27 Fevereiro 2025
"O cenário que se abre hoje é de grande instabilidade, sobretudo por causa do freio da dívida que paralisa a economia. Para superá-lo, a constituição deve ser alterada, o que só é possível com os dois terços do parlamento, ou seja, com os votos da AfD. Assim, o cordão de contenção seria desmontado. Também se prevê que a maior parte dos fundos seria investida no rearmamento".
O artigo é de Donatella Di Cesare, filósofa italiana e professora de Filosofia Teórica na Universidade de Roma La Sapienza, publicado por Il Fatto Quotidiano, 25-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
E ela questiona: "O cenário não poderia ser, portanto, mais preocupante: uma Alemanha armada até os dentes com um forte partido neonazista. Mas a Europa não tinha nascido justamente para evitar isso?"
O resultado das eleições abre um novo capítulo na história alemã. O longo período pós-guerra, marcado pelo peso da culpa pelo extermínio e pela tentativa nunca totalmente bem-sucedida de reunificar o lado Oriental e o Ocidental, está definitivamente encerrado, e uma nova época está começando, que já apresenta muitas incógnitas e incertezas. Basta olhar para a composição do futuro parlamento.
A AfD duplica os votos, a Cdu-Csu de Merz se afirma, enquanto o SPD de Scholz afunda, pagando por suas inúmeras ambiguidades. Desaparecem formações históricas, como os liberais, enquanto os Verdes estão pagando pelos erros que cometeram nos últimos anos, primeiro entre eles uma política externa extremamente belicista. As pesquisas premiam o Die Linke, o partido de esquerda votado principalmente pelos mais jovens. Seja qual for o resultado das consultas, a AfD certamente terá uma influência e uma autoridade que dificilmente serão prejudicadas por um “cordão de isolamento” cada vez mais esfarrapado. É possível, de fato, que justamente a partir da oposição conseguirá influenciar as escolhas da política alemã.
Não é suficiente se lamentar porque no país europeu onde nasceu o nacional-socialismo, uma força política alinhada com aqueles valores possa ressurgir com tamanha força. Mas talvez tenha chegado a hora de questionar-se sobre os motivos pelos quais tantos alemães votaram na AfD, não apenas no lado Oriental, mas também naquele Ocidental, com porcentuais consideráveis. Trata-se, em sua maioria, de camadas pobres ou empobrecidas, afligidas pela falta de trabalho, preocupadas com a dificuldade de manter um padrão de vida decente, apreensivas com o futuro.
O tema da imigração, que certamente desempenhou um papel importante, foi mencionado com frequência, enquanto a guerra na Ucrânia é ignorada. No entanto, é justamente do crescente descontentamento com a política externa que a AfD angariou apoio. Como esquecer o Nord Stream 2? O gasoduto, decisivo para a economia alemã, foi destruído em setembro de 2022 por um grupo de sabotadores ucranianos. Para além do nebuloso caso, já naquela época ficou claro que a Alemanha era o alvo da política externa estadunidense. E uma Alemanha enfraquecida também significa uma Europa despedaçada.
Um dos resultados mais evidentes da guerra ucraniana - seja qual for o resultado das negociações - é a interrupção da Ostpolitik que, de diferentes formas, a Alemanha vinha perseguindo com força desde 1946. O que restava da indústria alemã só conseguia encontrar suporte graças aos recursos energéticos russos. Os governos mudaram, mas essa direção permaneceu, até Angela Merkel.
A carga explosiva que rompe o oleoduto não é apenas simbólica. No primeiro momento a Alemanha não trata do assunto, mas a AfD sabe como tirar proveito disso. É pró-putinismo? Trata-se de um julgamento precipitado que impede entender as grandes mudanças destes últimos anos. Logo após a agressão russa, os partidos tradicionais votam com entusiasmo pelo rearmamento, aplaudem as escolhas da OTAN sem parar para refletir sobre as implicações internas. A crise energética e a recessão estão na esquina, mas fingem não as ver. O suicídio se completa graças à obtusidade de uma classe política tão intimamente ligada à liderança em Bruxelas quanto dividida e separada do país.
Abre-se assim o caminho para a AfD, que tem a capacidade de canalizar e orientar o ressentimento, o descontentamento e a raiva. E quanto aos interesses alemães? E o futuro da Alemanha? Se depois de 2015, e da entrada dos sírios, a imigração ainda podia ser gerenciada, com o novo cenário de guerra um efeito dominó é desencadeado. Existe uma Alemanha que nunca se esqueceu da derrota dolorosa de 1945, quando a maior potência militar e industrial detinha as rédeas do Velho Continente, e existe a Alemanha da antiga RDA que nunca aceitou o efetivo rebaixamento. Mas os espectros do passado estão reaparecendo em carne e ossos devido à miopia dos que têm responsabilidade política no presente.
O cenário que se abre hoje é de grande instabilidade, sobretudo por causa do freio da dívida que paralisa a economia. Para superá-lo, a constituição deve ser alterada, o que só é possível com os dois terços do parlamento, ou seja, com os votos da AfD. Assim, o cordão de contenção seria desmontado. Também se prevê que a maior parte dos fundos seria investida no rearmamento. Quase todos os partidos tradicionais querem isso, a Cdu de Merz em primeiro lugar. A alternativa seria a proclamação pelo governo de um “estado de emergência” para remover o freio. Em ambos os casos, a AfD se torna decisiva.
E Alice Weidel está hoje bem ciente de seu potencial. Ela também pode contar com uma opinião pública que, apesar do sucesso da Linke, está cada vez mais deslocada para a direita.
O cenário não poderia ser, portanto, mais preocupante: uma Alemanha armada até os dentes com um forte partido neonazista. Mas a Europa não tinha nascido justamente para evitar isso?