22 Fevereiro 2025
“O aperfeiçoamento das tecnologias para o controle da vida, da natureza e de tudo o que é humano é a marca registrada do capitalismo. Dessa forma, aumenta seus lucros, submetendo cada vez mais os seres humanos”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 21-02-2025. A tradução é do Cepat.
A massificação do uso da inteligência artificial (IA) e a naturalização de seus resultados não andam de mãos dadas com a compreensão de seus mecanismos, de quem a promove e com que interesses e objetivos. Se não fizermos esse exercício, seremos vítimas passivas de modos que não conhecemos.
Em uma entrevista recente, o historiador e filósofo Yuval Harari argumenta que a IA permite “uma vigilância total que acaba com qualquer liberdade”. Alerta que a capacidade de vigilância supera abundantemente a de qualquer ditadura ou regime totalitário, já que por meio das câmeras de vigilância com capacidade de reconhecimento facial e dos celulares, tem a capacidade de controlar até as mínimas atitudes de todas as pessoas, em todos os lugares em que a internet chega.
Pessoalmente, já comprovei que me enviam publicidade de produtos ou de marcas sobre os quais estou falando com minha família e amigos, quase imediatamente. Sabemos que, por meio dos celulares, a IA permite escutar qualquer conversa, por mais íntima que seja, qualquer movimento e comunicação que façamos.
Harari diz que “a IA é diferente de qualquer tecnologia inventada antes” porque, ao contrário das tecnologias anteriores, não está nas mãos de humanos, nem é uma ferramenta que deve ser ativada por pessoas, mas “um agente independente” que tem a capacidade de tomar decisões “por conta própria”. Argumenta que nos meios de comunicação que “integram a base de uma democracia em larga escala” não são mais os editores que tomam as decisões editoriais, são “os algoritmos que decidem qual deve ser a história recomendada”.
Penso que muitos dos argumentos de Harari são interessantes e que sua denúncia da manipulação massiva da informação é muito importante. Ele dá um passo além para aprofundar as consequências da IA: “os algoritmos das empresas descobriram que é preciso disseminar fake news e teorias que aumentem as doses de ódio, medo e raiva nos usuários, pois isso faz com que as pessoas se envolvam, passem mais tempo nas plataformas e enviem links para que seus amigos também fiquem com raiva e sintam medo.”
Conclui que este é um modelo de negócio porque “o envolvimento do usuário é a base de tudo”, de modo que o tempo que cada usuário passa nas plataformas faz com que as empresas ganhem mais dinheiro, pois vendem mais anúncios e, sobretudo, “coletam dados que depois venderão a terceiros”. Uma análise bem interessante, que termina com uma frase devastadora: “As pessoas do setor estão presas em uma mentalidade de corrida armamentista, de competidores, e de não deixar que os outros ganhem”.
Acredito, no entanto, que faltam dois aspectos para completar o quadro, pois, caso contrário, o contexto do que verdadeiramente está acontecendo pode ser perdido: o primeiro é que os algoritmos não têm vida própria, mas foram criados pelo sistema para melhorar seus lucros, aprofundando o controle de nossas mentes. O segundo é que a história do capitalismo é justamente esta.
Quando Harari argumenta que a IA toma decisões por conta própria, isto é apenas parcialmente verdadeiro, caso olhemos apenas para a tecnologia, mas não para aqueles que a criaram e a operam para conhecer até mesmo os desejos mais profundos das pessoas.
Em segundo lugar, devemos voltar à história do panóptico, do taylorismo e do fordismo para ver como o controle do capitalismo foi sendo aprofundado.
O panóptico surge nos exércitos. As tendas dos soldados tinham que estar rigorosamente alinhadas para que os oficiais pudessem detectar o menor movimento. Depois, transferiu-se para as prisões, os hospitais, os centros educacionais, as fábricas; sempre para limitar a autonomia das pessoas. As câmeras que estão se multiplicando em nossas cidades têm o mesmo objetivo.
Nas fábricas, no período da manufatura, o operário especializado controlava as máquinas e seus tempos de trabalho. No final do século XIX, impôs-se a “organização científica do trabalho”, idealizada por Frederick Taylor, que dividia as tarefas entre aqueles que executam movimentos e aqueles que planejam e dão ordens. O objetivo era transformar o operário em um “gorila adestrado”, submetido às máquinas, capaz apenas de fazer movimentos precisos e cronometrados.
Com a linha de montagem criada nas fábricas Ford, encerra-se um primeiro ciclo de controle dos operários, depois aprofundado com o “toyotismo”, quando os trabalhadores conseguiram neutralizar os modos de exploração anteriores, na década de lutas operárias de 1960.
O aperfeiçoamento das tecnologias para o controle da vida, da natureza e de tudo o que é humano é a marca registrada do capitalismo. Dessa forma, aumenta seus lucros, submetendo cada vez mais os seres humanos. Surgirão novas e mais sofisticadas formas de controle, porque os de baixo sempre encontram maneiras de resistir e burlar os de cima.