estratégicos como energia, bancos, telecomunicações e infraestruturas. Nos últimos anos, o seu poder estendeu-se também aos serviços essenciais, incluindo a saúde, a educação e a habitação, e inclusive à agricultura.
O dinheiro vindo do exterior tornou-se essencial não apenas para as empresas investirem, crescerem e criarem emprego, mas também para equilibrar as contas dos Estados e manter o déficit público sob controle. O fenômeno coloca os governos na posição de atrair e preservar investimentos vitais para a estabilidade econômica dos seus países, ao mesmo tempo que defendem a sua própria independência e a permanência de empresas estratégicas em mãos nacionais.
Tudo aconteceu com uma velocidade tremenda. O poder adquirido pelos grandes fundos de investimento internacionais é uma das consequências do processo de financeirização da economia mundial iniciado no final do século XX com a desregulamentação dos mercados de capitais, que trouxe consigo um aumento do peso dos ativos financeiros – ações, bônus, derivativos, etc. –, em detrimento da produção de bens e de salários – a chamada economia real. O processo começou na década de 1950, mas acelerou com a revolução neoliberal liderada por Ronald Reagan e Margaret Thatcher na década de 1980, quando os novos atores começaram a acumular enormes reservas de capital privado e a investi-las em todo o mundo. Nem a crise financeira de 2007-2008 – consequência, em grande medida, da financeirização da economia mundial –, nem o freio à globalização provocado pela pandemia impediram o seu avanço.
No final de 2023, os ativos geridos pelas chamadas instituições de investimento coletivo chegavam a 97,9 trilhões de dólares, um valor equivalente a 103,5% do produto interno bruto (PIB) mundial. É uma soma descomunal, mas ainda abaixo do máximo histórico de 120,3% alcançado em 2021. Cada um dos três maiores gestores de fundos do mundo – BlackRock, Vanguard e Fidelity, todos com sede nos Estados Unidos – gerem ativos superiores ao PIB da Alemanha, a terceira maior economia do mundo. O seu poder é tão grande que há quem acredite, principalmente na esquerda, que representam um grave perigo para a soberania econômica dos países e até para a democracia. “Os inimigos da Espanha”, como os chamou a vice-presidente Yolanda Díaz, ao fazer referência à penetração de fundos no mercado imobiliário.
A BlackRock, a Vanguard e a Fidelity proporcionaram retornos substanciais aos milhões de indivíduos que investiram nos fundos que administram, mas a sua ascensão foi acompanhada por uma intensa concentração na propriedade das empresas e pela formação de oligopólios em setores-chave da economia.
A estrutura de propriedade das empresas e a forma como são administradas mudaram completamente com o influxo massivo de capital estrangeiro. Historicamente, os principais acionistas das empresas eram as famílias abastadas, os grandes bancos de cada país ou o próprio Estado, figuras que nas últimas décadas perderam peso a favor de investidores sem vínculos geográficos, históricos ou afetivos com as empresas.
Embora não costumem intervir diretamente na gestão das empresas nas quais investem, a sua presença enquanto acionistas confere-lhes grande influência nos conselhos de administração e na negociação de contratos de entidades públicas. Em setores regulados como o energético e o bancário, a magnitude dos seus investimentos permite-lhes pressionar para que a regulamentação se adapte aos seus interesses e assim obtenham a máxima rentabilidade. A compra ou a venda de ações por parte destes investidores institucionais também pode provocar grandes oscilações no preço das empresas afetadas e no mercado em geral.
Todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) experimentaram uma transformação radical na estrutura da propriedade empresarial, caracterizada por uma presença crescente de fundos em detrimento da propriedade direta por investidores individuais. Isto colocou as empresas diante do seu próprio dilema: enquanto os investidores institucionais tentam maximizar os retornos o mais rapidamente possível, os executivos são obrigados a garantir a sustentabilidade da empresa a longo prazo.
John Coates, professor da Faculdade de Direito de Harvard, escreveu que o domínio dos grandes fundos significa que cerca de uma dúzia de diretores estarão, num futuro próximo, no controle da maioria das empresas estadunidenses, e que este nível de concentração irá muito provavelmente reduzir os incentivos à concorrência. Vários estudos realizados nos Estados Unidos refletem que a presença dos investidores institucionais no capital das empresas traz também consigo uma redução da capacidade de negociação dos sindicatos, com a consequente diminuição da sindicalização.
Não é estranho, portanto, que a concentração de determinados setores em poucas mãos esteja associada a salários mais baixos, a uma redução dos níveis de emprego e a aumentos de preços em setores dominados pelos oligopólios. Einer Elhauge, também professora de Direito na Harvard, chama a atenção para a falta de ação dos governos diante do fenômeno. Na sua opinião, a concentração da propriedade “representa a maior ameaça anticoncorrencial do nosso tempo, principalmente porque é o único problema anticoncorrencial em relação ao qual nada estamos fazendo”.
