25 Fevereiro 2025
Muitos eleitores na capital expressam sua preocupação com o avanço da AfD, que alcança os melhores resultados em uma eleição nacional para um partido de extrema-direita desde a derrota do nazismo.
A reportagem é de Iciar Gutiérrez, publicada por El Diário, 24-02-2025.
Ariana está de olhos fechados. Deixa que os raios de sol toquem seu rosto. Busca essa sensação de calor. Está sentada em um banco, sozinha e em silêncio, em frente ao monumento às vítimas do Holocausto, no coração de Berlim. A poucos metros, turistas despreocupados tiram fotos entre os centenas de blocos cinzentos de concreto que compõem esse labirinto, projetado como um espaço de memória e reconhecimento da própria história da Alemanha. Um lugar concebido para encarar o incompreensível.
A mulher, vinda de Frankfurt, está visitando a cidade, mas não parou aqui para descansar de uma longa caminhada. Veio "de propósito" após os históricos resultados da extrema-direita nas eleições federais deste domingo. De certa forma, essa onda azul também lhe parece incompreensível. "Como mulher do oeste alemão, estou muito preocupada. Quase toda a parte leste do nosso país votou em um partido racista e extremista", diz ao elDiario.es.
Assim como Ariana, muitos eleitores entrevistados pelo elDiario.es nesta segunda-feira, na capital alemã, expressam sua preocupação e descontentamento com a ascensão da AfD, que neste domingo alcançou os melhores resultados em uma eleição nacional para um partido de extrema-direita desde a derrota do nazismo em meados do século passado. Com 20,8% dos votos, tornou-se a segunda força política mais votada em toda a Alemanha, um patamar que nunca havia alcançado antes: mais de 10 milhões de pessoas optaram pela AfD, o dobro em comparação com as últimas eleições de 2021.
Berlim é uma ilha cercada de azul no leste do país, na região da antiga República Democrática Alemã (RDA). Mas a influência da AfD não está apenas do lado de fora: o partido também se posiciona como a força mais votada em um distrito da periferia nordeste da capital. No geral, o Die Linke (A Esquerda) foi o partido mais votado em Berlim, superando legendas consolidadas na cidade, como os Verdes e a CDU. Ainda assim, a extrema-direita também avança na capital, com um crescimento de cinco pontos percentuais.
Uma mulher de meia-idade, com cabelos loiros, empurra sua bicicleta pelo memorial que Björn Höcke – líder da ala mais radical da AfD e defensor de posições revisionistas que flertam com o neonazismo – chamou de "monumento da vergonha". O local ganhou destaque nos últimos dias depois que um turista espanhol foi ferido em um esfaqueamento, um tipo de ataque que a extrema-direita instrumentalizou durante a campanha para inflamar seu discurso xenófobo nestas eleições, tendo Elon Musk como aliado, que comentou o ataque com sua frase repetida como um mantra: "Só a AfD pode salvar a Alemanha".
Envolta em um cachecol laranja, a mulher, que prefere não revelar seu nome, mas conta que é social-democrata, afirma não estar assustada com o avanço da extrema-direita. “Sei que muita gente sente medo e preocupação, mas eu não. Sendo sincera, o futuro não me assusta porque tenho certeza de que a sociedade alemã não permitirá que eles ressurjam como no passado. Basta ver como a população reagiu quando a CDU se aproximou da AfD no Bundestag”, diz a moradora do distrito de Mitte, no centro da cidade.
Cidadã de nacionalidade turca, nasceu, cresceu e estudou em Berlim, onde viu a queda do Muro e agora administra uma fundação. “O que aconteceu é realmente inacreditável, um escândalo, mas vamos resolver isso. Tenho certeza de que há muitas forças no lado certo. Há tantas pessoas neste país que precisam de ajuda… Muita gente tem dificuldades todos os meses para pagar o aluguel e a comida”, acrescenta.
No Portão de Brandemburgo, um homem toca no violino Now We Are Free, a famosa canção de Gladiador, composta por Hans Zimmer. A ressaca eleitoral transcorre com tranquilidade no centro da cidade, repleto de turistas alheios à turbulência que o crescimento da AfD representa para o país. Pelas ruas, restam poucos cartazes dos partidos, vestígios de uma eleição que impôs uma dura derrota à coalizão tripartite que sustentava o chanceler Olaf Scholz no governo. Para o Partido Social-Democrata, os resultados foram os piores desde o final do século XIX.
Na hora do almoço, Philipp passa perto da Bebelplatz, a praça que homenageia August Bebel, um líder histórico do SPD. No entanto, o local é mais conhecido por ter sido palco da infame queima de livros de autores censurados pelos nazistas em 10 de maio de 1933.
Assim como muitos eleitores entrevistados, Philipp já havia se preparado para esse cenário, pois as pesquisas previam há meses que a extrema-direita ficaria em segundo lugar. Por isso, os resultados não o surpreendem. “Era esperado que a AfD tivesse tanta força. Isso é um problema, mostra que muita gente está insatisfeita”, afirma. “De alguma forma, essas pessoas têm medo de algo que talvez nem consigam explicar. A AfD é muito forte nas áreas rurais, talvez nem tanto em regiões metropolitanas como Berlim. É interessante, porque essas pessoas não são realmente afetadas, digamos, pela imigração”, acrescenta.
