27 Fevereiro 2025
Lula insiste que precisa explorar petróleo na foz do Amazonas para financiar a transição energética, enquanto mudanças climáticas provocadas pelos combustíveis fósseis torram o Brasil.
A informação é publicada por ClimaInfo, 26-02-2025.
O Brasil começou a semana pré-carnavalesca com mais uma onda de calor – a quarta a “torrar” o país somente em 2025. Numa conta simples, pode-se dizer que a cada 15 dias deste ano alguma região brasileira registrou temperaturas pelo menos 5ºC acima da média para o período, e por cinco dias ou mais.
Na “festa de Momo” não será diferente. Se desde o fim da semana passada é o Sul quem mais sofre [de novo neste ano] com os termômetros nas alturas, o calor extremo avançará para outras partes do país na próxima sexta-feira (28/2). Segundo o Climatempo, outra onda de calor – a quinta do ano – vai provocar temperaturas muito acima da média no Centro-Sul até 9 de março, mostram mapas do instituto com “anomalias de temperatura”.
No início desta semana, o presidente Lula esteve no Rio Grande do Sul, um dos estados afetados pelo calor extremo nos últimos dias e onde as altas temperaturas, associadas à falta de chuvas, já provocaram perdas de 40% na safra da soja. Em Rio Grande, no extremo sul gaúcho, Lula participou de uma cerimônia de assinatura de contratos da Transpetro, subsidiária da Petrobras. E como tem feito desde o início de fevereiro, voltou a insistir na falácia de que é preciso explorar petróleo na foz do Amazonas para financiar a transição energética.
Em vez de dizer que precisamos de mais petróleo para acabar com o petróleo e assim salvar o clima do planeta, o presidente deveria ter dado atenção a um estudo do Climate Central. O grupo, que reúne cientistas e comunicadores climáticos de todo o mundo, verificou que o calor enfrentado por mais de 127 milhões de brasileiros – 60% de toda a população – entre 14 e 20 de fevereiro se tornou cinco vezes mais provável por causa das mudanças climáticas. Estas têm na queima dos combustíveis fósseis, que Lula quer explorar, a sua principal causa.
O Climate Central verificou o Índice de Mudança Climática (CSI), que usa uma metodologia revisada por pares e dados em tempo real para estimar como as mudanças do clima aumentam a probabilidade de uma temperatura diária específica. A escala do CSI vai de 1 – na qual as mudanças no clima tornam o aumento da temperatura 50% mais provável – a 5, registrada no Brasil na semana passada.
“Este calor excepcional no Brasil seria essencialmente impossível sem a influência das mudanças climáticas. À medida que as temperaturas globais continuam a subir devido às emissões dos combustíveis fósseis, podemos esperar que mais ondas de calor coincidam com grandes eventos culturais, como o Carnaval”, explicou Kristina Dahl, vice-presidente de ciências do Climate Central.
No pré-carnaval extremamente quente do Sul do país, o presidente disse que “não gosta de combustíveis fósseis”, mas repetiu que o Brasil precisa deles. Não citou nominalmente a foz do Amazonas, mas, ao dizer que é o “dinheiro da Petrobras” que vai “ajudar a gente a fazer revolução na transição energética”, o recado foi claro. Afinal, a petroleira pressiona por uma licença do IBAMA para perfurar um poço na região, no bloco FZA-M-59. E recebeu o apoio de Lula na empreitada, que acusou o órgão ambiental de “lenga-lenga” no licenciamento.
Precisamos, então, falar sobre o “dinheiro da Petrobras”.
A estatal criou uma Diretoria de Sustentabilidade e Transição Energética há quase dois anos, nos primeiros meses do governo Lula. Até agora, porém, não se viu um centavo em projetos de fontes renováveis de eletricidade ou biocombustíveis. Mesmo depois da petroleira ter lucrado quase R$ 125 bilhões em 2023 – o segundo maior lucro líquido da sua história.
O atual Plano de Negócios [2025-2029] da petroleira prevê investimentos de US$ 111 bilhões no período. Dos quais US$ 97 bilhões [87% do total] vão para combustíveis fósseis, sendo US$ 77 bilhões em exploração e produção e US$ 20 bilhões em refino, transporte e comercialização. Já o segmento que a Petrobras chama de “Gás e Energias de Baixo Carbono” levará US$ 11 bilhões – parcos 10% do investimento previsto.
Pouco importa que o resultado financeiro da Petrobras em 2024 foi menor que o do ano anterior. O que parece óbvio é que não está nos planos qualquer “virada de chave” da Petrobras rumo a fontes renováveis, com ou sem petróleo na Amazônia. As presidências da empresa e da República continuam apostando na “petroleira”, não na “empresa de energia”.
Portanto, o que os números mostram é que, se depender do “dinheiro da Petrobras”, vamos “torrar” cada vez mais. Os planos da petroleira não incluem nenhuma “revolução” na transição energética, como Lula afirma. Pelo contrário: com o “carnaval do petróleo” que a empresa quer fazer na foz do Amazonas, estamos condenados a viver sob “ressacas” de calor, cada vez mais frequentes e intensas por causa das mudanças climáticas. E que não vão acabar na quarta-feira de Cinzas.