O volume de dinheiro administrado pelos gestores de fundos torna impossível separar sua atividade da política. Nos EUA, Donald Trump e os seus apoiadores criticavam há anos os seus responsáveis por forçarem as empresas a adotarem medidas a favor da igualdade de gênero, da diversidade racial e da luta contra as mudanças climáticas. Como em tantas outras áreas, o retorno do bilionário à Casa Branca está invertendo a situação: a BlackRock, por exemplo, abandonou a sua estratégia ambiental e anunciou a sua saída do grupo Net Zero Asset Managers, criado em 2020 com o objetivo de coordenar os esforços do setor de investimento coletivo em prol da redução das emissões.
O avanço dos investidores institucionais tem sido impulsionado nas últimas décadas pelo crescente número de cidadãos que passaram a investir em fundos administrados por profissionais. As baixas taxas de juro até agora neste século significaram que aqueles que anteriormente investiram o seu dinheiro em rendimento fixo procuraram retornos mais elevados em ações ou outros produtos. Os fundos de investimento espanhóis fecharam o ano de 2024 com um crescimento dos ativos sob gestão de quase 50 bilhões de euros, o maior da série histórica e 14% maior que no final de 2023, segundo dados provisórios da associação setorial Inverco.
O caso da BlackRock é o mais emblemático do poder que os agentes financeiros internacionais estão acumulando. O maior gestor de fundos de investimento do mundo gere ativos que ultrapassam os 10 trilhões de dólares, seis vezes o PIB de Espanha. Com sede em Nova York, a BlackRock é presidida por Larry Fink, cuja fortuna pessoal é avaliada em mais de 1,2 bilhão de dólares, segundo a Forbes, graças principalmente ao valor das ações da empresa.
A BlackRock é o maior investidor privado em empresas espanholas, com investimentos de cerca de 70 bilhões de dólares entre participações em empresas cotadas e dívida pública. A gestora está presente em 60% das empresas IBEX 35, incluindo Iberdrola, Telefónica, Repsol, Cellnex, Amadeus, Santander, Sabadell, Repsol, Enagás, ArcelorMittal, AENA e ACS. Está também entre os principais acionistas das duas sociedades de investimento do setor imobiliário: Merlin e Colonial.
As instituições de investimento coletivo assumem diferentes formas, dependendo do nível de risco, do perfil de quem lhes confia o seu dinheiro e dos ativos nos quais investem. Estas são as principais:
Fundos de investimento. Os fundos de investimento são instituições de investimento coletivo criadas com as contribuições de um número variável de investidores, chamados de participantes. O fundo é criado por uma entidade, a gestora, que investe conjuntamente essas contribuições em diversos ativos financeiros (renda fixa, renda variável, derivativos, etc.) de acordo com orientações previamente definidas pelos seus diretores. Cada participante possui uma parte do fundo proporcionalmente ao valor de suas contribuições; portanto, aumentos ou diminuições no valor dos ativos de cada fundo são atribuídos proporcionalmente aos participantes. Existem fundos especializados em investir em setores específicos, como o imobiliário e as energias renováveis.
Fundos de pensão. São veículos de investimento especializados em gerar rendimentos para a aposentadoria. Assim como nos fundos de investimento convencionais, os participantes realizam contribuições de capital para o fundo de pensões (neste caso, regra geral, periodicamente). Uma sociedade gestora investe esse capital em ativos selecionados de acordo com critérios de rentabilidade e risco. Ao contrário de um fundo de investimento convencional, num fundo de pensões os investimentos são mantidos até a aposentadoria. As opções de resgate antecipado de capital estão sujeitas a limitações.
Fundos soberanos. Os fundos soberanos são veículos de investimento de propriedade dos Estados que são geralmente ricos em recursos naturais, como petróleo ou gás. O primeiro a ser criado foi o Kuwait Investment Authority, fundado em 1953 com o objetivo de rentabilizar e diversificar a riqueza gerada pelas exportações de petróleo. O fundo soberano norueguês é o maior do mundo graças ao petróleo e ao gás do Mar do Norte.
Fundos de capital de risco. São fundos que costumam investir em empresas de forma temporária para apoiar o crescimento das empresas, na esperança de que o seu valor de mercado aumente e obtenha uma rentabilidade final com a venda das suas ações.
Hedge funds. São instrumentos de alto risco que, na Espanha, são legalmente chamados de “fundos de investimento livre”. Os gestores de hedge funds, ou fundo de cobertura, procuram obter a maior rentabilidade possível independentemente da situação do mercado, apostando na alta ou na queda do preço das ações das empresas. Não possuem as restrições de investimento impostas aos fundos tradicionais; portanto, seus gestores têm maior liberdade para escolher os ativos em que investem. Empregam estratégias complexas, como vendas a descoberto, alavancagem, etc., algumas das quais apresentam um alto nível de risco.
Fundos abutres. São fundos de capital de risco ou hedge funds extremamente especulativos que investem em entidades à beira da falência por um preço baixo para obter lucros através de todo o tipo de estratégias, contando com a sua capacidade financeira e sua experiência neste tipo de situações.
Bancos e companhias de seguros. Assim como os grandes gestores de fundos, os bancos e as grandes companhias de seguros também atuam como canalizadores de investimentos para particulares. Essas entidades disponibilizam aos seus clientes o portfólio de fundos administrados por profissionais próprios.