13 Março 2025
"Fogos fátuos capazes, tragicamente, de acender incêndios nos escombros de um mundo globalizado e quebrado. Francisco se confirma como o anti “strongman”, como o definiu o escritor estadunidense Paul Elie: em uma era de líderes musculosos e prevaricadores, o Pontífice nos lembra que há outra maneira de entender e exercer o poder. O poder como serviço a todos, começando pelos mais frágeis, exercido por seres humanos que também são frágeis. Nessa perspectiva, a vulnerabilidade não é mais uma falha a ser escondida por medo de ser atingido por inimigos verdadeiros ou presumidos", escreve Lucia Capuzzi, jornalista italiana, em artigo publicado por Avvenire, 09-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A voz chega fraca, algumas palavras são entrecortadas. Instintivamente, verifica‐se o aparelho para ter certeza de que não se trata de um problema técnico. O tom, no entanto, é inconfundível. Embora sussurrada - além disso, em um espanhol com pronunciado sotaque argentino - a mensagem do Papa Francisco na quinta-feira atinge os ouvintes com um poder disruptor. Inunda a Praça de São Pedro, onde, como todas as noites, mulheres e homens se reúnem para rezar juntos por ele. De lá, se espalha pelo mundo inteiro.
Não graças às mídias, sociais in primeiro lugar, que a relançam. Nem aos jogos de especulação que a acompanham. Aquela voz fragilizada tem uma energia intrínseca que excede e escapa da malha da rede. Nela, sente‐se a dor, não exibida e não escondida, mas acolhida e vivenciada em sua plenitude. Mas, acima de tudo, percebe‐se a força vital de quem está no limite - o seu próprio - e, ao mesmo tempo, o ultrapassa. Nada a ver com a veemência invasiva dos berros - reais e virtuais - com as quais os líderes políticos neste momento competem para garantir para si holofotes nacionais e internacionais.
Fogos fátuos capazes, tragicamente, de acender incêndios nos escombros de um mundo globalizado e quebrado. Francisco se confirma como o anti “strongman”, como o definiu o escritor estadunidense Paul Elie: em uma era de líderes musculosos e prevaricadores, o Pontífice nos lembra que há outra maneira de entender e exercer o poder. O poder como serviço a todos, começando pelos mais frágeis, exercido por seres humanos que também são frágeis. Nessa perspectiva, a vulnerabilidade não é mais uma falha a ser escondida por medo de ser atingido por inimigos verdadeiros ou presumidos. Ela se torna um terreno comum para o encontro.
O áudio na praça lotada de fiéis é, portanto, o correspondente sonoro da imagem-ícone da oração do pastor sozinho na praça esvaziada pelo Covid. Todos pecadores perdoados que, ao se reconhecerem como tais, são capazes de perdoar e apoiar uns aos outros porque “ninguém se salva sozinho”.
“Agradeço sinceramente por suas orações pela minha saúde da praça, acompanho vocês daqui”. Em poucos segundos, a síntese e a destilação de doze anos de Pontificado e de 88 anos de caminho existencial como homem e como cristão. Em cada uma daquelas palavras simples, entrecortadas, quase impossíveis de se entender, quem escuta ouve o eco da Palavra. É difícil não pensar no “sussurro de brisa suave” no Monte Horebe, 300 quilômetros ao sul da atual Gaza, no qual Elias, como a Bíblia relata, finalmente reconhece a ordem de Deus depois de procurá-la em vão no “vento fortíssimo que separou os montes e esmigalhou as rochas”, “no terremoto” e “no fogo”. Na voz enfraquecida pela doença de Francisco, ressoa forte a Voz. É essa Voz, assim como naquele 27 de março de cinco anos atrás, que abre uma brecha na escuridão do presente para deixar irromper um raio de futuro. Um vislumbre mais necessário do que nunca na era da ira. Essa última é a marca tanto da cena pública quanto da esfera privada.
Ira, raiva contra a promessa traída de um crescimento ilimitado do bem‐estar individual e coletivo. Ira por uma globalização que achata a multiplicidade das culturas humanas em vez das desigualdades. Ira porque as instituições e as regras criadas para reduzir a violência dos conflitos resultam impotentes diante da Terceira Guerra Mundial em pedaços. Ira porque uma extensão de terra arrasada se ergueu das cinzas das utopias.
Ira porque, no mundo apequenado, a proximidade não se traduz em proximidade, mas em novas solidões. Na palavra ira, entretanto, está contida a raiz indo‐europeia “eis”, que indica o movimento descoordenado e desorganizado, sob o impulso da emoção. Em seu turbilhão frenético, aqueles que são vítimas dela destroem tudo ao seu redor. Diferente é a indignação, com a qual é frequentemente confundida. Esta - de acordo com seu significado etimológico do latim - é o movimento em defesa da dignidade, própria e alheia. O sentimento próprio do bom cidadão da res publica. Oferece um caminho para as sacudidas da ira e os direciona para um objetivo: a proteção do que é realmente importante.
Nunca antes, talvez, tenha havido uma necessidade tão urgente de abrir caminhos pelos quais a ira se torne indignação. A raiva se transforme em paixão. O delírio em sonho. Se só caminhando se realiza o caminho, parafraseando Antônio Machado, poder‐se‐ia propor um primeiro passo, imediato e concreto: realizar cada um - hoje, amanhã, logo - qualquer ato de fraternidade. Por menor que seja, invisível, escondido. Mesmo que seja apenas por alguns segundos, subverterá uma ordem vigente baseada no elogio da força bruta. Um gesto laico de Quaresma ao alcance de todos. Uma intenção de responder àquela voz tão frágil na qual ressoa a força - de sinal totalmente diferente - da Voz.