17 Mai 2010
Os fundos de pensão brasileiros têm sido utilizados em investimentos como a hidrelétrica de Belo Monte e até em fusão de empresas como a Brasil Foods, e isso tem levantado questões relevantes quanto ao uso e a importância desse dinheiro para o projeto desenvolvimentista do país. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o professor Nelson Chalfun explica o que são os fundos de pensão, qual a sua lógica de funcionamento, os significados do seu crescimento e sua força política. Segundo o economista, “em geral, os fundos de pensão não gostam de investir em algo que ainda não está funcionando. Eles preferem muito mais investir, comprar ações ou ter participação na gestão de um determinado empreendimento quando já se conhece esse projeto, como a geração de energia na usina de Itaipu, a transmissão de energia elétrica ou em um shopping center de sucesso com muitos anos de funcionamento. Os fundos preferem fazer esse tipo de investimento, porque tem uma receita regular e perene”.
Nelson Chalfun é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É mestre em Economia Urbana e Regional pela University of California (EUA) e doutor em Economia pela University of Pennsylvania (EUA).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor pode nos explicar o que são os fundos de pensão?
Nelson Chalfun – É uma entidade criada no âmbito de uma empresa. Pode, também, ser um fundo de pensão aberto, no qual cada pessoa pode se associar e fazer suas contribuições, visando a aposentadoria ou complementação da mesma, que chamamos de regime geral da previdência ou INSS. Existem muitas empresas onde as pessoas recebem salários mais elevados. Nestes casos, elas ficariam a descoberto quando se aposentassem, pois o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem um limite de pagamento e contribuição. Esses fundos foram criados, então, exatamente para satisfazer essas necessidades das pessoas quando se aposentam.
A lógica do fundo é muito simples: capitalização. Você vai contribuindo ao longo de um determinado período, e as regras de aposentadoria são as estabelecidas pelo INSS, caso a pessoa queira se aposentar com uma complementação do órgão federal.
Desde a década de 1990, os fundos de previdência com benefícios definidos, ou seja, quando o salário aumenta, a constribuição também aumenta, foram caindo em desuso. As empresas foram adotando outro critério, que é o de contribuição definida. Este é mais simples de se entender. As pessoas se comprometem a contribuir, mensalmente, com 200 ou 300 reais, durante toda a vida na empresa. Elas vão constituindo um fundo, como se fosse de investimento, e na data das suas aposentadorias, elas sacam esse valor. É claro que a gestão deste fundo é feita sob responsabilidade da empresa.
Nos fundos da década de 1970, de estatais como Petrobrás, Caixa Econômica e Vale do Rio Doce, o empregador contribuía com duas partes. Por exemplo, se o empregado contribuisse com 300 reais, o empregador contribuiria com 600 reais. Estes fundos têm um caráter que chamamos, na nomenclatura dos fundos da previdência em geral, de mutualista. Caso houvesse algum revés na política de juros e na política macroeconômica do governo, aqueles funcionários que fossem prejudicados teriam a cobertura dos demais associados daquele fundo. Os fundos servem, portanto, para cobrir e complementar a aposentadoria de um empregado além daquilo que ele já contribuiu para a previdência oficial.
IHU On-Line – Os fundos de pensão brasileiros cresceram, em 2009, 54%, e, assim, atingiram o maior crescimento no mundo, no ano passado. O que isso significa?
Nelson Chalfun – Isto tem a ver com o próprio crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). O Brasil passou 20 anos estagnado em termos de crescimento real do PIB, da década de 1980 até a virada do século. Curiosamente, isso aconteceu na entrada do atual governo, mas este crescimento tem muito mais a ver com o crescimento da China e da Índia. O mundo todo experimentou um crescimento do PIB bastante acelerado, e o Brasil foi um dos países que se beneficiaram deste crescimento.
Há uns cinco anos, recebemos uma missão chinesa muito preocupada com as questões de previdência e moradia, buscando as experiências que o Brasil teve com a previdência oficial na época de Getúlio Vargas, e com a criação de mecanismos de financiamento habitacional. Um grande problema na China é que como era tudo estatal, não havia fundo de previdência para os empregados. Como a admistração era direta, quando as pessoas se aposentavam, o governo dava uma determinada quantia em dinheiro. No caso do Brasil, há fusões e aquisições de grandes empresas e, com isso, houve um crescimento acelerado destes fundos. Além disso, este crescimento também tem a ver com a nossa taxa de juros. O Brasil ainda é o segundo país com maior taxa de juros do mundo em função do endividamento do governo. Os fundos têm uma preocupação muito grande com os riscos das suas aplicações. Então, a maioria dos recursos está aplicada em títulos do governo. A rentabilidade e capitalização dos fundos são muito altas e ocorrem em um período de tempo muito curto. A partir de 2003, tivemos o aumento do patrimônio dos fundos em função da capitalização e da formalização do emprego, o que foi considerado um fenômeno mundial.
IHU On-Line – Como o senhor vê a participação dos fundos de pensão nas fusões de grandes empresas e nas grandes obras incentivadas pelo governo como a hidrelétrica de Belo Monte?
