10 Março 2025
Paraná e Rio Grande do Sul apresentam as maiores taxas do crime na região.
A reportagem é publicada por Sul21, 08-03-2025.
Após alta observada em 2022, o Sul registrou uma queda de 18,5% dos homicídios de mulheres com arma de fogo em 2023. No entanto, a região apresenta uma alta porcentagem desses crimes realizados nas residências: 43% dos casos ocorrem em casa. A quarta edição da pesquisa Pela Vida das Mulheres: o papel da arma de fogo na violência baseada em gênero, produzida pelo Instituto Sou da Paz, revela que a queda de homicídios no país não freou mortes de mulheres por armas de fogo, o que demonstra a necessidade de políticas públicas de controle de armas orientadas às questões de gênero.
O Sul do Brasil apresenta uma taxa de 1,6 homicídios femininos por arma de fogo a cada 100 mil mulheres, frente ao número nacional de 1,8. Paraná e Rio Grande do Sul apresentam as maiores taxas da região, com 1,9 e 1,8, respectivamente, enquanto Santa Catarina possui o menor número: 0,8.
No Brasil, 3.946 mulheres foram assassinadas em 2023, arma de fogo foi o objeto empregado na metade dos casos. Já no Sul, 45,5% dos homicídios femininos foram realizados com este tipo de objeto.
“É urgente falar do impacto da violência armada na vida das mulheres e da necessidade de investir em políticas de controle de armas orientadas às questões de gênero”, destaca Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “São medidas que podem contribuir para a prevenção dos feminicídios e para o enfrentamento de um problema social que exige intervenção pela União, estados e municípios e em diferentes áreas, como saúde, segurança pública e assistência social”.
Apesar do número total de homicídios por arma de fogo ter diminuído e se mantido estável no país depois do pico de casos de 2017, a violência armada não letal voltou a crescer. O ano de 2023 atingiu quase o mesmo número do pico das notificações de 2017, um crescimento de 23%, se comparado a 2022, e de 35% em relação a 2021.
“O aumento das notificações no Sinan possivelmente indica uma aproximação gradual dos registros em relação a uma realidade mais grave da violência armada não letal contra mulheres no país. São casos que chegam para atendimento no sistema de saúde em um macro contexto de aumento da circulação de armas na sociedade brasileira”, explica Carolina.
A pesquisado Instituto Sou da Paz mostra que a violência armada não letal é muitas das vezes associada a outros tipos de violência. No ano de 2023, foram as violências física (52,8%), psicológica/moral (22,2%) e sexual (13,8%) as mais associadas à agressão armada.
Uma dinâmica característica da violência doméstica é a repetição, isso não se altera quando a arma é utilizada como objeto, pois em 35% das notificações a vítima já havia sofrido outros episódios de agressão.
Embora os dados das Secretarias de Segurança Pública, responsáveis por investigar a autoria e circunstâncias dos homicídios, não permitam traçar o perfil dos assassinos das mulheres, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação permite rastrear as características dos sujeitos que cometem violência armada não letal contra as mulheres.
A pesquisa mostra que as pessoas que têm proximidade com a vítima são responsáveis por 46% dos casos. Dentro desse números os parceiros íntimos, companheiros ou ex-companheiros, responderam por 29% das agressões não fatais com emprego de arma de fogo em 2023.
Os agressores são em sua maioria homens, 76%, e adultos, 48%.
Os dados compilados pelo Instituto Sou da Paz revelam que é aos 15 anos, idade da celebração do ritual de passagem que demonstra o amadurecimento feminino e a mudança da infância para a adolescência e vida adulta, que o homicídio das mulheres começa a ocorrer com armas de fogo no Brasil.
O grupo feminino de 15 a 19 anos responde por 11% dos assassinatos. Mas é entre as jovens e adultas de até 39 anos que se concentra a maior proporção dos casos, elas são 59% das vítimas.
A desigualdade racial é uma problemática social que também impacta as vítimas fatais: a taxa de homicídios de mulheres negras (2,2) é duas vezes superior à de mulheres não negras (1,1). Essa desigualdade racial se manifesta na maioria das unidades da federação, os estados do Sul são exceção.
Os dados nacionais mostram que as mulheres negras são as mais assassinadas, 72%, seguidas pelas brancas, 26,6%. A vitimização das mulheres negras é mais expressiva quando é analisado o recorte dos óbitos entre as adolescentes, elas representam 80% nesse caso.
O perfil das vítimas não letais é muito similar ao dos casos letais: as mulheres que sofrem esse tipo de violência estão na fase adulta, entre 20 e 39 anos, correspondendo a 55% dos casos, e a maioria também são mulheres negras, 64% das notificações. Há, porém, um fator diferencial nesses dois tipos de violência, um maior número de adolescentes, entre 10 e 19 anos, vítimas desse tipo de violência, elas corresponderam a 17,5% dos casos em 2023.
“No contexto em que temos uma grande quantidade de armas de fogo circulando na sociedade brasileira, os dados evidenciam a vulnerabilidade das mulheres à violência armada, tanto nas ruas como dentro de casa. Nesse cenário, é fundamental articular a política de controle de armas à agenda de defesa dos direitos das mulheres, considerando não só a alta letalidade provocada por esse instrumento e o risco de feminicídios, mas também seu emprego nas diversas formas de dominação e controle que marcam as relações desiguais entre os gêneros na sociedade brasileira” diz Carolina Ricardo.