O homem, de 42 anos e empregado em uma empresa de software, reconhece que o medo que o auge da AfD lhe provoca está relacionado, sobretudo, com a “incerteza sobre o que está por vir e como a política diária será gerida”. Aqui, neste lugar tão simbólico da era nazista, o que ele pensa sobre os paralelismos com aquela época? “É legítimo”, responde. “Mostra o medo de muita gente de que isso volte a acontecer, embora eles neguem, chegando a dizer que Hitler era de esquerda, uma loucura e um absurdo.”
Nascido e criado em Berlim, Philipp mora em Pankow, um bairro ao norte da cidade. Nessas eleições, dividiu seu voto: o primeiro para o Die Linke e o segundo para os Verdes. Ele acredita que os bons resultados do partido de esquerda em Berlim, que conquistou pela primeira vez distritos no oeste, “demonstram que essa é a alternativa, não a AfD”. “Eles têm boas ideias. Acho que querem tratar as pessoas com justiça. Eles se concentram mais na sociedade do que nos lucros. Mas, claro, às vezes são pouco realistas”, diz.
Vestida com um chamativo casaco verde, Cornelia atravessa a praça a caminho do trabalho. Quando questionada sobre os resultados, a primeira coisa que ela faz é bufar. Ela não mora em Berlim, mas nos arredores, em uma localidade do estado de Brandemburgo, onde o voto na AfD disparou para 32,5% nessas eleições. “Minha sensação é ruim”, diz a mulher de 71 anos, que antes era professora e agora trabalha de forma parcial. “É uma ameaça para a democracia alemã, para a liberdade e os valores que defendo. Quero viver em um mundo humano. A Alemanha ainda é um dos países mais ricos do mundo e não precisamos ser hostis com as pessoas que precisam disso”, acrescenta.
A poucos passos de Cornelia está o monumento que comemora a queima: estantes brancas vazias, sob a Bebelplatz, oferecem simbolicamente espaço para cerca de 20.000 livros, os que se calcula que os nazistas queimaram neste local. “Me sinto muito desgostosa. Já sou bastante velha, mas não havia nascido quando tudo aquilo aconteceu [o nazismo]. Então, acho que sempre devemos estar conscientes da história alemã, do que aconteceu, e devemos garantir que nunca mais aconteça algo remotamente parecido”, enfatiza a mulher, que se inclinou pelos Verdes nas eleições “pela necessidade de defender a liberdade do povo ucraniano”.
Como muitas outras partes da cidade, a avenida Unter den Linden, que um dia foi um centro neurálgico da vida cultural berlinense, está erguida sobre a destruição da Segunda Guerra Mundial. Greta, uma estudante de Medicina de 22 anos, come uma barra de chocolate e bebe café no pátio da biblioteca estadual. Ela diz estar decepcionada com os resultados da AfD. “Espero que melhore e que as pessoas voltem aos seus partidos e não os votem novamente”, diz a jovem. “É algo desesperador, porque eles acham que estão do lado certo e o que dizem é um pouco forte devido ao passado histórico da Alemanha”, acrescenta, antes de esclarecer que é a favor de uma política migratória mais rigorosa em alguns casos.
Greta, que também mora no centro de Berlim, conta que apoia os liberais do FDP, que ficaram de fora do Parlamento. No entanto, explica que não pôde votar devido a problemas com a carta do censo eleitoral. “Acho que a economia é importante agora. Se o FDP tivesse alcançado os 5% (o limite para entrar no Bundestag) e se unisse à CDU, poderia ter havido uma mudança. Mas isso não aconteceu, então vamos ver o que eles farão. Só espero que o país melhore no futuro.”
Perto de Potsdamer Platz, o nome do museu não deixa dúvidas: Topografia do Terror. Neste local se articulava a perseguição e o extermínio perpetrados pelo regime nazista. Aqui se encontravam, entre outros, a polícia secreta e a direção das SS. Uma exposição narra a história do local e os crimes do regime de Adolf Hitler, junto aos restos do muro que dividiu a cidade em dois. Em frente, uma loja amarela vende souvenirs e um quiosque vermelho oferece currywurst sob o lema Curry at the wall [curry no muro].
Por ali passeia Jörg, que trabalha como arquivista em um edifício próximo e votou nos Verdes. Ele diz que não está “muito contente” com o resultado. “Merz não será um bom chanceler. Mas não há outra opção a não ser um governo com os social-democratas.”
O morador de Mitte considera “deprimentes” os resultados da AfD. “Há áreas onde eles têm até 40% dos votos, é demais”, acrescenta o homem de 47 anos. “Aqui você vê o que acontece se votar em fascistas”, diz, apontando com o dedo para a exposição sobre as atrocidades do regime nazista. “Me parece bastante errado que algo assim volte a acontecer na Alemanha. Espero que fiquem por aí e não subam mais.”