18 Março 2025
A Comissão Europeia se oferece para centralizar as compras, como aconteceu durante a pandemia com as vacinas, para impulsionar o "rearmamento" do continente sob a premissa de "gastar melhor, juntos e de forma europeia". A retórica bélica se intensifica, e Bruxelas alerta sobre a ameaça de Putin mesmo que haja paz na Ucrânia.
A reportagem é de Irene Castro, publicada por El Diario, 18-03-2025.
O "modo guerra" em que a União Europeia entrou após a invasão russa da Ucrânia se intensificou nos últimos meses com o retorno de Donald Trump à Casa Branca. A "economia de guerra", mencionada pela Comissão Europeia na reta final do mandato anterior, tornou-se uma realidade em 2025: todos os governos europeus concordam que precisam aumentar substancialmente os gastos com defesa diante do afastamento dos EUA da segurança do Velho Continente. A retórica bélica, portanto, se acentuou nas últimas semanas, quando a liderança europeia percebeu que Trump deixou a UE e a Ucrânia à própria sorte.
Isso está registrado no Livro Branco da Defesa, que o executivo comunitário aprovará nesta quarta-feira – e que servirá como base para o desenvolvimento do "plano de rearmamento" de Ursula von der Leyen –, apostando em compras conjuntas de armamento com vários modelos, incluindo a gestão centralizada a partir de Bruxelas, como foi feito com as vacinas durante a pandemia.
"Mesmo que seja acordado um cessar-fogo na Ucrânia, a Rússia continuará expandindo sua economia de guerra, apoiada por Bielorrússia, China, Coreia do Norte e Irã. Uma Rússia revanchista é uma ameaça militar imediata para a UE", afirma o documento, que lembra que, em 2024, Vladimir Putin aumentou o orçamento de defesa em 40%, alcançando 9% do PIB do país, enquanto os gastos da UE ficaram atrás em relação a outras potências. Apesar de um aumento de 31% desde 2021, os investimentos europeus estão limitados a 1,9% do PIB do bloco.
Além de Moscou, a Comissão Europeia aponta outros desafios, como a China, o Oriente Médio e a vizinhança sul, para justificar a necessidade de ampliar os gastos militares, mesmo que um acordo de paz seja alcançado na Ucrânia.
Bruxelas insiste que, durante décadas, a defesa foi subfinanciada, o que gerou "carências críticas" nas capacidades europeias, deixando as forças armadas "esgotadas" e a indústria "fragmentada e incapaz de produzir em grande escala e a tempo". "A reconstrução da defesa europeia requer um investimento maciço, uma colaboração mais profunda entre os Estados-membros e um esforço sustentado nos próximos anos", afirma o Livro Branco, que destaca a necessidade de "gastar mais, melhor e de forma europeia". Além disso, a intenção é integrar a Ucrânia na indústria de defesa da UE e associá-la às iniciativas de desenvolvimento e aquisição.
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A Comissão Europeia – em sintonia com o trabalho prévio da OTAN – aponta sete áreas nas quais a UE deve concentrar seus esforços para reduzir as "lacunas" de capacidade e viabilizar projetos e compras conjuntas: defesa aérea e antimísseis; modernização dos sistemas de artilharia; criação de uma reserva estratégica de munições e mísseis; drones e sistemas antidrones; desenvolvimento da mobilidade militar (corredores terrestres, aeroportos e portos para facilitar o transporte rápido e eficiente de tropas, algo que atualmente não existe); avanço em inteligência artificial, computação quântica e ferramentas para guerra cibernética; além do planejamento da logística necessária com facilitadores estratégicos e proteção de infraestruturas críticas.
A Comissão Europeia defende que essas lacunas sejam abordadas "de forma colaborativa" entre os Estados-membros. Uma das estratégias propostas é o desenvolvimento de projetos emblemáticos paneuropeus. "A escala, o custo e a complexidade da maioria dos projetos nessas áreas superam a capacidade individual dos Estados-membros. Assim, uma ação coordenada, apoiada por todo o conjunto de ferramentas da UE, facilitaria uma aquisição eficiente e impulsionaria o aumento da capacidade industrial de defesa europeia, fortalecendo nossa base tecnológica, incluindo a inovação em tecnologia de defesa", destaca o documento.
"A aquisição colaborativa é o meio mais eficaz para obter grandes quantidades de 'consumíveis' bélicos, como munições. Mas a aquisição colaborativa também é essencial para viabilizar os projetos emblemáticos da UE, pois a demanda agregada reduz os custos, encurta os prazos de entrega e garante a interoperabilidade e a intercambialidade", acrescenta o texto.
Em Bruxelas, enfatiza-se, portanto, que as compras conjuntas são a "opção mais rentável" para viabilizar o rearmamento. Além dos projetos comuns, uma das estratégias da Comissão Europeia é oferecer "incentivos" a esse tipo de iniciativa por meio do Programa Industrial de Defesa Europeia (EDIP, na sigla em inglês). Também se propõe a atuar como intermediária nos mercados para obter vantagens competitivas: "A pedido dos Estados-membros, a Comissão também poderia atuar como central de compras em seu nome". Essa foi a estratégia utilizada nos contratos de vacinas contra a COVID-19 e será o modelo adotado para conceder empréstimos aos Estados-membros para a aquisição de material militar, através de um mecanismo de endividamento no valor de 150 bilhões de euros.
O plano de Von der Leyen busca impulsionar o made in Europe para o rearmamento do continente, embora nem todos os projetos possam incluir esse tipo de cláusula. "A UE deveria considerar a introdução da preferência europeia nas licitações públicas de setores e tecnologias estratégicas relacionadas à defesa. No entanto, essa preferência só será eficaz se houver produtos europeus disponíveis. Por isso, devem ser estabelecidas reservas estratégicas para fins industriais, bem como um Mecanismo de Vendas Militares da UE, como proposto no Programa Europeu para a Indústria de Defesa."
Assim, o Livro Branco estabelece alguns "princípios" para a realização das compras nacionais: buscar uma solução dentro da UE; negociar com fornecedores europeus, possivelmente com o apoio da UE, para reduzir preços e prazos de entrega, garantindo ao mesmo tempo o nível de desempenho necessário; e, caso não haja solução dentro do bloco, agrupar-se com outros Estados-membros para "consolidar sua demanda junto a empresas de países terceiros com ideias afins". Entre os países aliados mencionados no documento estão EUA, Noruega, Reino Unido, Canadá, Turquia e Índia.
Bruxelas também pressiona os Estados-membros a aumentar os gastos com defesa no curto prazo e os incentiva a solicitar, em abril, a ativação da cláusula de escape que excluirá essas despesas do cálculo da dívida e do déficit na análise da situação fiscal das economias.
Também se compromete a apresentar, em junho, uma proposta para simplificar e harmonizar o mercado único de defesa. "As empresas de defesa da UE precisam contar com condições equitativas em todo o bloco para aproveitar plenamente a escala e o dinamismo do mercado único", afirma o documento.
Assim, no meio do ano, será impulsionado o reconhecimento mútuo dos procedimentos nacionais de certificação da indústria de defesa, a eliminação de barreiras regulatórias, a simplificação dos projetos financiados pela UE e até mesmo uma revisão das diretivas sobre contratos públicos de defesa e segurança, além da regulamentação das transferências intracomunitárias.