Nelson Chalfun – Estamos falando aqui de grandes empresas privadas, como a Varig. O Aerus, fundo de previdência da Varig, foi liquidado. Os dirigentes do fundo meteram os pés pelas mãos e destruíram o patrimônio do fundo, acabaram com a importância dos segurados. Infelizmente, no caso das empresas estatais, há essa ingerência também. Os governantes, que são os dirigentes das empresas estatais, são pessoas de movimentos sindicais que procuram administrar o fundo, e, muitas vezes, tem injunções políticas que ensejam eventuais decisões de investir nisto ou naquilo.
É por isso que os fundos devem ter auditoria e conselhos fiscais independentes, formados por seus funcionários, com uma perspectiva democrática e transparente. O número de recursos é muito elevado, em torno de 500 bilhões de reais, e essas grandes obras de infraestrutura demandam um volume grande de recursos. Aí, o governo, muitas vezes, lembra-se dos fundos de pensão e faz empréstimos e aplicações para financiar seus projetos.
Em geral, os fundos de pensão não investem em algo que ainda não está funcionando. Eles preferem muito mais investir, comprar ações ou ter participação na gestão de um determinado empreendimento quando já se conhece esse projeto, como a geração de energia na usina de Itaipu, a transmissão de energia elétrica ou em um shopping center de sucesso com muitos anos de funcionamento. Os fundos preferem fazer esse tipo de investimento, porque têm uma receita regular e perene. As aposentadorias vêm ocorrendo ao longo dos anos, então os fundos têm essa preocupação com o longo prazo e o baixo risco. E sabemos que, no mundo das finanças, quando se fala em risco baixo, se fala em remuneração baixa.
IHU On-Line – Quem realmente controla os fundos de pensão no Brasil?
Nelson Chalfun – Esta é a questão da participação dos conselhos deliberativos dos fundos. Em geral, quem controla, no caso das empresas estatais, é gente que participa dos ideais dos governantes, de um determinado governo. Em geral, os regulamentos dos fundos têm um esquema paritário, ou seja, metade da diretoria ou metade do conselho é indicada pelo patrocinador, no caso, a Petrobrás, e a outra metade é indicada por voto. Isso ocorre exatamente para se ter um equilíbrio de forças. Mas evoluiu muito, principalmente em função do que ocorreu na época das privatizações e fusões, o caso do Banco do Brasil foi célebre, e, ainda hoje, encontra-se em discussão com a questão do Daniel Dantas e do grupo Oportunity, que tinha participação do Citybank e do Banco do Brasil.
As participações dos fundos de pensão foi a estratégia que o governo desenvolveu para privatizar, pois o governo abriu mão de patrimônios, mas o fundo de previdência de estatais se tornou um dos acionistas importantes. Inclusive esta foi uma das soluções que se buscou para poder alienar e vender, porque, do contrário, não teria o recurso, pois o investidor privado não queria assumir o risco total. Foram grupos que se tornaram acionistas.
A própria legislação também proibia o monopólio. Antes tínhamos o monopólio do governo, que era pouco insuspeito, pois o governo pode ser monopolista no que quiser, mas, neste caso, tinhamos uma participação de vários grupos no controle dos empreendimentos. As privatizações ocorreram em 1997 e 1998 e entraram pelo ano de 2000. Mais recentemente, temos casos como o de Belo Monte, as concessões do Rodoanel de São Paulo, e várias rodovias que estão sendo objeto de privatização.
IHU On-Line – E que tipo de força política têm os fundos de pensão?
Nelson Chalfun – A força política se manifesta por meio dos recursos que estão disponíveis. Diferentemente de um banco, o fundo se assemelha muito a um segurador. Grande parcela daquilo que ele tem de ativo, como ações de empresas, título de governo e participações de empreendimento imobiliários, são empreendimentos que têm um risco baixo e uma vida bastante longa. Então, a força dos fundos está, exatamente, no montante de recursos que tem disponível para investimentos de longa maturação, como Itaipu, que, em 40 anos, já está paga.
O que se tem hoje são obras de infraestrutura para manter as encostas, para fazer a drenagem da estrada e o recapeamento. Isso, em relação ao investimento de se abrir uma estrada, não representa nada. E a tarifa que é cobrada no pedágio é muito superior àquilo que é demandado para a operação da rodovia.
Quem faz um investimento deste tipo está buscando uma rentabilidade, que não é muito elevada, mas que é uma receita perene. Os fundos de pensão têm essa força exatamente porque conseguem alocar recursos que não estão sendo e nem serão utilizados. Diferente do banco, no fundo de pensão, o sujeito só vai sacar o dinheiro quando ele se aposentar. Existem estatísticas para regiões bem arriscadas. Por exemplo, morei cinco anos nos Estados Unidos, primeiro em Los Angeles e depois na Filadélfia. O seguro de automóvel que eu pagava em Los Angeles era metade do que eu pagava na Filadélfia, porque a área da Filadélfia tem muito mais acidentes, e na Califórnia é mais tranquila. O que se paga pelo seguro tem a ver com o risco. Isso é diferente de você colocar dinheiro no banco e amanhã você resolver usar o dinheiro para comprar um carro. O fundo de pensão tem recursos que estão “dormindo” e só serão sacados quando houver a aposentadoria, e nunca serão sacados de uma só vez. Esses recursos, então, podem ser aplicados em investimentos que tenham um retorno muito longo também. O fundo tem condições de esperar os rendimentos.
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Fundos de pensão: o que são e para onde vão. Entrevista especial com Nelson Chalfun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU